Percussionistas iniciam 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres

Segunda edição do 'No Batuque do Tambor' foi realizada nesta terça-feira (22), no Pelourinho

Publicado em 23 de novembro de 2022 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Paula Froés/CORREIO
. por Paula Froés/CORREIO

No Largo Cruzeiro de São Francisco, no Pelourinho, mais de 70 percussionistas se reuniram para tocar juntas em um só ritmo e em uma só voz. Até o sol se pôr, a segunda edição do No Batuque do Tambor, realizado nesta terça-feira (22), emocionou e causou arrepios em quem parou para assistir à mobilização. O evento, que garantiu a abertura oficial dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres na Bahia, começou com o agogô e o chocalho do Afoxé Filhas de Gandhy, bloco afro com 40 anos de tradição no Carnaval de Salvador. Logo em seguida, as outras bandas participantes acompanharam com os seus instrumentos, em um movimento sincronizado e marcado pelo protagonismo de mulheres instrumentistas que integram diversos grupos musicais da capital e interior baiano. 

Além das Filhas de Gandhy, participaram do evento outras cinco bandas baianas: Yayá Muxima, Didá, A Mulherada, Meninas da Rocinha e Mulheres Percussivas de Santo Amaro. O batuque era sempre puxado por uma das bandas e as outras acompanhavam em um ritmo perfeito, mesmo sem ensaio. Nos outros países, o movimento acontece em apenas 16 dias de ativismo. No Brasil, o período é antecipado em cinco dias, começando em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A atitude é uma forma de ressaltar a maior vulnerabilidade das mulheres negras à violência. Segundo o Atlas da Violência 2021, 68,1% das vítimas de feminicídio no Brasil, no ano passado, eram pretas e pardas.

No Largo Cruzeiro de São Francisco, a maioria das percussionistas também era negra. Por isso, elas ressaltaram a importância de atuar não só contra o machismo, mas também contra o racismo. A fundadora da Yayá Muxima, Vivian Caroline, 45 anos, destacou a luta histórica de outras mulheres, como sua mãe e sua avó, para que hoje elas pudessem se reunir para tocar tambor no Pelourinho e onde mais quisessem. “Somos vítimas desse processo escravizatório que nos coloca como inferiores, que tenta deixar de lado nossa beleza e nosso potencial. Tudo isso faz com que estejamos na instância mais sensível desse lugar da violência”, pontuou.  Ao todo, 70 instrumentistas de cinco bandas participaram do movimento (Foto: Paula Fróes/CORREIO) “Essa reunião de hoje foi das principais vítimas da violência. Nós [mulheres negras] estamos na base da pirâmide social e isso significa que estamos ainda mais distantes dos salários, da rentabilidade e da segurança econômica. Vamos rufar os tambores para que a gente possa protagonizar números positivos”, destacou a fundadora da Yayá, que soltou a voz no meio do batuque, com músicas e frases afirmativas pelo fim da violência. 

Além do som potente dos tambores, o que impressiona é a energia das mulheres para mobilizar a sociedade para atuar junto com elas. O evento também não deixa de ser um espaço de empoderamento, dando visibilidade às instrumentistas. O Afoxé Filhas de Gandhy, por exemplo, surgiu a partir do desejo das mulheres irem às ruas ocupar um espaço de relevância no Carnaval de Salvador.

Cherry Almeida, 45, diretora da banda do afoxé, explicou que a maior parte das mulheres já sabiam tocar atabaque porque vinham do candomblé, então elas também podiam fazer parte de um grupo maior. “Estamos em uma cidade que é mãe do Brasil, então precisamos também ser mães dos nossos ideais. Vamos usar o tambor para combater a violência com muita energia e muita música”. Música e ativismo unidos pela potência das percussionistas baianas (Foto: Paula Fróes/CORREIO Quem participou e apoiou a mobilização foi Liliane Oliveira, 39, que faz parte da Marcha Mundial das Mulheres. Segundo ela, a campanha é fundamental para que seja possível listar compromissos em comum para o enfrentamento à violência contra a mulher. “Várias vozes juntas conseguem ecoar com mais força nas pautas e a organização das mulheres negras, tanto a presença estrutural, como política, é imprescindível nessa luta. Não existe a luta feminista sem a luta antirracista e não tem a luta antirracista sem o feminismo”, destacou.

A mobilização dos 21 dias ocorre até 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos. O movimento foi criado em 1991 por 23 mulheres feministas de diferentes países reunidas pelo Centro de Liderança Global de Mulheres (CWGL), nos Estados Unidos. Atualmente, a mobilização mundial ocorre em 159 países. Em Salvador, o evento é promovido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado (SPM-BA).

Julieta Palmeira, titular da pasta, ressaltou que a iniciativa é uma nova forma de expressar os desejos das mulheres em ter uma vida mais saudável e plena, lado a lado com os homens. “É uma luta de toda a sociedade, não só das mulheres. O movimento é um som, um grito pelo fim da violência. Não é somente o problema de um crime que precisa ser punido, mas é uma ação civilizatória e que interessa a todos que querem uma sociedade humanista, em que um indivíduo considere e pense no outro”, afirmou.