PMs agressores do Santo Antônio são afastados; corporação comenta conduta

Gestante acha que foi atacada por ser negra: 'único pontinho negro na multidão'

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  • Bruno Wendel

Publicado em 6 de junho de 2018 às 16:58

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Os policiais militares filmados por populares durante uma ação truculenta, na qual chegaram a espancar um jovem de 21 anos, no último domingo (3), no Santo Antônio Além do Carmo, serão afastados das atividades operacionais. A informação é do Departamento de Comunicação Social (DCS) da Polícia Militar, que comentou ainda a conduta que deveria ser adotada pelos PMs na abordagem (ver mais abaixo).

O caso veio à tona depois que o CORREIO publicou um dos vídeos, em primeira mão, nesta quarta (6). Nele, uma gestante também acaba agredida por um dos PMs. Os tapas, socos e puxões de cabelo na mulher foram os últimos atos da tentativa desastrada de condução do rapaz, flagrado com um cigarro de maconha, no bairro do Centro Histórico de Salvador.

Uma testemunha afirma que viu quando os policiais se aproximaram do rapaz. “Um cheirou a mão do menino e perguntou se tava fumando maconha. Ele respondeu que não, o policial disse que era mentira e foi pra cima dele”, conta. Mulher agredida está grávida de 3 meses e temeu pelo filho (Foto: Marina Silva/CORREIO) Em nota, a PM também informou que os policiais serão apresentados ao Departamento de Promoção Social da corporação para acompanhamento psicológico. No entanto, o paradeiro do rapaz não foi informado - a filmagem não mostra, mas ele acabou sendo colocado na viatura 8.1807 do 18º BPM (Centro Histórico).

Uma testemunha, no entanto, informou ao CORREIO que após a confusão, o rapaz foi conduzido até a delegacia e liberado uma hora depois. A confusão no largo ocorreu por volta de 22h30 de domingo.

Grávida relata situação Na manhã desta terça (6), o CORREIO conversou com a grávida que aparece no vídeo, a segunda vítima das agressões dos policiais. Ainda muito assustada pelo ocorrido, ela preferiu não se identificar. 

A mulher estava com duas filhas pequenas e outros familiares no local, durante os festejos da Trezena de Santo Antônio, quando junto com outras pessoas testemunhou a agressão ao rapaz de 21 anos.

Revoltada com a abordagem violenta dos policiais, a gestante, como a maioria das pessoas que viram a cena, manifestou repúdio e sugeriu ao rapaz que não entrasse na viatura. Logo em seguida, um dos PMs parte para cima da gestante, agride e puxa ela para perto da viatura.

“Foi tudo muito rápido. A população conseguiu me tirar dele e conseguiram me levar para casa. Estava muito nervosa. Imagina se tivesse feito a mesma agressão do rapaz em mim? Eu poderia ter perdido meu filho e era algo que não teria volta", comentou."Antes, eu parabenizava o trabalho da polícia, mas agora, estou totalmente indignada, porque estou grávida e fui arrastada no meio da rua parecendo um bicho", declarou a mulher.  Perguntada sobre o que mais lhe indignou para sair em defesa do rapaz, a mulher declarou: “Ele pisoteando o cara. Ali foi a metade do vídeo. Antes do vídeo ele já estava agredindo o rapaz. Só filmaram porque a gente começou a gritar. Teve outra pessoa que filmou e ele queria tomar o celular do rapaz para quebrar. Foram duas pessoas que filmaram. Agora, eu vou ficar com medo quando qualquer policial chegar perto de mim. Vou pensar até que vai querer me matar”, comentou. 

Por ser negra Ela acredita que o policial foi em sua direção pelo fato de ser afrodescendente.“Tinha muito branco gritando, muito turista, e ele veio no único pontinho negro na multidão. Se fosse desacato, tinha que prender a multidão toda, todo mundo tava gritando a mesma coisa”, ela reclama.Ela conta que outros policiais que fazem ronda na região nunca agiram dessa forma. “Eu não conheço ele, nunca vi por aqui. Os que sempre estão aqui a gente vê fazer abordagem, às vezes até levam alguém na viatura, mas nunca aconteceu isso. Do jeito que ele tava agredindo foi muita brutalidade. Ele tinha que algemar e levar, não agredir e ridicularizar. Tô criticando essa atitude”.

Para a vítima, a conduta dos policiais em questão não representa o comportamento comum da corporação. “Nem todas as pessoas são iguais. Tenho certeza que o secretário de Segurança Pública deu um outro treinamento a ele para não agir daquela forma. O rapaz foi muito espancado para entrar na viatura”, finalizou. A grávida diz que sua maior preocupação no momento da agressão era com suas filhas, que a acompanhavam nos festejos da Trezena de Santo Antônio. “Minha filha de 7 anos tava desesperada, chorando e gritando. Nem isso ele respeitou”. 

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Moradores Além da grávida, outros moradores do Santo Antônio relataram a ação truculenta dos policiais. Uma dona de casa que estava com marido e filho foi uma das pessoas que reprovou a atitude dos PMs na ocasião. 

“Essa não é a polícia que queremos. Como podem agir daquela forma? Que levassem o rapaz de outra forma. Pelo que vimos, o rapaz não queria ir no fundo da viatura porque dizia que não era bandido. Ele disse que iria no banco de trás, mas não porta-malas. E a grávida? Foi espancada também porque não aguentou ver as cenas de horror”, disse ela, que completou em seguida: “sou filha de militar, tenho parentes militares, e sei que isso não é um procedimento habitual da polícia”. 

Um morador e comerciante do local relatou que nunca tinha visto esses PMs na comunidade, mas que ficou surpreso pois “existe uma boa relação entre os policiais do 18º Batalhão e a comunidade”.“Sempre que precisamos dos policiais, eles estão presentes, mesmo com todos os problemas de efetivo e estrutura. São acolhidos pela comunidade, inclusive alguns são até conhecidos, mas estamos perplexos porque isso nunca aconteceu aqui. Já tivemos casos de inúmeras abordagens, de pessoas pegas com drogas e que foram levadas tranquilamente para a delegacia, mas como a de domingo foi a primeira vez, e espero que tenha sido a última”, declarou. Corporação comenta conduta O Departamento de Comunicação da PM também falou sobre quais condutas devem ser adotadas pelos policiais em situações como a ocorrida no Santo Antônio, no domingo.

Em resposta a questionamentos feitos pelo CORREIO, a corporação esclareceu que "a técnica policial militar prevê que o agente poderá utilizar a força proporcional para fazer cessar a resistência do conduzido, preservando a integridade de todos os envolvidos na ação".

Sobre o ataque à gestante, afirma que "de maneira clara, a intervenção do policial militar junto à mulher que gritava durante a condução do homem está incompatível com a proporcionalidade esperada para a sua ação".

Sobre a abordagem ao jovem, a PM declara que "a conduta dos policiais frente à resistência apresentada será objeto também da apuração instaurada, mas à primeira análise os policiais atuam de forma empenhada e proporcional para fazer cessar a resistência e realizar a condução". "É importante evidenciar que o mesmo homem, recentemente, já fora conduzido outras duas vezes e apresentou o mesmo comportamento", continua a nota.

Quanto às possíveis punições aos policiais envolvidos, o comunicado explica que "as cominações penais e administrativas decorrentes do uso desmedido da força variam em função do resultado provocado". "Na situação presente, o código penal militar prevê uma pena que varia de três meses a um ano de detenção", esclarece.

Ainda conforme a corporação, no que diz respeito a possíveis exonerações, informou que os motivos são bastante diversificados, "mas os desvios de condutas, que resultam no cometimento de crimes, são os principais motivadores dessas demissões". A vítima diz que ainda não sabe se vai fazer denúncia na Corregedoria da Polícia Militar contra o policial que a agrediu. “A corregedoria ficou de mandar gente aqui pra conversar comigo, mas mesmo assim tô com medo e disse isso pra eles. Quando soube que ele tava afastado fiquei com mais medo ainda”. Procurado, o Centro Integrado de Comunicações (Cicom), afirmou não ter informações sobre o depoimento da vítima, que ainda não foi feito.

Comandante Durante entrevista ao Bahia Meio Dia, da TV Bahia, o tenente-coronel Arnaldo Neto, comandante do 18º Batalhão de Choque (Centro Histórico), no qual os PMs são lotados, comentou o vídeo das agressões divulgado pelo CORREIO. 

“Estamos avaliando. Foi encontrado droga. Ele resistiu e essa não foi a primeira vez. Já foram três vezes. A primeira por bater em um menor. A segunda, ele foi abordado após uma denúncia de que portava arma e a outra estava com uma certa quantidade de drogas. Em todas as situações, ele resistiu a ser conduzido à delegacia. Com relação à senhora (grávida), a gente não concorda. Já a identificamos e pedimos desculpas e o policial já foi afastado”, disse o tenente-coronel.

A mãe do rapaz nega que ele estivesse portando droga. Sobre as outras ocasiões em que ele resistiu à prisão, ela disse que o jovem foi denunciado por agredir um menor, mas nada foi provado e o rapaz liberado. E sobre a ocorrência de porte de arma, ela relatou que esta também não foi comprovada e que ele resistiu à prisão por conta da ação truculenta dos policiais, que causaram no jovem medo de ser morto. 

Em outro momento da entrevista, o comandante foi questionado novamente sobre a conduta dos policiais em relação à agressão do jovem. “Qualquer outra situação será apurada. A punição será analisada. Normalmente, para as pessoas, parece ser incorreta, mas foram quatro policiais para segurar uma pessoa que estava bastante excitada e estamos averiguando a ação do PM. Temos que aguardar o feito investigatório”, declarou.

O comandante disse ainda que já foi ouvido o policial que aparece no vídeo dando tapas, socos e puxões de cabelo na grávida, mas não deu detalhes. “Por conta da investigação, não podemos falar, mas ele já foi ouvido e a polícia não coaduna com a violência”.

*sob orientação da editora Clarissa Pacheco