Poeta de rua e atleta denunciam truculência de guardas municipais em Fortaleza

Casos de abordagem violenta foram denunciados em postagens nas redes sociais

Publicado em 8 de abril de 2022 às 13:01

. Crédito: Reprodução

Duas denúncias de abordagens truculentas por parte de guardas municipais viralizaram nas redes sociais nos últimos dias. Uma delas foi contra um poeta de rua (artistas que se apresentam nos ônibus de Fortaleza), o que motivou protestos de outros artistas. A outra denúncia ocorreu no bairro José Walter e teve como alvo um triatleta. Em nenhum dos dois casos houve autuação das pessoas que receberam as abordagens. A Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec) diz que a Corregedoria da pasta investiga os casos. Não houve afastamento preventivo dos agentes envolvidos nos episódios.

O primeiro caso ocorreu no último dia 26 de março no terminal do Antônio Bezerra, tendo como alvo o poeta urbano Miguel León, que completou 19 anos nesta quinta-feira, 7. Colegas do artista que estavam com ele no momento da ação gravaram vídeos que mostram parte da abordagem. Um dos registros flagra o artista sendo imobilizado e conduzido por três guardas municipais em direção à saída do terminal. Outro vídeo já mostra o jovem fora do terminal, sentado no chão e ferido com tiros de sal nas costas e no braço. “Foi a GOE (Grupo de Operações Especiais, da Guarda Municipal)”, ele diz nas imagens, queixosamente.

"A gente tava aqui no terminal, fazendo poesia, trabalhando, quando a Guarda Municipal abordou o pivete que estava mais nós, mano. Olha aí o que fizeram com ele. Os caras deram o tiro à queima roupa", diz o autor de um dos vídeos. 

Conforme a mãe de Miguel, Débora dos Santos Moura de Sousa, o jovem subia em um ônibus quando foi puxado pelos guardas. Uma motivação para a abordagem, apresentada em reunião ocorrida após o caso na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Câmara Municipal, foi a de que ele teria pulado a catraca do terminal. Mas também há uma outra versão que aponta que o episódio ocorreu durante tumulto envolvendo torcedores de futebol.

“Chamaram ele de vários nomes: ‘vagabundo’, ‘tu é um daqueles vagabundinhos que fica dentro dos ônibus’, foi a palavra que eles usaram”, diz Débora. Ainda conforme a mãe do jovem, já fora do terminal, os agentes ordenaram que Miguel andasse. Assim que ele se virou, foi efetuado o disparo. “Eles foram muitos cruéis”, desabafa. “Eu ainda estou muito chocada. Estou revoltada, mas estou transformando a minha revolta em busca de justiça. Não só para ele, mas para toda a categoria de rimadores de busão”.

Manifestação no terminal e reuniões Na última sexta-feira, 1º, os artistas realizaram uma manifestação no terminal do Antônio Bezerra em protesto contra o episódio. Além disso, representantes da categoria se reuniram com a CDHC na terça-feira, 5, junto com representantes do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil e do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado. A Guarda Municipal não enviou representantes.

Na ocasião, os artistas denunciaram a existência de “quartos de tortura” que seriam usados por guardas municipais nos terminais de ônibus da Capital. A denúncia levou a presidente da CDHC, a vereadora Larissa Gaspar (PT), a afirmar que criará uma comissão para investigar os relatos, com participação de entidades de direitos humanos, do Ministério Público Estadual (MPCE) e da Polícia Civil. Em nota, a Prefeitura de Fortaleza rebateu as acusações.

Conforme Sete Ton, poeta urbano integrante do mesmo coletivo de Miguel, a abordagem ocorreu de forma arbitrária e sem motivação. “Foi só pelo preconceito mesmo. Eu afirmo isso com convicção. Devem ter julgado ele pela aparência, por ele ter metade do cabelo pintado, não ter as vestes como eles acham que um cidadão usa”.

Atleta também denuncia abordagem truculenta no José Walter A segunda denúncia de truculência envolvendo a Guarda Municipal ocorreu no último domingo, 3. Também neste episódio houve disparo de bala de sal, que atingiram as pernas do atleta Oberlan Santos. “Amigo, você falou comigo: ‘pode ir’. Aí, o cara pega e dá um tiro no rapaz”, diz um amigo do atleta a um dos guardas municipais, em vídeo realizado após a abordagem. Conforme Oberlan afirmou em sua conta no Instagram, o ferimento o deixou impossibilitado de trabalhar e treinar. “Irei atrás dos meus direitos, porque esse tipo de coisa não pode ocorrer com uma pessoa que é um cidadão de bem!”.

O caso também foi levado para a Câmara Municipal. O vereador Fábio Rubens (PSB) foi um dos que citou o caso na tribuna. “Eu sei que é um caso à parte, mas nós temos que falar o que aconteceu com o rapaz, saindo de casa, ia assistir a um jogo de futebol, tinha trabalhado a noite todinha [...] e o cara faz um negócio desse”, disse o vereador. “Despreparo de um guarda municipal desse, que não sabe abordar, comete um absurdo desse de atirar contra um cidadão. Não dá para entender”.

Confira a nota da Prefeitura de Fortaleza na íntegra

A Prefeitura de Fortaleza nega as acusações feitas nesta terça-feira (5), durante reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Fortaleza, de que haveriam quartos de tortura instalados nos terminais de ônibus da Capital.

A gestão municipal é pautada pela legalidade, por ações de prevenção à violência e pelo respeito à dignidade humana, o que torna inadmissível a existência de tais espaços.

A Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) está presente nos terminais para garantir a integridade das pessoas que ali transitam.

Com relação ao episódio de agressão contra artistas do grupo Rimadores do Busão, a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Sesec) esclarece que a abertura de processo administrativo disciplinar junto à Corregedoria, órgão independente da Guarda Municipal de Fortaleza, é necessária para a realização de apuração rigorosa de denúncias de qualquer excesso por parte dos quase 2300 agentes da GMF.

A Sesec e a Guarda Municipal esclarecem ainda que o uso moderado da força ou armamento de baixa letalidade é empregado apenas em casos necessários para garantir a própria integridade ou a da população.

Destaca-se também que todos os agentes da GMF passam por capacitações práticas e teóricas de caráter continuado, na área de segurança pública, sobre o uso moderado da força, abordagem humanizada e direitos humanos, de acordo com o Manual de Protocolos de Procedimentos Padrão, elaborados em conjunto com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), além de Curso de multiplicadores dos protocolos internacionais de direitos humanos em segurança pública, realizado também em parceria com o CICV.

Reportagem originalmente publicada em O Povo