Poeta isolado: praça Vinicius de Moraes é interditada para coibir aglomerações

Inspirado pela beleza e tranquilidade do bairro, Vinicius divulgou Itapuã para o mundo

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  • Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

Ao lado da estátua de Vinicius de Moraes na praça que leva seu nome, há uma cadeira que convida para apreciar as belezas do bairro de Itapuã. Há quem sente para tirar uma foto, outros apenas vão ao local para desfrutar da companhia do poeta. Com a pandemia do novo coronavírus, a homenagem ao grande nome da bossa nova deixa de ser convidativa ao receber uma faixa de interdição. Nessa sexta-feira (29), a prefeitura interditou o espaço de lazer para garantir o isolamento social em Salvador.

Além do monumento em homenagem a Vinicius, os equipamentos da academia ao ar livre da praça também foram interditados. Inicialmente, as equipes da prefeitura usaram apenas cartazes e fitas para indicar a proibição de acesso ao local. Entretanto, a Companhia de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Desal) poderá instalar tapumes e travas nos equipamentos caso a população insista em utilizá-los.

De acordo com a assessoria da Desal, a praça foi interditada devido ao número de pessoas que ainda visitava a estátua do poeta e se exercitava na academia. Nos últimos cinco dias, o monumento chegou a ser visitado por grupos de até 40 pessoas, informou a assessoria do órgão. “Pessoas formando grupos para tirar fotos e isso faz com que o isolamento seja quebrado. A população ainda continuou a usar a academia e o parque infantil do local. De manhã, chegavam a ter 100 pessoas por lá e, de tarde, 30 a 40 crianças brincando”, afirmou a Desal.

Outras 50 praças já foram interditadas, algumas delas com tapumes, devido à insistência da população em descumprir o isolamento social. A estátua de Vinicius de Moraes não foi a primeira a ser isolada com fitas. Monumentos como os dedicados a Jorge Amado e Zélia Gattai, no Rio Vermelho, e a Clériston Andrade, na Avenida Anita Garibaldi, também já foram interditados. Momumento está enrolado com fitas para afastar visitantes (Tiago Caldas/CORREIO) Enquanto os agentes da prefeitura colocavam as faixas na academia, o líder comunitário Eric Pereira observou que duas pessoas sem máscaras chegaram ao local para se exercitar. “Acho que pelas academias estarem fechadas e o costume de realizar as atividades de caminhada, as pessoas continuam usando os equipamentos e isso acontecia no momento que tem uma curva crescente de casos no bairro. Na praça, a população passava e aproveitava para tirar uma foto com a estátua. Essa interdição vem para reforçar a questão do isolamento”, disse.

Quando sai pra trabalhar ou ir ao mercado, o pescador Arivaldo Santana, da Colônia de Pescadores de Itapuã, se depara com um bairro onde o isolamento social ainda possui falhas. De acordo com ele, é comum ver pessoas se exercitando na academia da praça pela manhã e no final da tarde. "Na semana passada, eu vi que tinha gente tirando foto abraçado com a estátua de Vinicius. Eram umas três pessoas, mas elas não estavam juntas", contou o pescador, que se preocupa com o cenário da contaminação pelo vírus no bairro.

Toda essa movimentação relatada, entretanto, não é observada pelos funcionários do Mar Brasil Hotel, que funciona na antiga casa do poeta localizada em frente à Praça Vinicius de Moraes. No estabelecimento, também funciona o Memorial Casa di Vina, onde estão expostos objetos, fotos e documentos da história do artista e Gessy Gesse. “Na quarentena, a praça não tem um movimento muito grande, não tem quase ninguém mesmo”, contou uma funcionária que não quis se identificar.

Em dias normais pré-coronavírus, a região de Itapuã é muito procurada por turistas que querem experimentar uma tarde no bairro sentindo a Terra toda rodar, como descreveu Vinicius na poesia “Tarde em Itapuã” musicada por Toquinho.

“A escultura é muito frequentada por turistas devido ao papel de Vinicius para a música e para Itapuã. A gente recebe argentinos, uruguaios e europeus que vêm aproveitar a Itapuã das músicas dele. O monumento é muito abraçado e beijado pelas mulheres, isso é tudo que o poeta sempre quis na vida. Também tem gente que senta lá para beber e conversar com ele”, contou a sócia gerente do Mar Brasil Hotel, Renata Proserpio, sobre o encanto dos visitantes.

A música “Tarde em Itapuã” levou ao imaginário do bairro como um lugar bucólico e belo para todo o mundo, o que fez com que os versos escritos pelo poeta se tornassem uma espécie de hino não oficial para os itapuãzeiros - os nativos do local.

"Passar uma tarde em Itapuã está no imaginário universal, é uma referência popular e é algo que tem a ver com nossa identidade, nosso sentimento de pertencimento. Uma pessoa de fora conseguiu capturar na poesia a magia desse lugar”, contou o professor e artista plástico Ives Quaglia, que é coordenador da comissão de cultura e turismo da Associação dos Moradores de Itapuã (AMI).

Refúgio Na década de 70, o bairro que inspirou a canção ainda era um refúgio do movimento do centro de Salvador e seu comércio. “A região era um lugar de destaque que despertou o interesse, nas década de 70 e 80. Era uma região bem afastada, se passava veraneio em Itapuã e era complicado ir até o bairro. No período, era um lugar muito mais bonito do que é hoje porque tinha chácaras, sítios e as dunas. Os bairros mais ocupados não ofereciam esse contato com a natureza”, explicou o historiador Rafael Dantas.

Para a sócia do hotel que abriga o memorial de Vinicius, o poeta buscava beleza e tranquilidade, o que encontrou em Itapuã. “Ele dizia estar um pouco cansado da vida agitada e procurava a simplicidade. Vinicius queria um lugar bonito e tranquilo para descansar”, disse Renata. De acordo com ela, a natureza do local que era muito ligado a vida dos pescadores encantou o artista.

O cenário do bairro começou a mudar com a abertura de novas avenida, em especial das de vale, na gestão ACM, entre 1967 e 1971, informou Dantas. Uma das vias construídas foi a Paralela, que facilitou o trajeto até Itapuã. “Essas obras representaram um grande ponto de conquista de outras regiões da cidade. A região de Itapuã foi interligada com a avenida e a ocupação das áreas até então bucólicas, vai começar a ser caracterizada entre as décadas de 80 e 90”, explicou o historiador.

O local de natureza exuberante que inspirava os artistas se transformou com a expansão da cidade. “Itapuã viveu desse espaço do prazer, entretenimento, praias e a Lagoa do Abaeté. Nos anos 70 aqui era um lugar lindo e maravilhoso, mas essa identidade se perdeu”, disse Ives Quaglia.

Desde a década de 70, quando Vinicius se mudou para o bairro, o local passou por grandes transformações deixando de ser o refúgio do centro urbano. Mas na estátua do poeta vive a memória da Itapuã que ele levou para o mundo.

*Com a orientação da subeditora Clarissa Pacheco