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Mario Bitencourt
Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 23:33
- Atualizado há 2 anos
Centenas de homicídios e tentativas do mesmo crime, extorsão mediante sequestro, roubos a bancos, carros-fortes e transportadora de valores, tráfico de drogas, armas e munições, associação ao tráfico, falsidade ideológica e corrupção de menores.>
Por esses crimes e pela violência que empregava à frente da facção Bonde do Maluco (BDM), cuja base é em Salvador e Região Metropolitana, com ramificações no interior do estado, o baiano José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, era considerado pelas autoridades públicas como o maior criminoso em atuação na Bahia.>
Nascido em Carfanaum, cidade do centro-norte do estado, ele foi morto pela Polícia Militar na manhã desta quarta-feira (4), junto com mais quatro comparsas, numa área rural do estado do Mato Grosso do Sul, após ter seu esconderijo descoberto pelos policiais. (Foto: Divulgação) Há um ano que Zé de Lessa estava numa chácara numa área de fronteira com o Paraguai muito frequentada por traficantes, entre as cidades de Aral Moreira e Coronel Sapucaia, no sul do Mato Grosso do Sul.>
Os policiais chegaram até o local após Zé de Lessa e seu bando tentarem explodir um carro-forte da empresa Brink’s na manhã de segunda-feira (2).>
O crime foi realizado na rodovia MS-156, entre as cidades de Caarapó e Amambai, mas os bandidos fugiram sem levar nada porque os explosivos não foram capazes de abrir a porta do veículo blindado. A polícia suspeita que tenha havido alguma falha durante a explosão.>
De acordo com a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Zé de Lessa e seu bando, em 2017, já tinham cometido o mesmo crime e contra a mesma empresa. Não foi informado se naquela ocasião alguma quantia foi levada.>
Desta vez, não demorou nem 24 horas para o esconderijo de Zé de Lessa ser localizado pela polícia, que desde terça-feira (3) já observava o local, aguardando o momento certo para entrar na chácara.>
A propriedade rural pertencente a Alcindo Oliveira Coinete, funcionário público da Prefeitura de Coronel Sapucaia e que foi preso. Segundo a polícia, ele dava suporte logístico ao bando de Zé de Lessa e tem participação direta na tentativa de explosão ao carro-forte da Brink’, na segunda.>
Muitos tiros Com mandados de busca e apreensão, a polícia invadiu a chácara nas primeiras horas da manhã e, segundo relata o delegado Fábio Peró, titular da Delegacia de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), eles foram recebidos a tiros.>
“Foi muito tiro trocado”, ele disse. “Vieram tiros tanto dos criminosos que estavam na chácara quanto de traficantes do Paraguai, pois lá é divisa com o Brasil, muitos foragidos da Justiça ficam naquela região e também nos atacaram”.>
A chácara tem estrutura simples, com paredes de bloco sem reboco, telhados de zinco na frente, de chão batido ao redor e próximo a ela há mais dois casebres de madeira. Dentro dela havia poucos móveis, todos simples, sem luxo algum.>
Após a troca de tiros, Zé de Lessa foi encontrado com duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9 mm perto dele. Os outros bandidos não foram identificados.>
Na casa morava também uma índia cujo nome a polícia não informou. Ela era mulher de Zé de Lessa e disse em depoimento que eles estavam na chácara há mais de um ano. A mulher, basicamente, era responsável por fazer a comida dos bandidos e cuidar da casa. Ela foi liberada após prestar depoimento.>
Durante a troca de tiros, um bandido conseguiu fugir pelo matagal, mas acabou sendo localizado pelo Grupo de Patrulhamento Aéreo da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.>
O bandido, também não identificado, estava com fuzis e uma metralhadora ponto 50, que, segundo a polícia, tem capacidade de perfurar carros-fortes e helicópteros. Segundo o delegado Fábio Peró, o criminoso foi perseguido tanto por via aérea quando por equipes que estavam em terra. “Quando nos aproximamos, fomos recebidos à bala e ele atirou inclusive no helicóptero”, disse.>
Próximo ao local onde o bandido estava, a polícia encontrou diversas armas de grosso calibre, como dois fuzis 556, um fuzil AK46 calibre 762, duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9 milímetros, além de farta munição para essas armas e coletes a prova de bala. O bandido morreu no local. O armamento, segundo a polícia, foi usado na ação criminosa de segunda-feira passada contra o carro-forte da Brink’s.>
Repercussão O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, ao comentar a morte de Zé de Lessa, deu um “graças a Deus” pelo fato de a polícia do Mato Grosso do Sul ter tirado o bandido de circulação.“Estávamos há alguns anos trocando informações com a Polícia Federal e inclusive com a Polícia do Paraguai. Sabíamos que ele estava lá, trazendo droga para abastecer o BDM aqui no nosso estado e por algumas oportunidades nós tivemos quase próximos de pegá-lo”, declarou.“Graças a Deus, a polícia do Mato Grosso do Sul nessa ação conseguiu tirar ele de circulação", celebrou Barbosa, em áudio enviado ao CORREIO. O secretário está na Aústria, onde participa de viagem institucional para compra de novos armamentos.>
Ele disse ainda que é um “alívio” saber da morte e que agora a polícia baiana vai verificar se há informações sobre a passagem de Zé da Lessa no MS que indique alguma nova criminalidade na Bahia.>
“Para nós, é um alívio e agora é trabalhar em cima das informações que eles detém lá. Já pedimos para a inteligência [da SSP-BA] averiguar o que tinha com ele, quem estava andando com ele para ver se tem a informação de prática de outros crimes aqui no estado”, declarou.>
Roubo de R$ 100 milhões Um dos maiores roubos a banco do Brasil foi comandado por Zé de Lessa. O crime ocorreu no dia 25 de novembro de 2018, em Bacaba, no Maranhão. Um grupo de 30 a 35 bandidos levou R$ 100 milhões do Banco do Brasil.>
Na ação criminosa, morreram três bandidos, um deles Edielson Francisco Lumes, irmão de Zé de Lessa, atingido após sair de um veículo blindado e trocar tiros com a polícia.>
Edielson, segundo a polícia, tinha a função de subchefe do grupo e repassava as ordens de Zé de Lessa à quadrilha.>
Zé de Lessa era o Ás de ouro do Baralho do Crime da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, um arquivo que reúne os principais criminosos do estado. Ele começou na vida do crime fazendo assalto a instituições financeiras.>
Foi preso algumas vezes e a última vez que saiu da prisão, em 2014, foi para terminar de cumprir a pena no regime domiciliar. De Coronel Sapucaia, enviava carregamentos de drogas para abastecer sua quadrilha na Bahia.>
Ele criou o BDM dentro da cadeia e logo sua facção passou a ganhar destaque. Tornou-se o principal rival da facção Katiara, comandada por Roceirinho, e passou a disputar pontos de droga com o rival. Ele tem entre seus principias comparsas alguns parentes.>
Ninguém sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes virou Zé de Lessa. A alcunha, para o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, em entrevista ao CORREIO em dezembro do ano passado, pode estar ligada a um possível apelido do pai de Zé de Lessa - Idalécio, o genitor, seria o Lessa.>
“Geralmente, o apelido é relacionado ao pai, principalmente com o pessoal do interior”, declarou o delegado, que investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido, segundo ele, é o de Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso em 2015 e acusado de assalto a banco em quatro estados. >
Em 2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante de bancos e carros-fortes da Bahia.>
Mas seus cinco processos encontrados pelo CORREIO no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), todavia, são relacionados ao tráfico de drogas. Nos processos, a quadrilha comandada por ele é descrita como de “extrema periculosidade”.>
Por tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente em 28 de março de 2001, na Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em janeiro de 2002, foi condenado a cinco anos de prisão pela 1ª Vara de Tóxicos.>
Em 2005, teve progressão de pena para o regime semiaberto, mas já em fevereiro daquele ano, fugiu da prisão. Meses depois, em outubro, foi preso em flagrante.>
Passou pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e, mais tarde, pela mesma PLB. Em novembro de 2006, recebeu outra condenação – dessa vez, por porte de arma. >
Foram anos de idas e vindas entre as unidades prisionais da Região Metropolitana (RMS), com notícia de faltas disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em 2014, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados, no presídio, materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de comunicação, como chips e telefones celulares. >
Naquele mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma tentativa de homicídio na prisão. “Ele sofreu várias pauladas. Vários presos tentaram matá-lo lá dentro, exatamente porque tinha essa questão de liderança dele, pela representatividade”, lembrou ao CORREIO, em 2018, o promotor Pedro Araújo Castro, titular da 2ª Vara de Execuções Penais desde 2013. >
É justamente em 2014 que ocorre o episódio mais controverso da trajetória de Zé de Lessa com a Justiça: em 15 de julho daquele ano, o desembargador Aliomar Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.>
Na decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que Zé de Lessa estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”.>
Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da enfermidade. >
Com base em princípios como da dignidade humana, o desembargador afirma que o requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento. >
Ele conclui que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar assistência ao estado de Zé de Lessa e que não seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte.>
Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisa que não se deve “descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. Zé de Lessa saiu e não voltou mais.>
Questionado se notou algum problema numa das mãos de Zé de Lessa, o delegado Fábio Peró, que comandou a ação que culminou na more do criminoso, disse não ter notado nada de anormal. E ao que parece, Zé de Lessa atirava com as duas mãos.>