Por que aqui não?

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Publicado em 13 de janeiro de 2022 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

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Depois de sair de uma reunião com lideranças indígenas Tuxá em Paulo Afonso, pegamos a estrada em direção a Uauá. Era 2010 e o deputado federal, Edson Duarte, concorria ao Senado pelo Partido Verde da Bahia. Fim de tarde, paramos em Petrolândia, Pernambuco, para abastecer o carro. Enquanto o tanque enchia, o frentista, surpreso, perguntou: “Vocês vão pegar essa estrada aí, a essa hora? Tem certeza? Aí é o polígono da maconha, nem a polícia federal entra aí à noite. Se eu fosse vocês, dormiria por aqui e saía pela manhã”. Seguimos a sugestão.

O polígono da maconha é uma região composta por cidades do Sertão da Bahia e de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco, onde 30% da planta que abastece os centros brasileiros é produzida. A região, que sofre com a falta de investimentos em educação, saúde e agricultura, possui uma superintendência da Polícia Federal, presídio e gasta milhões todos os anos para combater o plantio de maconha, que segue sendo cultivada, expandindo as roças para o Maranhão e o nordeste do Pará, região conhecida já como o Quadrado da Maconha. Quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discutiu autorizar o plantio para fins de pesquisa e medicinais, o governo se opôs e a agência liberou apenas a importação de insumos para fabricação do medicamento em território nacional.

Enquanto aqui, plantar a Cannabis ainda é crime, enquadrado como tráfico de drogas, e tem pena de até 20 anos de cadeia, países ao redor do planeta já entenderam que, além de gerar impostos, empregos e negócios, a regulamentação do plantio, consumo e produção de derivados, de têxteis à fármacos, ajuda a reduzir a criminalidade e seus efeitos colaterais.

Em 2020, a indústria canábica nos EUA atingiu a marca de 21 bilhões de dólares. Um crescimento de 48% na comparação com 2019. Só em 2021, empresas desse mercado valorizaram suas ações em 50%, 144% e até 251%. Lá, pesquisa realizada pelo Leafly Jobs Report em parceria com a Whitney Economics, mostrou que 321 mil trabalhadores estão empregados na cadeia produtiva da maconha, número que já supera a quantidade de dentistas, paramédicos ou engenheiros elétricos no país. Em Nova York a legislação recém aprovada determina que, dos impostos estaduais, 40% serão reinvestidos em comunidades com presença de minorias afetadas pela política de guerra às drogas. Outros 40% serão usados na educação e 20% num fundo que financia tratamento de dependência de drogas e educação pública.

A cannabis medicinal tem sido usada com sucesso no tratamento de doenças crônicas graves, como epilepsia, Alzheimer, Parkinson, ansiedade e depressão. Segundo dados da Anvisa, até 13 milhões de brasileiros com diferentes enfermidades podem se beneficiar da maconha medicinal.

O relatório ‘Cannabis para Fins Medicinais’, da empresa Kaya Mind, mostra que o mercado da maconha medicinal no Brasil movimentou, de janeiro a junho de 2021, R$ 21,8 milhões. Entre 2015 e 2020, as solicitações para importação e renovação de medicamentos à base da planta cresceram 1.780% no país. Projeções reveladas no relatório da Prohibition Partners, mostram que a venda de Cannabis medicinal pode movimentar mais de R$ 2 bilhões até 2025 no Brasil.

Enquanto Bolsonaro fala que vai vetar o PL 399 que, nas palavras dele, “libera a maconha”, o banco fundado pelo seu ministro Paulo Guedes lançou uma nova opção de investimento: um fundo ligado à indústria da cannabis no exterior, principalmente nos EUA. Nosso dinheiro pode gerar emprego, renda, impostos e bem estar para milhões de pessoas que usam a medicação lá nos EUA. E por que aqui não podemos regulamentar o plantio de cannabis para fins medicinais, científicos e industriais, gerar bem estar, negócios, emprego e renda?

André Fraga é Engenheiro Ambiental, Vereador de Salvador e Presidente da Comissão Especial de Emergência Climática e Inovação na Câmara Municipal