Por que mulheres vivem 9 anos a mais que homens na Bahia?

Baianas nascidas em 2017 têm expectativa média de 78 anos e 4 meses; homens, 69 anos e quatro meses

  • D
  • Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2018 às 04:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/CORREIO

“Quantos anos você me dá, meu filho?”, perguntou Edith Margarida de Sousa Santos ao CORREIO enquanto subia a rampa do Espaço Cultural Barroquinha, no Centro de Salvadorm nesta quinta-feira (29). Ela caminhava em direção ao Sesc da Rua Chile para fazer uma das várias atividades que realiza durante a semana quando foi questionada sobre a longevidade das mulheres na Bahia: elas vivem nove anos a mais do que os homens, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Após ouvir os pitacos de 54 e 66 anos, a aposentada abriu um sorriso e afirmou que tem “88 anos de muita vida”. Alegria e disposição, aponta, são os motivos de tanta vitalidade. Dona Edith trabalhava como funcionária pública em uma escola de Salvador antes de se aposentar. Mas ela não para: hoje, faz ginástica, artesanato, caminhada e, sempre que possível, dança.“A gente não pode parar, meu filho. Mesmo depois de velhinha tem muita coisa pra viver, né? Então, eu faço tudo que posso. Estar em contato com pessoas é muito importante para viver muito”, afirma a aposentada.Segundo a pesquisa do IBGE, enquanto as mulheres baianas nascidas em 2017 tinham expectativa de viver em média 78 anos e 4 meses, os homens não passavam dos 69 anos e quatro meses, em média. Os dados do IBGE apontam que a Bahia se manteve, em 2017, como o segundo estado com a maior diferença na esperança de vida ao nascer entre homens e mulheres (9,2 anos), um pouco menor apenas que a verificada em Alagoas (9,6 anos) e significativamente maior que a média nacional (7,1 anos). A aposentada Edith Margarida, 88 anos, nem pensa em parar (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) De acordo com o instituto, a diferença entre mulheres e homens no estado está ligada ao fato de a Bahia ser o estado campeão em mortes de homens jovens, entre 15 e 24 anos. Esses homens morrem, em 80% das vezes, de acordo com o instituto, por causas violentas, ou seja, homicídios, acidentes diversos e suicídios.

Para a doutora em Educação e especialista em gênero, gerações, envelhecimento, velhice e família, Alda Motta, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), mais fatores influenciam.

“As mulheres vivem mais do que os homens no Brasil e no mundo inteiro. Antigamente, eram os homens (que viviam mais), porque as mulheres morriam no parto, esse tipo de coisa. Hoje, não”, afirmou a especialista.

Para ela, um dos fatores é que as mulheres liberam mais as emoções do que os homens. “Elas choram, gritam. E isso naturalmente libera o estresse”, pontuou. O cuidado que as mulheres têm consigo mesmas também influencia nessa conta, de acordo com Alda.

“As mulheres são mais humildes em reconhecer que têm algum problema e pedem ajuda. Os homens sempre acham que são mais bacanas, mais fortes e não precisam de ajuda nenhuma. Elas também precisam ir ao médico, ao menstruar, quando engravidam. Coisas que os homens não fazem”, disse Alda, que não sabe até quando essa diferença entre mulheres e homens vai permanecer. “As mulheres trabalham cada vez mais que os homens e não são tão bem tratadas socialmente”, alerta.

Aos 54 anos, Ubiraildes Maria de Sousa está desempregada, mas sempre pega uma roupa para lavar aqui e ali, para sobreviver. Ela é viúva há três anos. De sorriso e fala fácil, contou que as mulheres são mais preocupadas com o cuidado consigo mesmas e, por isso, vivem mais. “Homem gosta muito de farra, mas não sabe farrear. Aí se acaba com cachaça, cigarro. E também se cuida menos, não gosta de ir pro médico”, explica a dona de casa, que também é mãe de três filhos. Viúva, Ubiraildes de Sousa, 54, diz que as mulheres se cuidam mais (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) Aumento da expectativa Todos os estados nordestinos têm diferenças entre as esperanças de vida ao nascer de mulheres e homens maiores que a do Brasil. Considerando homens e mulheres, a expectativa de vida aumentou na Bahia com relação a 2016. No geral, uma pessoa nascida na Bahia em 2017 tinha a expectativa de viver, em média, até os 73 anos e 7 meses, dois meses a mais que a expectativa de vida de 2016. A média nacional é de 76 anos. A Bahia é o 11º lugar no ranking nacional.

Considerando apenas os homens (69,3 anos), a Bahia cai ainda mais no ranking, ficando com a 8ª esperança de vida mais baixa dentre os estados. Já levando em conta só as mulheres (78,4 anos), o estado sobe de posição, ficando bem mais próximo da média nacional (79,6 anos) e com a 17ª expectativa de vida mais baixa (ou a 11ª mais alta).

Reforma da previdência Os dados do IBGE são usados como um dos parâmetros para determinar o fator previdenciário, no cálculo das aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social. A publicação obedece ao estabelecido no artigo 2º do Decreto Presidencial nº 3.266, de 29 de novembro de 1999.

Para especialistas em economia e previdência social ouvidos pelo CORREIO, os dados sobre o aumento da expectativa de vida reforçam os debates sobre a necessidade da reforma no sistema previdenciário brasileiro.

Mas o especialista em direito previdenciário, o advogado e deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PP-SP), atenta para o problema de o fator previdenciário prejudicar as diferenças regionais.

“Há estados em que se a expectativa de vida é menor que outros, então isso acaba não sendo levado em conta na hora da aposentadoria”, disse o deputado. “Estamos vendo uma forma de mudar isso em Brasília e a pessoa ser aposentada com base na realidade da sua região”, afirmou.

Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Seção Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a advogada Ana Izabel Jordão destaca que além dos fatores regionais poderiam ser levados em conta as diferenças de gênero.

“Acaba ficando de certa forma prejudicado, mulheres vivem mais que os homens, mas aplica-se esse fator tanto pra homem quanto pra mulher, e isso prejudica na renda do trabalhador”, declarou.

Os dados do IBGE são também, segundo os especialistas, um sinal da melhoria nas condições de vida, como de acesso a saúde e avanços da medicina, mudança para melhor da situação sanitária e cuidado maior com os idosos.

Apontam ainda para uma mudança na economia e no trabalho, no que se refere a serviços oferecidos a idosos, como de cuidadores, mas também de geriatria, como equipamentos diversos que facilitam a vida de quem já está aposentado.

Presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon), o economista Gustavo Casseb Pessoti disse que os dados sobre a melhoria da expectativa de vida já eram esperados, tendo em vista as pesquisas anteriores e os avanços sociais.

“Uma notícia como essa significa novas funções que passam a ser realizadas em função da população mais idosa, mudança de atividades econômicas passam a ser incrementadas no mercado em função do cenário populacional”, analisou.

“Vemos também que pessoas mais velhas estão atuando no mercado de trabalho”, disse o economista, diretor de Indicadores e Estatísticas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), autarquia estadual.

E coloca também – diz Pessoti – pressão no sistema de saúde público, ao demandar mais profissionais nas unidades de saúde voltados para atender pacientes idosos.

Outra pesquisa do IBGE, divulgada em julho, diz que em 2018 a Bahia está com 12,6% da população com 60 anos ou mais, contra 13,4% no país, e deve chegar a 2060 mais envelhecida que a média, com 34,5% da população idosa, frente a 32,2% do Brasil.Procurada, a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) informou que não iria se manifestar.  Sem variação Uma pessoa idosa que tivesse 65 anos na Bahia em 2017 tinha esperança de viver, em média, mais 18,1 anos (18 anos, 1 mês e 6 dias), chegando aos 83,1 anos (83 anos, 1 mês e 6 dias). Esse indicador praticamente não variou em relação a 2016, quando era de mais 18 anos.

O ganho bem discreto de um ano para o outro é devido à estabilidade na sobrevida estimada para os homens, que se manteve em mais 16,1 anos (16 anos, 1 mês e 6 dias), mesma de 2016, chegando, portanto, aos 81,1 anos (81 anos, 1 mês e 6 dias).

Já para as mulheres baianas de 65 anos, a sobrevida esperada, que já era mais elevada que a masculina em 2016, cresceu em quase 3 meses em 2017, passando de 19,7 anos (19 anos, 8 meses e 12 dias) para 19,9 anos (19 anos, 10 meses e 24 dias). Chegou, assim, a 84,9 anos (84 anos, 10 meses e 24 dias), quase 4 anos maior que a masculina.

Para os idosos com 65 anos de idade em 2017, a maior sobrevida esperada era encontrada no Espírito Santo: mais 20,3 anos no total, sendo mais 18,3 anos para os homens e mais 22,0 anos para as mulheres.  Diminuição da mortalidade Entre 1980 e 2017, chance de uma pessoa de 60 anos chegar aos 80, na Bahia, cresceu quase 90% (+88,5%), e mais da metade dos idosos passaram a ter essa possibilidade de viver mais.

Na análise do IBGE, a diminuição da mortalidade nas idades mais avançadas fez com que a probabilidade de sobrevivência entre 60 e 80 anos tivessem aumentos consideráveis entre 1980 e 2017 em todos os estados.

Na Bahia a probabilidade de uma pessoa de 60 anos chegar aos 80 aumentou 88,5% nesse período. Em 1980, 304 idosos a cada mil viveriam até os 80 anos de idade. Em 2017, esse número chegou a 573 por mil, mais da metade, redução média de 209 mortes por mil idosos de 60 anos, em 27 anos.

Foi um aumento de sobrevida proporcionalmente maior que a média nacional. No Brasil como um todo, a probabilidade de um idoso de 60 anos chegar aos 80 passou de 344 por mil em 1980 para 594 por mil em 2017, crescendo 72,7%, o que representou menos 250 mortes por mil no período.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier