Potência máxima: como o Nordeste, líder em energia renovável, gera empregos no setor

Saiba como funciona o segmento na Bahia e onde estudar para trabalhar na área

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 21 de março de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Divulgação/Neoenergia)

Onde o sol reina e o vento movimenta. No posto de liderança da geração de energia eólica e solar no país, o Nordeste tem mobilizado o mercado de trabalho neste segmento. A necessidade de mão-de-obra, tanto para o ramo de instalação residencial quanto o de construção de gigantescos parques, tem estimulado a empregabilidade sobretudo na Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, estados que ocupam os topos dos rankings de geração destes tipos de energia renovável no país.

Dona de características geográficas favoráveis por causa dos ventos constantes e muita luz, a região virou sinônimo de oportunidade para a indústria energética. O segmento não parou e continua empregando mesmo na pandemia. Com o desemprego amargando uma taxa de quase 20% da população da Bahia, pode ser valioso entender como tem funcionado esse setor para apostar em uma carreira na área.

O cenário é bastante promissor, especialmente para a Bahia, que há dois anos figura como líder na geração das duas modalidades, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. De toda a energia solar gerada no país, 32% é produzida no estado. Em seguida, aparecem Minas Gerais (21%), Piauí (15%), São Paulo (11%) e Ceará (8%). 

Ou seja, somando só estes três estados nordestinos que ocupam esse top cinco, a região fica hoje responsável por mais de 55% dessa produção. Na eólica, a expressividade da Bahia foi praticamente a mesma, correspondendo a quase 30% e, na cola, vêm Rio Grande do Norte (28%), depois Ceará (12%), Piauí (11%) e Rio Grande do Sul (11%). Isto é, mais de 80% dessa energia sai da região. 

Estima-se que 30 empregos são gerados por cada megawatt de potência em toda a cadeia produtiva da energia solar e 15 postos na cadeia eólica, segundo cálculos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia. Um megawatt pode abastecer mais de mil casas.

O estado tem, hoje, 185 parques eólicos e 29 usinas solares já em operação. Outros 76 parques estão em andamento e 55 usinas devem ser erguidas, somando então mais de 180 empreendimentos que deverão ser concluídos em mais de 30 cidades nos próximos quatro anos e com previsão de muito mais por causa dos leilões anuais de energia.

Ainda segundo a secretaria, mais de 60 mil postos de trabalhos já foram gerados até agora com as duas modalidades e, por enquanto, há previsão de geração de mais 82,6 mil vagas até 2026.

O anúncio mais recente e animador para a Bahia foi o da chegada do 2º maior parque híbrido do país, o Complexo Alfazema, que será instalado entre as cidades de Ibicoara e Barra do Estiva, no centro-norte do estado. Este só perde para o Complexo Castanheira, também na Bahia, em Sento Sé. Estima-se que cerca de 11 mil empregos diretos e indiretos serão gerados na construção do novo empreendimento, de propriedade da Quinto Energy, empresa baiana. A construção deve começar entre o fim de 2022 e início de 2023, segundo esperam diretores. 

Doutor em Energias Renováveis e professor dos cursos técnico e superior nesta área no Instituto Federal da Bahia, Durval de Almeida explica que o tamanho do território da Bahia a coloca nessa preponderância em relação aos demais estados da região. Mas não só por isso. A existência de um forte corredor de ventos de baixa altitude que vem de Minas Gerais e atravessa a Bahia faz com que ela tenha um potencial muito acima. Quando projetos de obras saírem do papel, o estado pode ser imbatível."Somos um estado com um potencial absurdo, gigantesco. Não vejo país no mundo que tenha essa capacidade de geração que temos", diz.Empregabilidade O engenheiro eletricista Tércio Santos, 31 anos, começou a atuar neste segmento há cerca de dois anos e, desde então, foi pulando de uma empresa para outra devido à oferta de propostas melhores, tendo passeado por quase todos os estados do Nordeste. Já trabalhou como analista de qualidade em um parque solar no norte de Minas Gerais, depois como engenheiro de instrumentação e, agora, está exercendo o cargo de engenheiro de operação e manutenção em um parque eólico entre Umburanas e Sento Sé, na Bahia.

Segundo ele, no geral, o ramo emprega mais técnicos do que pessoal de nível superior. A capacidade de geração de empregos é maior conforme o porte dos empreendimentos. Costumam ser contratados engenheiros elétricos, civis, ambientais e de segurança, além de administradores. Técnicos com formação em elétrica e eletrotécnica com cursos adicionais em energia eólica e solar são os mais demandados. Mas também são requisitados os que têm formação em eletromecânica, mecatrônica e segurança do trabalho. O engenheiro estima que os salários ficam entre R$ 3 mil a R$ 5 mil para os profissionais técnicos, enquanto engenheiros podem ganhar na faixa de até R$ 10 mil.

Quem escolhe essa carreira precisa estar preparado para viver trocando de cidade. Tércio diz que um dos maiores desafios é esse vai-e-vem próprio de quem escolhe trabalhar com engenharia. Quando uma obra é encerrada, é preciso partir para outra. “Para mim, tem um atenuante por agora estar próximo da minha cidade natal, mas aqui tem muitos que são de diversos lugares do Brasil. Muito mais para a frente, penso em criar raiz.  Não penso que seja algo para muito tempo ficar viajando assim”, planeja.

A força de trabalho contratada cuida de construir e supervisionar a obra, das montagens mecânicas e elétricas, instalação das turbinas e painéis, avaliação do desempenho das máquinas, sistemas e peças que alimentam todo o sistema. Encarregam-se ainda de observar os dados de torres que medem as velocidades e direção dos ventos, bem como analisam a qualidade da energia produzida e providenciam regulamentações junto aos conselhos regionais e ISO. 

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Subemprego Apesar de ser um cenário promissor e de ter trazido, de fato, mais empregos para a região, geralmente os postos de comando destes empreendimentos ficam com engenheiros do Sudeste, conforme observa Durval de Almeida. Isso acontece, provavelmente, porque as sedes das empresas de energia, em sua maioria, ficam em São Paulo. Mas também pode ter uma dose de xenofobia. “A gente tem que ficar o tempo todo provando nosso valor”, diz.

De maneira geral, a mão de obra nordestina contratada é subempregada, ou seja, muitas vezes mal remunerada e sem vínculos, e que é absorvida, aliás, devido a determinações contratuais dos governos estaduais. Assim, as companhias são obrigadas a fazerem parceria com os correspondentes locais do Sistema Nacional de Emprego (Sine). 

No fim das contas, o grosso do dinheiro que gira em torno das energias renováveis fica com quem desenvolve a tecnologia de máquinas, hoje quase toda importada da China. Mas o professor atesta que o cenário empregatício está mudando e ele mesmo já tem ex-alunos, formados pelo IFBA, chegando à chefia geral dos grandes empreendimentos. Usina solar na Ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco (Foto: Divulgação/Neoenergia) Empresário do ramo, o físico e engenheiro Gerson Sampaio, diretor da Teknergia, acredita que esse avanço em direção às energias renováveis não só é capaz de gerar mais emprego e renda, como também traz muita inovação tecnológica e abre frente de ensino e pesquisas. Ele explica ainda que o mercado de varejo, que compreende a instalação de sistemas de painéis solares em casas, condomínios e empresas, não tem um controle em relação ao trabalho dos profissionais.

Algumas associações estão estudando formas de certificar empresas e profissionais, chamados de integradores, a fim de manter a qualidade dos serviços e evitar que pessoas não qualificadas prejudiquem os clientes com instalações e produtos inadequados. Então, muito provavelmente, no futuro, todo mundo terá que ter essa certificação. No mercado de grandes parques e fazendas, que é dominado por empresas de engenharia de grande porte, a regulamentação é automática porque precisam entrar nos leilões de energia e fornecer a grandes indústrias.

Regiões das oportunidades A maioria dos empreendimentos eólicos estão instalados no Centro-Sul e Centro-Norte baiano, que compreendem os territórios partindo do Médio São Francisco, passando pela Chapada Diamantina até a Serra Geral. As usinas solares estão mais a Oeste. Portanto, todos estão no domínio do sertão, que já conta com 25 cidades sediando estes negócios. 

De acordo com o governo estadual da Bahia, obras como essas costumam gerar um boom nestes municípios sertanejos durante a fase de construção, aquecendo o comércio, setor de serviços e hotelaria. No entanto, sabe-se que, concluída a construção dos parques, a massa de centenas de trabalhadores some e sobram neles apenas pessoal administrativo, de vigilância e operação e manutenção. Os parques podem levar de três a cinco anos para serem concluídos. 

Há quatro anos na Bahia, a empresa multinacional EDF Renewables escolheu o território para instalar seu primeiro empreendimento no país, o Parque Ventos da Bahia, localizado entre as cidades de Mulungu do Morro e Bonito, a mais de 300 km de Salvador. Atualmente, as empresas contratadas pela gigante têm cerca de 860 pessoas trabalhando a serviço das obras de expansão deste parque — que foram iniciadas pouco antes da pandemia, em março de 2020 — e também de outro complexo eólico, o Folha Larga do Norte, em Campo Formoso.

De acordo com informações da empresa, os parques eólicos têm maior empregabilidade na fase de abertura dos acessos e na realização das fundações e concretagem das bases das turbinas. Nas duas primeiras etapas de implantação do Ventos da Bahia, houve pico de mão de obra empregada, com cerca de 1000 pessoas atuando, sendo 70% delas moradoras da região do projeto. Na última etapa, em dezembro do ano passado, esse número ainda era de quase 700 pessoas, sendo 50% da região, diz a EDF. Em poucos meses, a multinacional dará início à construção do Parque Eólico de Seridó, em Junco do Seridó, na Paraíba.

A Neoenergia informou que tem, hoje, cerca de 1,8 mil trabalhadores diretos e indiretos na implantação de dois projetos eólicos no Nordeste, um no estado da Paraíba e outro na divisa entre Bahia e Piauí. Outra gigante da eólica, a Enel Green Power diz que 82% de toda a capacidade de geração da empresa no Brasil está na Bahia. Ela é dona de cinco complexos eólicos e dois solares no estado. Em dezembro do ano passado, a companhia anunciou que vai investir no aumento da capacidade do parque de Morro do Chapéu, o que deve gerar cerca de mil empregos diretos na construção. Serão cinco novos parques em todo o Nordeste e a Enel espera criar cerca de 15 mil empregos diretos e indiretos. Parques não inviabilizam criações de animais (Foto: Divulgação/Neoenergia) Os impactos sócio-ambientais da instalação destes empreendimentos Por mais que sejam tidos como sustentáveis e estejam levando o Nordeste na direção do futuro da energia, estes empreendimentos não são isentos de questionamentos. Há muitos problemas que decorrem a partir deste movimento, como maior mortalidade de pássaros em turbinas aerogeradoras e retirada de vegetação da caatinga, entre muitos outros.

A própria dinâmica do trabalho na área das engenharias é bem conhecida por promover povoamentos anormais ao redor de obras. Ex-presidente do Conselho Regional de Engenharia (CREA-BA) e professor titular aposentado da Ufba, Luis Edmundo Prado lembra que isso costuma acontecer em praticamente todos os tipos de grandes empreendimentos de construção civil. Ocorre uma grande injeção de dinheiro nos locais com a chegada de trabalhadores que deverão passar uns bons anos ali, a população se dirige para atender as demandas de produtos e serviços lá, rola uma ocupação de forma desordenada e, depois, quando a obra é encerrada, os empregados vão embora, a circulação de dinheiro cessa e quem foi parar ali pode cair na marginalidade.

Por outro lado, o caso das eólicas pode ter um efeito bastante positivo para pequenos produtores rurais que têm a chance de arrendar seus terrenos para a instalação de torres. Eles podem ganhar até R$ 5 mil mensais por cada turbina colocada em suas terras e, muitas vezes, esse valor é mais do que o que ganham cultivando. A instalação das turbinas não inviabiliza o plantio.

Em um livro organizado pelo Observatório da Energia Renovável, grupo da Universidade Federal do Ceará (UFC), a geógrafa Mariana Traldi escreveu um artigo sobre os impactos socioeconômicos e territoriais da implantação de parques eólicos em Caetité, na Bahia. A pesquisadora problematiza o argumento de que a chegada de parques eólicos no interior seja um vetor de desenvolvimento local. De fato, as principais contribuições são mesmo na geração de emprego e renda, mas é preciso deixar bem marcado que estes postos de trabalho são temporários e, em boa parte, ocupados por empregados forasteiros do Sul e Sudeste. 

Traldi também menciona que foi registrado um aumento da arrecadação de Impostos Sobre Serviços nos municípios durante a fase de construção das obras. No entanto, o imposto cobrado em cima da energia gerada não fica no local de produção, no caso o Nordeste. Como o sistema de energia brasileiro é interligado, essa energia é levada para onde se precisa e o imposto é cobrado no local de consumo.

COMO FAZER PARA TRABALHAR NAS COMPANHIAS DE ENERGIA?

Há diferentes formas de se colocar à disposição das companhias de energia. Você pode se cadastrar nos sites ou comparecer nos escritórios dos correspondentes locais ou estaduais do Sistema Nacional de Emprego (Sine/Trabalha Brasil), ficar sempre de olho nos sites das empresas para conferir se foram lançados bancos de currículos regionais, visitar os perfis das empresas no LinkedIn, a rede social de negócios.

Encontre também médias empresas locais deste ramo porque estas costumam ser contratadas pelas gigantes na hora de formar consórcios para as obras. Outra opção é se cadastrar no site Emprega Brasil, do Ministério do Trabalho, e possuir o que chamam de uma conta “gov.br” para que se possa consultar as vagas disponíveis em cada região.

Empresas com atuação na Bahia

Energia Solar: Futura Energia e Holding, Atlas Renewable Energy, Sol do Sertão, Enel Green Power, Lajedo Alto Energia, Enercom, Bom Jesus Investimentos Fotovoltaicos, Solar Irecê, CGN Energy, EMTEP 3, SER, Vila Energia Renovável, Edena, Sol do São Francisco (Brennand).

Energia Eólica: Engie, Enel Green Power, AES Tiete, Casa dos Ventos, Renova,Brennand, Essentia Energia, EDF Renewables, Omega, Consórcio Santa Eugênia, Atlantic, RioEnergy, PEC Energia Iberdrola, BW Guipará, EDP, GPEXPAN, Voltalia, Desenvix, CGN Energy, Chesf, Gestamp e Statkraft.

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