Pouco mais de 200 muçulmanos vivem em Salvador

Islamismo é a religião predominante no Irã e na Bósnia, que se enfrentam amanhã na Fonte Nova. Apesar de ser pouco conhecido por aqui, alguns (bem) poucos baianos se converteram e mantêm os costumes dos seguidores de Maomé

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  • Thais Borges

Publicado em 24 de junho de 2014 às 14:01

- Atualizado há um ano

Pouco antes da bola rolar, amanhã, na Arena Fonte Nova, às 13h, é bem provável que os jogadores das duas seleções que se enfrentam -  Irã e Bósnia - estejam fazendo a mesma coisa que a produtora cultural Cristina Mendonça, 54 anos. Cristina Mendonça - ou  Karimah - é um dos 215 muçulmanos que, segundo o IBGE, vivem em Salvador. Eles tentam manter costumes da religião que é maioria em Irã e Bósnia (Foto: Amana Dultra)“Tem que ser no horário certo e é uma obrigação de todo muçulmano”, diz ela, quase que como um aviso para os atletas, que fazem parte de dois países majoritariamente islâmicos. O compromisso é tão pontual quanto o apito do juiz: às 11h37, em Salvador, a terceira das cinco orações diárias do Islã deve ser recitada. Mas não vale orar em qualquer lugar, nem de qualquer jeito. Quando eles se ajoelham, têm que estar virados para Meca. Isso mesmo: a cidade na Arábia Saudita, a mais de 11 mil quilômetros de Salvador. Pois, se os nossos visitantes tiverem dificuldades para achar Meca, olhando daqui, Cristina tem uma dica: ela fica ao Leste, na direção em que nasce o Sol. Porém, um bom muçulmano é prevenido. Na bolsa de Cristina, pode esquecer a maquiagem ou as chaves. Lá, só tem uma coisa que não pode faltar: a bússola. “A depender do lugar onde eu estou, eu uso”, conta ela. Cristina faz parte dos 215 muçulmanos que vivem em Salvador, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geometria e Estatística (IBGE), de 2010. Se parece pouco olhando só para esse número, espere até comparar com os mais de 2,65 milhões de habitantes da capital. Daí, os seguidores do Islamismo representam cerca de 0,1% do total da população soteropolitana. “Acho que somos mais do que isso. Só nas festas daqui do centro, reunimos 100, 150 pessoas. Nos países islâmicos, na hora da oração, todo mundo para. Aqui, tem muita gente que trabalha e não temos como perceber direito como está crescendo”, acredita Cristina, que também é diretora social do Centro Cultural Islâmico da Bahia (CCIB), em Nazaré. É lá que funciona a única mesquita de Salvador. ConvertidosDesde que se converteu ao islamismo, em 2001, Cristina também atende por outro nome: Karimah (em árabe, “pessoa generosa”). Para muita gente, pode parecer, no mínimo, inusitado que alguém nascido na Bahia decida ser muçulmano, mas a verdade é que os baianos são maioria, entre os seguidores de Maomé, em Salvador. Por aqui, 90% dos muçulmanos são convertidos, segundo o Instituto Latino-Americano de Estudos Islâmicos (Ilaei). “Essa é a realidade em toda a Bahia. A maioria deles se converteu aqui”, diz o sheik Abdul Ahmad, nigeriano que dirige o CCIB há 24 anos. Apesar de mais de 500 pessoas frequentarem o centro, vem gente de toda parte - do interior baiano e até de estados próximos, como Sergipe. “Os dias que mais tem gente são as sextas-feiras, quando temos a oração celebrada. Sempre vêm umas 50, 60 pessoas”. Segundo o diretor da filial do Ilaei em Salvador, Marcelo Menezes, os convertidos também são maioria em todo o Nordeste. “São estados que não têm uma comunidade árabe muito grande. A conversão de brasileiros ao islamismo começou na década de 1990, com a chegada da internet. Hoje, na Bahia, somos a comunidade de muçulmanos com maior número de convertidos do Brasil”, diz Menezes – ele mesmo um baiano convertido, em 1998.  OraçõesEles dizem que a rotina de um muçulmano aqui é exatamente igual à de qualquer outro muçulmano do planeta. A diferença é que, nos países onde a religião islâmica é dominante, praticamente todo mundo para quando tem que fazer alguma das cinco orações obrigatórias diárias. Aqui, quem não tem como parar, se ajeita como pode. Por mais que a  oração demore entre cinco e dez minutos, não é sempre que o agente de trânsito Elielson Goes, 39, consegue deixar o trabalho para praticar sua fé. “A (oração) do meio-dia, faço quando vou para casa, na hora do almoço. Mas se não tiver como, dá para esperar até a outra. Posso fazer as cinco à noite, de uma vez. Só vai demorar um pouco mais”, explica ele, que é convertido há oito anos.Só não dá para ficar sem fazer as orações – seria pecado, conceito que os muçulmanos também usam. Daí, qualquer lugar é lugar. Cristina (ou Karimah, como preferir), já fez até no aeroporto. “Deu o horário, daí pedi aos funcionários (do aeroporto) para ir até um lugar mais reservado e eles me levaram até uma das salas do desembarque internacional”, conta. O diretor do Ilaei, Marcelo Menezes, já está acostumado com a ponte aérea sagrada. “Sempre faço, em corredores de aeroporto, nas escadas de incêndio do shopping... Já fiz até na rua”, lembra. HábitosA verdade é que todos eles precisam adaptar a fé aos hábitos  de uma terra que não está tão acostumada com muçulmanos. “Nós negociamos o tempo todo com a sociedade. Com a comida, por exemplo, cada um busca sua solução”, diz Menezes. Eles não podem comer carne de porco e só podem ingerir carne de boi se o animal tiver sido abatido virado para Meca, por um muçulmano.“Temos uma dificuldade de encontrar restaurantes que respeitem esse procedimento. Às vezes, é melhor comer o peixe, porque não precisa disso”, comenta Cristina. Até com a família e amigos é preciso ter jogo de cintura. Nem sempre todos têm a sorte dela. “Meus filhos são católicos e respeitam. Lá em casa, não tem qualquer problema e eles até me ajudam nas atividades sociais aqui do centro”, afirma Cristina. Na casa de Elielson Góes, não foi tão simples assim. Quando ele se tornou muçulmano, a família não ficou lá muito feliz. “Minha família paterna é cristã e ficaram com um pouco de resistência”. A namorada (hoje, noiva) era católica e também achou estranho, no começo. “Ela achava engraçada a forma de orar, mas já se acostumou”, diz ele, que, desde a conversão, também responde por  Yahya Ab-dullah. Hoje, anos depois, ele garante que não é mais assim - ainda que continue sendo o único muçulmano na família. “Eles entenderam que tinha algumas divergências em outras religiões que não me agradavam. Comecei a pesquisar sobre isso e, quando conheci o Islã, bastaram 15 dias”, brinca. A noiva também continua católica - e, provavelmente, continuará assim. Eles já até moram juntos, mas o casamento oficial ainda não aconteceu. “Quando me converti, já nos relacionávamos sexualmente, né?  O que não pode é, depois de convertido, praticar sem esposa. O casamento já está vindo, estamos arrumando as coisinhas”, garante. No Islã, os homens podem se casar com mulheres que não sigam a mesma fé, mas o contrário não é permitido. E, para Goes, o melhor de sua religião é que cada um segue como puder... Insha’Allah!Sete religiões, somadas, não têm  nem 1% da população de SalvadorMas não são só os muçulmanos que andam em grupos pequenos, em Salvador. Se somarmos os adeptos de outras seis religiões aos seguidores do islamismo, eles ainda vão ser menos do que 1% da população da cidade. Quer ver só? Os budistas são 2.272 por aqui. Logo depois, vêm os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias – os mórmons – com 2.111. Adicione aí mais 1.141 pessoas que seguem “religiões esotéricas”, outros 1.010 judeus e mais 322 adeptos de religiões indígenas. Na lanterninha, ainda tem os 189 das religiões “hinduístas”. Agora, junte com os 215 muçulmanos. Resultado? 7.260: bem distante dos 26.750 que representam 1% da população. Ainda assim, apesar de poucos, eles não acham que não há espaço para praticar sua fé. “Não vejo nenhum tipo de perseguição, pelo contrário. Convivemos com todas as outras”, afirma o presidente da Sociedade Israelita da Bahia, Luciano Fingergut. E tem quem conteste esse índice - pelo menos, no caso dos hinduístas. “Não existe a religião hinduísmo. Na Índia, existem várias religiões, mas os ingleses chamaram tudo de hinduísmo. Nunca fui entrevistado pelo Censo, mas colocaria ‘outros”, alerta o presidente da Sociedade Internacional para Consciência de Krishna na Bahia (Iskcon), José Alberto Alcântara. Conseguir mais membros não é prioridade das ‘minoritárias’Para os seguidores das religiões minoritárias, a diferença é que sua fé não é “proselitista”. “Diferentemente de outras religiões, que querem aumentar o número de fiéis, o judaísmo não busca aumentar quantidade”, explica o presidente da Sociedade Israelita da Bahia, Luciano Fingergut. Por aqui, a maioria dos judeus já nasceu assim - e vai continuar assim. “Mas a gente preserva muito a liberdade de cada um. Tem quem guarde o shabá. Eu, por exemplo, não guardo, mas respeito”, disse, referindo-se ao dia de sábado, que é guardado por alguns judeus como dia do descanso. Entre os budistas, também não há muita preocupação quanto ao número de adeptos. “Tem uma coisa no budismo que a pessoa pode praticar e estudar, sem ser budista. As pessoas podem ser de outras religiões, mas fazer as práticas budistas”, explica a presidente do Centro de Estudos Budistas Bodisatva de Salvador (Cebb), Ana Ricl.A principal prática do budismo é a meditação - e algumas pessoas costumam fazer até duas ou três vezes por dia. “É verdade que temos poucos centros aqui, mas a Bahia tem acolhido bem os budistas”, diz.