'Prefiro caprichar no camarão do que na salada', diz baiana de acarajé

Com kg do tomate a R$ 10 e cebola em falta, 10% pararam de trabalhar

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 31 de maio de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

Foto: Almiro Lopes/CORREIO Inédito! Nunca antes na história do reino do dendê uma baiana de acarajé subverteu tanto a lógica do mercado de iguarias afrobaianas. Diante da escassez de hortifrútis, Maria de Lourdes Souza, que vende os bolinhos no bairro da Federação, em Salvador, deu uma ideia que, em outros tempos, seria inimaginável."Paguei R$ 10 no quilo do tomate. Disse aos fregueses que era melhor pra mim pedir para caprichar no camarão do que na salada", conta. Quem diria: o que antes era uma ameaça ao bolinho mais saboroso do mundo se tornou realidade. Conforme o CORREIO antecipou na terça-feira, a falta de ingredientes, como a cebola, e o aumento exorbitante do preço do gás fizeram com que várias baianas de acarajé retirassem os tabuleiros das ruas.

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Quem insiste em botar a banca se vira para racionar ingredientes, economizar no preparo e, principalmente, manter os preços. Aliás, há quem faça ainda mais. Sandra Nascimento, que vende acarajé em São Cristóvão, improvisou um fogareiro a lenha para substituir o gás.

Nos fundos de casa, preparou o abará antes de sair para o trabalho, na terça. “Tô fazendo isso para adiantar meu lado”, disse ao CORREIO, último dia em que montou a banca. Nesta quarta, Sandra desistiu. “O prejuízo é muito grande. Vou parar uns dias”, avisou.

Menos baianas Como ela, muitas baianas levantaram tabuleiro e simplesmente não estão produzindo os bolinhos. A Associação de Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (Abam) afirma que elas já são 10%, mas esse número pode crescer.

Presidente da associação, Rita Santos defende que os prejuízos não sejam repassados para os clientes.“O reajuste dos preços nesse momento é muito ruim. As vendas já estão em baixa, quase 40%. Se repassar para os clientes, vai cair mais”, acredita.A muito custo, Dulce Mary de Jesus, 47, que trabalha em frente à Cruz Caída, no Centro Histórico, não chegou a tirar o tabuleiro, mas está produzindo muito pouco. Ela diz que não pode mudar a receita. Por isso, faz menos acarajés e abarás. “Meu fornecedor não trouxe cebola, mas como vou colocar menos cebola na massa? É ela que dá o sabor. O jeito é produzir menos e não repassar o prejuízo para os clientes”.   Neusa Oliveira bateu perna em Mussurunga, onde mora, atrás dos ingredientes (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Reajuste A maioria, de fato, concorda em não cobrar mais caro. “Comprei cebola a R$ 10 em Narandiba. Tomate e tempero verde estão caríssimos. Mas, não concordo em aumentar o preço. Temos que saber conduzir essa situação”, diz Marcia Rejane, que trabalha no Cabula VI, na Barraca do Didi, e ainda consegue colocar o tabuleiro na rua.

A baiana Uine Xavier ficou aliviada em encontrar cebola na feira na manhã desta quarta, mas não ficou feliz com o preço que pagou. Ela é uma das que cogita aumentar o preço: o quilo da cebola e do tomate tava R$ 5. Ela costumava pagar no máximo R$ 4 e R$ 2,40, respectivamente."O quiabo foi pra R$ 7. Era R$ 3. Se continuar assim, vou ter que aumentar o preço do acarajé", comentou.Além de cebola e tomate, a baiana Neusa Oliveira, que vende acarajé e abará na frente do Salvador Shopping, tem sentido falta também de coentro. Enquanto num dia normal, ela vende entre 50 e cem quitutes, durante os últimos dias, ela não vendeu mais do que 40. “Tinha muita gente passando por aqui, mas todo mundo andava correndo, preocupado em pegar o seu transporte. E ainda teve a chuva”, justificou ela.

A própria Maria de Lourdes, mesmo caprichando no camarão e ampliando os gastos com cebola, tomate e outros ingredientes, garantiu que não vai repassar o “pepino” para a clientela. “Até gostaria de aproveitar o embalo, mas não tem como repassar esse valor pro cliente", diz ela, que vende acarajé sem camarão a R$ 5 e com camarão a R$ 6. A R$ 6 e com camarão no capricho.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.