Presentes 'devolvidos por Iemanjá' serão doados a instituições de caridade

Pescadores fizeram reciclagem de materiais e recolheram oferendas rejeitadas pela orixá

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  • Eduardo Dias

Publicado em 3 de fevereiro de 2020 às 16:26

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Eduardo Dias/CORREIO

Após um fim de semana inteiro de festa, para comemorar o Dia de Iemanjá, a segunda-feira (3) foi de limpeza no Rio Vermelho. Como se diz popularmente, os presentes que amanhecem à beira da praia no dia seguinte aos festejos são aqueles que foram "devolvidos" pela orixá.

A faixa de areia da Praia do Rio Vermelho amanheceu com milhares de oferendas - mas calma, isso nem sempre é sinônimo de rejeição. Há quem acredite, por exemplo, que as devoluções sejam uma forma de agradecimento a quem os ofereceu, como conta o mecânico Hamilton Gomes, de 57 anos.

Ele chegou logo cedo à praia, por volta das 6h, para catar latinhas para reciclagem, quando se deparou com um objeto inusitado: uma taça branca enfeitada, boiando na água. Fez questão de pegar e guardar, acreditando que se tratava de um presente enviado por Iemanjá para ele, em forma de agradecimento.  

"Vim na intenção de fazer uma renda extra com as latinhas, pois já faço isso todo ano, mas não só pelo dinheiro. Eu também gosto de ver a festa de perto. E, nesse ano, pela primeira vez, recebi um presente de Iemanjá: ela me deu um de seus presentes que ganhou assim que cheguei na praia. Uma taça de plástico enfeitada, bem bonita. Vou levar para casa, pois foi Iemanjá quem me deu. Quero colocar em meu altar e guardar de lembrança", afirmou Hamilton, que é mecânico desde os 13 anos. Hamilton disse que vai guardar o presente num altar em sua casa (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) “Participo da festa todo ano, não perco uma. Logo que cheguei fui dar meu mergulho de sempre quando avistei a taça. Vou colocar em meu quarto, pois ela agora tem um significado importante para mim, foi um presente especial. A Festa de Iemanjá é muito linda”, completou.Enquanto Hamilton comemorava o presente, próximo dali, estavam aqueles que não param de trabalhar nem mesmo quando a festa acaba: os pescadores da Colônia de Pesca do Rio Vermelho, que passaram a manhã organizando e separando os presentes que não foram entregues à orixá por falta de tempo, além de recolher os materiais que são considerados danosos à natureza, como plásticos e vidros.

Entre um balaio e outro, o pescador Nilo Silva Garrido, 54, conversou com o CORREIO e explicou o processo que ele e outros três pescadores se dispuseram a fazer nesta segunda. Eles separavam vidros de perfumes, plásticos, sabonetes e brinquedos das oferendas, para que pudessem ser doados a instituições de caridade e pessoas em situação de rua.

“Estamos separando vidros e plásticos para não serem entregues ao mar, pois são materiais prejudiciais à natureza. Nós pedimos as pessoas que não ofertem essas coisas. Estamos colocando nos balaios apenas flores para serem entregues ainda hoje, pois não conseguimos entregar tudo ontem, por conta do horário de entrega do presente”, disse.

O pescador garantiu ainda que, após a separação dos materiais, a colônia de pescadores fará a doação dos materiais, trabalho que já é feito por eles há dois anos.

Segundo Garrido, isso serve para conscientizar as pessoas sobre quais materiais podem e não podem ser ofertados no mar. “Esse foi o ano que veio mais gente e, consequentemente, teve mais presentes. Alguns objetos vamos doar para pessoas que realmente precisam. Esse trabalho é importante para conscientizar as pessoas, pois elas precisam se educar e não fazer mais esse tipo de oferenda, como plástico e vidro”, disse. Nilo e outros três pescadores separavam vidros e plásticos dos balaios para Iemanjá (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) Quem também realiza um trabalho de reciclagem na Praia do Rio Vermelho, durante e depois da Festa de Iemanjá, é a artista plástica e voluntária Ana Cristina Lima, 48, que há 11 anos, ela leva sua sacolinha para a praia e acompanha o trabalho dos pescadores na preparação da festa. Ela diz que reza para que as pessoas consideradas "invisíveis", como as que estão em situação de rua e membros de instituições de caridades, sejam enxergadas por todos.

“Tenho muita amizade com os pescadores da colônia. Sou voluntária da Paroquia de Sant'Ana e venho todos os anos durante e depois da festa para recolher esses materiais que não são oferecidos, pois, ao meu ver, podem ser benéficos para outras pessoas. Essas que são consideradas invisíveis para muita gente, são totalmente visíveis para mim. Gosto de ajudar os necessitados, entrego os perfumes e sabonetes para quem mora na rua”, contou. Ana Cristina recolheu frascos de alfazema para doação (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) Uma das instituições parceiras da colônia de pesca do Rio Vermelho é a Arquitetos do Bem, que tem à frente a líder Gislene Andrade. Ela contou que a união com os pescadores teve início em 2019 e que, neste ano, pretende entregar cestas às famílias carentes com alguns itens como perfumes e sabonetes.

“Essa parceria com os pescadores amplia nosso trabalho. Vamos pegar esses sabonetes e transformá-los em sabonetes líquidos, além de doar perfumes. Fazemos esse trabalho por amor, não queremos nada em troca. Temos conseguido grandes coisas, como ver o alívio de quem mais precisa”, afirmou.Balanço A Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb) divulgou um relatório com o balanço da limpeza após a Festa de Iemanjá. Segundo o órgão, cerca de 240 funcionários, entre agentes de coleta, motoristas e agentes de serviços complementares, atuaram nas praias onde ocorreram a festa. No total, foram recolhidas 72,25 toneladas, entre às 22h e às 07:30h desta segunda-feira (3).

No processo, foram utilizados 8 caminhões com carroceria, 8 compactadores e 8 caminhões pipas para auxiliar na limpeza. Além disso, 250 mil litros de água e 500 litros de detergente garantiram o asseio do local.

Voluntários de uma empresa de bebidas também se juntaram aos agentes da Limpurb e realizaram um mutirão para a limpeza da praia. Cerca de 13 catadores e 12 mergulhadores participaram do processo. Na ação, foram recolhidos 200 kg de lixo e plástico da Praia do Rio Vermelho. (Foto: Magali Moraes/Devassa) *Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier