Primo de Moa do Katendê relata crime: 'tentei segurar a faca e fui atingido'

Rodoviário teve alta médica hoje; Justiça decretou prisão preventiva de barbeiro

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  • Perla Ribeiro

Publicado em 9 de outubro de 2018 às 19:38

- Atualizado há um ano

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Moa foi morto com 12 facadas (Foto: Reprodução) O rodoviário Germínio do Amor Divino Pereira, 51 anos, mal poderia imaginar que uma habitual parada num bar perto de casa, na comunidade do Dique Pequeno, no Engenho Velho de Brotas, lhe renderia uma facada no braço e a morte de seu primo, o mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, 63, o Moa do Katendê - esfaqueado 12 vezes após uma discussão sobre política.

Era finalzinho da noite do último domingo (7), 1º turno das eleições, por volta de 23h30, quando o rodoviário passou pelo Bar do João - um amigo da família -, e avistou os primos, Moa e Reginaldo Rosário da Costa, 68, sentados, tomando cerveja. "Decidi parar lá". Segundo Germínio, o assassino confesso do primo, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36, que teve a prisão preventiva decretada na tarde desta terça-feira (9), já estava lá quando ele chegou.

Conforme informações da Polícia Civil, a morte do artista foi resultado de uma discussão em que Moa se posicionou contra Jair Bolsonaro, candidato à Presidência pelo PSL. "Meu tio só fez falar: 'você é negro, tem que votar em partido que defenda a causa da gente. Somos negros e temos que lutar por isso, em alguém que pense nos negros, nos baianos'".

Leia também: Conheça Moa de Katendê, artista morto durante discussão sobre política

O rodoviário descreve Paulo Sérgio, que saiu do bar e voltou ao local com uma faca cerca de dez minutos depois, como uma pessoa "fria e calculista". Já armado, o barbeiro atacou Moa do Katendê 12 vezes. Na tentativa de livrar o primo, Germínio acabou esfaqueado no braço direito. "Senti meu sangue descer e ouvia o irmão mais velho de Moa gritando: 'meu irmão, meu irmão'", lamentou.

A decisão de manter o barbeiro preso foi do juiz Horácio Pinheiro, ao considerar que havia "prova de existência do crime" e "indício suficiente de autoria", durante audiência de custódia. O assassino confesso será encaminhado para o sistema prisional, onde vai aguardar o julgamento.

De acordo com a responsável pelas investigações do caso, a delegada Milena Calmon, o caso está totalmente esclarecido. Testemunha, o dono do estabelecimento onde aconteceu o assassinato, amigo de Moa, foi ouvido nesta terça. "Ele confirmou que vítima e autor se desentenderam após discordarem politicamente. Confirmamos que os dois tiveram uma discussão calorosa". Ainda segundo a delegada, a faca utilizada no crime foi encontrada escondida na casa de Paulo Sérgio. "A mulher dele autorizou e os policiais acharam a arma em uma parede escondida dentro do banheiro. "A esposa disse que ele entrou transtornado e falou: 'ele tá pensando que eu sou otário? Vou mostrar a ele que não sou otário'. Ela disse que ele pegou a faca e ela não teve como sair atrás, pois já estava vestida para dormir", afirmou à reportagem.

Depois de pouco mais de um dia internado no Hospital Geral do Estado (HGE), Germínio teve alta nesta terça-feira (9) e, com exclusividade, contou ao CORREIO sobre a noite em que os primos, sentados, apenas discutiam "projetos para o futuro".

Leia relato de vítima

Eu estava indo para casa, quando passei pelo Bar de João. Eles [Moa e Reginaldo] já estavam lá tomando cerveja e eu decidi parar. O rapaz [Paulo Sérgio] já estava conversando sobre política com João. Meu tio só fez falar: 'você é negro, tem que votar em partido que defenda a causa da gente. Somos negros e temos que lutar por isso, em alguém que pense nos negros, nos baianos.'  

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Isso foi o suficiente para o cara achar que Moa estava agredindo ele. Na hora da confusão, ele disse a João [dono do bar]: 'ele não me conhece, não sabe quem sou eu. Foi um mal entendido'. Eu ainda conversei com ele. Disse: 'deixa pra lá que discussão por causa de política não leva a lugar nenhum. Naquela hora eu não imaginava que fosse levar a vida de meu primo'. 

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Ele foi embora. Como ninguém conhecia, não sabíamos que ele era violento assim. Que ele era frio e calculista para ir em casa buscar uma peixeira e voltar cerca de 10 minutos depois. Ninguém esperava isso. A gente estava ali discutindo projetos para o futuro e, de repente, ele entra pra agredir, por causa de uma discussão de política. 

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Eu não vi quando ele chegou, na hora eu estava conversando com meu primo. Ele já voltou indo para cima dele, que estava de costas. Na hora, levantei e disse: 'rapaz, o que é isso?' Tentei defender Moa, botei a mão para segurar, mas ele é forte, e eu acabei atingido. Levantei para tentar segurar a faca e fui atingido no braço direito. 

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Senti meu sangue descer e ouvia o irmão mais velho de Moa gritando: 'meu irmão, meu irmão', e ele caído no chão. Meu sangue caía, já estava me sentindo fraco, perdi muito sangue. Me botaram dentro do carro e me levaram para o HGE já desacordado. Lá, o médico me reanimou e botou no soro. 

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Não sabia que Moa tinha morrido, soube na maca. Uma técnica de enfermagem que trabalha no HGE, que conhece minha família, que me deu a notícia. Ela me falou: 'que negócio triste, eu preocupada com você e meu tio acaba de falar que Moa morreu'. 

Fiquei abalado. Quando saí de lá [do bar], ele estava no chão. Quando caiu, já caiu morto. Ele não tinha histórico de violência. Isso é muito triste, era um cara que o Brasil e o mundo conhecia e vimos perder a vida assim. Está todo mundo arrasado. Ele deixou alunos na Inglaterra, na Espanha, na França, em São Paulo, em Porto Alegre.

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Ele não se metia em briga de ninguém e dizia pra gente tomar cuidado. Quando estava aqui, ele ia sempre no Bar de João, tomar uma cervejinha, todo mundo conhecia ele lá. Nossa família vive aqui há mais de cem anos, começou com o terreno dos nossos bisavós, hoje temos mais de 70 pessoas da mesma família morando aqui. 

É como se a comunidade fosse uma grande família. Está todo mundo triste, mas não vamos deixar os projetos e as ideias dele morrerem junto com ele.