Professora usa obras de Maria Bethânia para ensinar poesia em escola pública

Estudantes usam letras de músicas interpretadas por artista baiana

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  • Gil Santos

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Pessoal

No interior, toda Maria é Maricotinha. Foi com essa frase que a professora pernambucana Ana Cláudia Xavier, 45 anos, começou a entrevista com o CORREIO para contar sobre o projeto pedagógico ‘Dra. Maricotinha – Poesia da teoria à prática’ que desenvolveu e implantou em uma escola pública na região metropolitana de Recife (PE). Na prática, os estudantes aprendem poesia através do estudo das obras e da interpretação da cantora baiana Maria Bethânia. Diógenes é um dos responsáveis por dar continuidade ao projeto (Foto: Acervo Pessoal) A professora contou que tudo começou em maio de 2017. Cinco estudantes do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual Ministro Jarbas Passarinho, no município de Camaragibe, estavam se preparando para participar da 3ª Exposição de Tecnologia e Ciências (Expotec) quando tiveram a ideia de trabalhar com poesia.

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“É uma feira promovida pela escola todos os anos em que são apresentados diversos projetos, de diferentes áreas. Alguns alunos pensaram em trabalhar com poesia e eu abracei a ideia. Como sempre gostei de Maria Bethânia pensei em usar as obras e a interpretação dela para falar de poesia. No interior, toda Maria é Maricotinha. Daí o nome do projeto. Dra Maricotinha é Bethânia”, disse. Professora Ana Cláudia e a cantora Maria Bethânia (Foto: Acervo Pessoal) Quando pensaram o projeto, os estudantes queriam tratar de poesia, mas ainda estavam confusos sobre qual área abordar. Segundo Jorge Luiz Venerando Filho, 18 anos, ele e as colegas procuraram Ana Cláudia para ter uma orientação sobre o que fazer, foi então que surgiu a ideia de usar as obras da cantora baiana como instrumento de análise.

“Eu já conhecia muitas obras de Bethânia, mas foi a professora quem nos deu a ideia de usar a expressividade dela no projeto. Como estudante de escolas pública é difícil encontrar professores que se importem com a gente e Ana Cláudia fez isso. A experiência foi muito boa porque aprendemos e depois ensinamos. Foi muito legal”, contou.

A proposta era fazer uma intervenção, ensinando e discutindo poesia com os alunos das séries iniciais. A escola tem cerca de 1,5 mil discentes, do 6º ano ao ensino médio. “Eles adoraram. Escreviam poesias em casa e levavam para a gente ver. Alguns desenhavam e outros declamavam. Nunca tinha feito nada parecido na escola”, afirmou Jorge Luiz. Jorge Luiz e as colegas do primeira turma do projeto na casa da professora (Foto: Acervo Pessoal) Passo a passo Primeiro, os estudantes do 3º ano do ensino médio discutiam com os professores as obras de Maria Bethânia e os textos de poetas citados pela cantora nos shows. Eram observados pontos como os elementos que compõem um poema, interpretação, construção de imagens e as diferenças entre poesia e prosa.

Essas discussões aconteciam duas vezes por mês, em rodas de conversa na escola e, algumas vezes, até mesmo na casa de Ana Cláudia. “O que chamou nossa atenção foi a dedicação dos alunos. Eles ficaram muito interessados e participativos. Depois disso, a gente preparava as aulas que eram colocadas em prática na turma do 6º ano A”, contou a pró Ana. Estudantes das séries iniciais estão conhecendo a poesia através de Bethânia (Foto: Acervo Pessoal) Antes de iniciar a intervenção, a escola pediu que os 60 estudantes do 6º ano A respondessem a um questionário sobre o significado da poesia. Apenas 5% deles acertaram o conceito. Outros 37% responderam parcialmente de forma correta e 58% não souberam responder.

O mesmo questionário foi aplicado após o projeto e o resultado, desta vez, foi diferente. A balança se inverteu. Apenas 5% erram o conceito. No total, 80% dos estudantes responderam de forma correta e outros 15% acertaram parcialmente.

O resultado atraiu a atenção de outras instituições. Depois que a edição de 2017 foi concluída os estudantes receberam convites para apresentar o projeto em outras escolas de Pernambuco, estaduais, municipais e até particulares. A professora contou que a ação melhorou os resultados dos alunos também em outras disciplinas. “Foi um aproveitamento geral”, disse. Projeto foi apresentado pela primeira vez em uma feira da escola (Foto: Acervo Pessoal) Continuidade Agora, os estudantes do 2º ano do ensino médio é que estão dando continuidade ao projeto, com a turma do 7º ano A (antigo 6º ano A). “Ano passado falamos de conceito de poesia e interpretação, este ano vamos colocar em prática. Eles estão escrevendo”, explicou Ana Cláudia.

Ela contou que ouvi Maria Bethânia desde que era menina, quando a mãe cantarolava as músicas da cantora baiana, e que perdeu a conta de quantos shows assistiu da artista. Em janeiro, Ana Claudia foi até Santo Amaro e apresentou o projeto para Bethânia. “Ela adorou a ideia e também assina o projeto”.

Natural de Pernambuco, Ana Cláudia tem 23 anos de magistério. Ela também trabalhou na rede pública de ensino da Bahia, por 4 anos, e há 12 anos está lecionando na Escola Estadual Ministro Jarbas Passarinho, onde desenvolveu o projeto. O projeto, que tem como coorientadora a professora Ladjane Maciel, representará Pernambuco em novembro deste ano em outro concurso no Pará.  Bethânia conheceu o projeto da professora Ana Cláudia através da irmã da cantora Mabel Veloso após show em João Pessoa na Paraíba  (Foto: Acervo Pessoal) Quando a ideia foi apresentada na Expotec e venceu em primeiro lugar na categoria Códigos, Linguagens e Suas Tecnologias, o estudante Diógenes Paulo Andrade Filho, 15, estava na plateia. Um ano depois, ele foi convidado para substituir os alunos que criaram o projeto e contou que ficou surpreso com a experiência.

“Eu conhecia o trabalho de Bethânia, mas tinha mais proximidade com as obras de Caetano Veloso. Primeiro eu pesquisei um pouco do que era o projeto, mas, assim que entendi a proposta, não pensei duas vezes. Aceitei logo participar. Foi a melhor coisa que eu fiz. A experiência está sendo ótima”, disse.  

Segundo o diretor da escola, Marcos Vinícius Lima, a ideia é expandir do projeto para todo o colégio e implantá-lo também em outras instituições de Pernambuco.

“Estivemos na Secretaria de Educação essa semana e os alunos foram em várias escolas da rede pública e particular apresentar o projeto, foram convidados até para participar de uma feira no estado do Pará. Estamos muito contentes com o resultado. Abraçamos a ideia e a divulgação aumentou a procura pela escola. Estamos com as salas estão lotadas”, afirmou.

Enquanto isso, os estudantes seguem aprendendo com a cantora a encarar os desafios mundo com poesia e leveza, porque, como diz a artista, “de costas voltadas não se vê o futuro, nem o rumo da bala, nem a falha no muro”, e isso é importante porque “o caminho se faz entre o alvo e a seta”.

O CORREIO fez contato com a cantora Maria Bethânia para falar sobre a homenagem, mas até o momento da publicação da reportagem a artista não respondeu.

Retificação Inicialmente, a reportagem informava que o projeto da professora Ana Cláudia tinha sido "um dos premiados com a certificação nacional" para o Prêmio Educador Nota 10 deste ano. No entanto, a assessoria do prêmio retificou a informação, por meio de nota. Na Bahia, apenas uma professora ficou entre os 50 indicados: Ionã Scarante, do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Baiano em Valença, na região do Baixo Sul.  

A 21ª edição do Prêmio Educador Nota 10 já tem, inclusive, seus 10 finalistas – educadores que desenvolveram experiências pedagógicas de destaque nas escolas em que trabalham. Segundo a assessoria do prêmio, eles "foram escolhidos por uma Academia de Jurados de renome, entre mais de 4 mil inscritos". Os selecionados são dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.