Professores cabulam aula no primeiro dia de ensino presencial na Bahia

Estudantes também ficaram em casa, mas disseram estar preocupados

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  • Gil Santos

Publicado em 27 de julho de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O primeiro dia de volta às aulas presenciais na rede estadual foi de escolas vazias. Os professores aderiram ao pedido do sindicato e não compareceram aos colégios, assim como muitos estudantes. Em algumas escolas apenas os profissionais contratados no modelo de Regime Especial de Direito Administrativo (Reda) marcaram presença. A Bahia tem 780 mil estudantes do ensino médio, profissionalizante e Ensino de Jovens e Adultos (EJA), categorias que voltaram às aulas nesta segunda-feira (26).

No início da manhã, uma professora que chegava para lecionar no Colégio Estadual Heitor Villa Lobos, no Cabula VI, contou que estava comparecendo contra a vontade. Ela pediu para não ser identificada, disse que entende a necessidade dos estudantes, mas que o modelo hibrido proposto pelo governo, com três dias de aulas presenciais e três de aulas virtuais, era muito desgastante para os profissionais.

“Eles queriam que eu fizesse uma live da aula, disponibilizaram internet, mas não ofereceram equipamento. Como eu faria isso? Ficaria segurando meu celular durante a aula? A saída que encontrei foi gravar as aulas e disponibilizar na plataforma para os estudantes. Passei meu domingo fazendo isso”, disse.

Ela recebeu a segunda dose da vacina contra o novo coronavírus no sábado (24) e contou que gostaria de esperar o ciclo de imunização ser concluído para poder retomar as aulas. No Colégio Estadual Edson Tenório de Albuquerque, em Paripe, professores combinaram com os estudantes de manterem o ensino exclusivamente em atividade remota. Resultado: não apareceu ninguém na escola nesta segunda-feira.

Os funcionários do Colégio Estadual Governadores Roberto Santos, no Cabula, contaram que os professores que compareceram foram aqueles contratados em modelo de Reda. A categoria está exigindo só retornar para a sala de aula depois que receber a segunda dose da vacina. Uma reunião com o governo está marcada para a quarta-feira (28).

Alunos  Já faz um ano e quatro meses que Luís Henrique Carvalho, 16 anos, não acordava cedo para ir à escola. Enquanto ele ajeitava os livros na mochila, em Narandiba, o estudante Bruno Costa, 17, vestia o uniforme da escola que ele lavou sexta-feira, no bairro do Arenoso. Nesse momento, Anna Vitória, 17, que mora na Mata Escura, já estava no ônibus a caminho do colégio, no Cabula.

Enquanto o Governo do Estado e os professores travam uma queda de braço sobre a decisão de reabrir as escolas, os estudantes, principais interessados no assunto, contaram que estão vivendo uma angustia. Eles têm que escolher entre o medo de pegar covid, na escola ou no caminho para o colégio, e o medo de permanecer nas limitações das aulas virtuais, e não consegui se preparar a tempo para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será aplicado em novembro.

Luís Henrique tinha o hábito de chegar cedo, antes do portão abrir, e manteve a rotina de antes da pandemia. Ele foi o primeiro aluno a chegar no Colégio Estadual Heitor Villa Lobos, no Cabula VI. Vestindo um casaco, por conta da manhã chuvosa e fria, ele explicou porque saiu de casa.

“Foi uma decisão minha. Estava com ansiedade e cansado de ficar o tempo todo em casa. Além disso, eu não consegui me adequar ao ensino virtual. Estudava pelo celular, mas não conseguia me concentrar. Não foi legal, e por isso eu queria que as aulas presenciais voltassem”, contou. Luís Henrique foi o primeiro estudante a chegar (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Luís Henrique divide a casa com a mãe, o padrasto e três irmãos menores que também estão em aulas presenciais. Ele cursa o 2º ano do ensino médio e vai fazer o Enem pela primeira vez. A prova será uma preparação para o próximo ano quando ele vai entrar na disputa por uma vaga nas faculdades de Engenharia ou Música. “Ainda estou decidindo”, disse.

Para Bruno Costa, estudante de 17 anos que cursa o último ano do ensino médio, não há mais tempo para testes. A prova do Enem será pra valer. Ele quer uma vaga na faculdade de Engenharia Civil ou de Contabilidade e, por isso, agradeceu o retorno das aulas presenciais.

“Eu consegui estudar pelo virtual, mas não é a mesma coisa da aula presencial, tem limitações. Teve professores que se aposentaram e outros que colocavam atestado. Fiquei dois meses em professor de matemática. A vacinação está avançando, então, fiquei um pouco mais tranquilo. Outros países também já retomaram as aulas”, defendeu.

Sem ensino presencial Bruno estava ajudando a mãe no trabalho durante o dia e estudando à noite. Quando soube que as escolas seriam reabertas ele correu para lavar o uniforme. “Alguns professores faziam aulas ao vivo, pela manhã. Outros deixavam as aulas gravadas e a gente acessava em qualquer horário. Essas eu assistia à noite”, explicou. Bruno Costa contou que estava ansioso pelo retorno das aulas (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Outro lado A estudante Anna Vitória, 17 anos, discorda dos dois colegas. Para ela, a decisão de reabrir as escolas foi precipitada. Moradora da Mata Escura, a jovem estuda no Cabula VI, por isso, precisa fazer uso do transporte público para conseguir chegar ao colégio. Nesta segunda, ela compareceu, mas disse que foi mais por obrigação do que por prazer.

“Preciso pegar ônibus para vir à escola. Pelo menos em casa eu estava mais protegida. Só compareci porque que o governo ameaçou cortar benefícios e cancelar a matrícula de quem não viesse", disse.

Ela questionou a necessidade de retomar as aulas presenciais. “Eu não estava conseguindo me concentrar nas aulas virtuais, mas pelo menos estava protegida. Saindo de casa eu estou em risco”, contou. Primeiro dia teve baixa adesão de alunos e professores (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Camile Vitória tem 18 anos, é estudante do 3º ano e concorda. Ela é filha única e contou que conseguiu de adequar ao modelo de ensino remoto. “Não vejo motivo para voltar as aulas presenciais. O virtual estava ótimo. A gente estudava sem o risco de se contaminar”, disse.

No Colégio Estadual Almirante Barroso, em Paripe, onde existem 1.638 estudantes matriculados no ensino médio, os poucos que saíram de casa foram embora antes das 9h. Alguns professores compareceram. No Colégio Estadual Thales de Azevedo, no Costa Azul, funcionários aproveitaram a segunda-feira para fazer uma faxina. Não houve aula na unidade. Funcionário verifica a temperatura dos estudantes na portaria (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) O Colégio Estadual Raphael Serravalle, na Pituba, também teve movimento bem abaixo do normal, nem um terço dos 1.500 alunos do ensino médio compareceu. No Instituto Central de Educação Isaías Alves (Iceia), no Barbalho, a procura também foi baixa. As duas escolas encerraram as atividades mais cedo.

Todas as escolas visitadas pela reportagem ofereciam álcool gel e aferiam a temperatura dos estudantes e professores. O uso de máscara também era obrigatório nesses espaços. Funcionários contaram que os pais estão inseguros e que muitos avisaram que não permitiram o retorno das crianças.

Governo X professores Segundo o coordenador geral Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB), Rui Oliveira, a decisão de não comparecer às escolas superou 90% da categoria. Sobre a ameaça de corte de ponto, o sindicato disse que não teme essa medida.

“A categoria está de parabéns, 95% dos professores da Bahia não compareceram as escolas, e tivemos o apoio também dos pais que mandaram os filhos. O que nós sempre quisemos foi o diálogo. Teremos uma reunião com o governo na quarta-feira e esperamos razoabilidade”, contou.  

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (SEC) informou que o Governo do Estado investiu cerca de R$ 305 milhões na requalificação e adaptação das escolas públicas. “Foram realizadas manutenções e adequações que possibilitam que os estudantes obedeçam a protocolos sanitários, como distanciamento social e uso de álcool em gel, além do uso obrigatório de máscaras”.

Sobre as reclamações da APLB, a SEC disse que está conversando com a categoria, mas que a determinação do governo é para que as aulas presenciais sejam iniciadas. A Secretaria afirmou que após um ano e meio sem atividades, continuar com a suspensão provocaria prejuízos para e educação e para a formação cidadã. O governo disse que está confiante que aos poucos ficará mais intenso o movimento de retorno às atividades presenciais, com três dias nas escolas, três dias em casa.    

Os estudantes da rede estadual estavam sem aulas desde março de 2020. Em março de 2021, as aulas foram retomadas, mas apenas de forma remota. O CORREIO perguntou se a SEC vai manter a decisão de cortar o ponto dos professores que faltarem e se haverá penalidades para os estudantes, mas a Secretaria disse apenas que "está monitorando junto aos gestores escolares as frequências dos educadores, para o cumprimento das atividades e seguindo todos os protocolos sanitários estabelecidos, visando a segurança da comunidade escolar".

Disse ainda que "todas as 1.094 unidades escolares da rede estadual de ensino foram abertas no primeiro dia de aulas semipresenciais e continuarão em funcionamento conforme prevê esta segunda fase do ano letivo 2020/21".

Na próxima semana, será a vez dos 120 mil estudantes do ensino fundamental II voltar às aulas presenciais. Pais e estudantes disseram, na semana passada, que estavam indecisos sobre a medida. A rede municipal de Salvador também pretende retomar as atividades escolares em agosto, entre os dias 9 e 16, e a prefeitura prometeu fazer campanha e busca ativa de alunos, através de mensagens, para evitar que as escolas fiquem vazias.