Profissionais de saúde da linha de frente anticovid acendem a pira do Dois de Julho

Pelo segundo ano consecutivo, festejos foram modificados pela pandemia e não haverá cortejo; ato cívico será sem público

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 2 de julho de 2021 às 04:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

O Fogo Simbólico, rebatizado este ano de ‘Chama da Esperança’, que marca o início das homenagens ao Dois de Julho, será aceso pelo enfermeiro Helder Martins e pela técnica em enfermagem Arlene dos Santos, que trabalham em UBS – Unidades Básicas de Saúde de Salvador e vão representar os profissionais de saúde na linha de frente da guerra à covid-19.  

Pelo segundo ano seguido, por conta da pandemia, não haverá o desfile com o Caboclo e a Cabocla e sim um ato oficial, a partir das 8h, no Largo da Lapinha, além de programações virtuais (veja abaixo) ao longo do dia. Para evitar aglomerações, o público não terá acesso.

Helder, 31, conta que ser escolhido o deixou muito feliz e orgulhoso. “Estamos vivendo um momento muito complicado. Muitos profissionais de saúde perderam suas vidas ou algum ente querido. Poder representar essa classe e acender a Chama da Esperança vai ser maravilhoso”, disse.

O enfermeiro teve covid-19 em setembro de 2020, enfrentou a forma branda da doença. Mas amigos seus, também profissionais de saúde, não tiveram a mesma sorte. “Perdi três grandes amigos que trabalhavam na linha de frente em hospitais. Eram pessoas que não tinham nenhuma comorbidade, então o baque foi muito grande e, junto com esse susto, o medo de acontecer comigo aumentou ainda mais”, desabafa.  O enfermeiro Helder já teve covid e perdeu três amigos para a doença (Foto: Paula Fróes/CORREIO) O enfermeiro nasceu em Picos, no Piauí. Veio morar em Salvador em 2017. Desde que a pandemia começou, ele não vê o pai e suas cinco irmãs, a mãe ele perdeu em 2012. “Eu tinha o costume de viajar para visitar eles de seis em seis meses, mas não tinha como. Agora, meu pai já tomou as duas doses e estamos combinando dele vir para cá”.

Já Arlene, 49, aproveita a simbologia do ato para deixar uma mensagem:  “Quero pedir para que as pessoas continuem se cuidando, não se aglomerem e entendam que a pandemia ainda não passou. É importante se vacinar quando chegar a hora e também voltar para tomar a segunda dose. A vacina é a chave para tudo melhorar”.  

A técnica em enfermagem se derrete ao falar da própria profissão. “Eu gosto de ajudar e me apego muito aos meus pacientes. Se eu me afasto, eles perguntam por mim e eu sinto saudade. Quando eu volto, é uma festa. Tem uma família de Lauro de Freitas que todo mundo só se vacina aqui em Salvador comigo e com uma colega minha. É ele, a esposa e os filhos. Criamos um vínculo mesmo e uma relação especial. Eu fico muito feliz com essas coisas”.

Ela conta que, com a chegada da pandemia, a rotina de trabalho passou por diversas mudanças, exigindo muito mais esforço. Mas, segundo ela, tudo vale a pena. “Já cheguei a trabalhar de domingo a domingo na vacinação. Às vezes meus filhos falavam para eu não pegar assim direto, mas eu fazia questão. Logo quando começou a vacinação, eu coloquei na cabeça que eu tinha que me esforçar ao máximo para que o processo andasse logo e minha família pudesse ser vacinada. Eu sabia que sozinha não ia dar conta de tudo, mas fazia questão de trabalhar bastante para fazer a minha parte”. A técnica em enfermagem Arlene já trabalhou de domingo a domingo na vacinação contra covid e diz que o esforço vale a pena (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Arlene diz também que a companhia dos colegas é fundamental para manter o sorriso no rosto. “Um apoia o outro. Nos pontos de vacinação, a gente sempre coloca uma musiquinha para animar. Eu mesma tenho a minha caixinha lá no drive-thru porque aí a gente que aplica a vacina fica feliz e quem chega para ser vacinado também fica”. 

Sem desfile popular

Nesta quinta, não havia aquela movimentação típica do Largo da Lapinha na véspera do Dois do Julho. Na Ladeira da Soledade, no caminho para Santo Antônio Além do Carmo, as fachadas das casas, tradicionalmente enfeitadas, estavam vazias. 

A atividade mesmo acontecia no interior do Pavilhão Dois de Julho, onde ficam guardados os carros da Cabocla e do Caboclo. Lá, João Marcelo Ribeiro, 58, artista plástico e figurinista, preparava os protagonistas da festa para o ato cívico de hoje. O artista trabalha com a ornamentação do Dois de Julho desde 2008. 

“Sempre tive essa vontade de fazer um trabalho para o Dois de Julho. Eu sempre acompanhei o desfile. Agora estou aqui dando manutenção porque sempre tem alguma coisa para ajeitar, um cocar que sai do lugar, por exemplo, e as flores e as plantas ornamentais para acrescentar”.

Normalmente, João Marcelo conta com a ajuda de colegas, mas, com a pandemia, teve de trabalhar sozinho. “Costumo começar à tarde, mas, para dar tempo, comecei pela manhã mesmo. Vai ser o dia inteiro de trabalho, até terminar e deixar tudo pronto para eles poderem sair amanhã de manhã cedo”, acrescentou.

Mesmo com uma celebração diferente este ano, João Marcelo garante que o esforço e a alegria permanecem iguais. “Vamos ter mais um Dois de Julho virtual, mas é para o bem do povo e temos que aceitar e esperar até tudo voltar ao normal. Justamente por isso, o tema deste ano é Chama da Esperança, então a cor predominante vai ser o verde, que representa esperança”, explicou. 

Eventos virtuais começaram na quinta

Com as restrições da pandemia, a programação do Dois de Julho sofreu mudanças pela segundo ano e boa parte dos eventos será no ambiente virtual. Com os ajustes, as atividades tiveram início nesta quinta-feira (1). A primeira atividade aconteceu às 9h, com o projeto #Meu2deJulho. Na ocasião, diversas personalidades contaram memórias marcantes do cortejo. O público pode participar com vídeo através do site: culturafgm.salvador.ba.gov.br. 

A programação virtual contou também com o filme “Dois de Julho: Um Sonho de Liberdade” no projeto #ConexãoFGM. Dirigido por Yuri Rosat, o curta-metragem retrata a importância da Independência da Bahia na construção da identidade cultural do povo baiano. O documentário mostra como a história se manifesta através do protagonismo do povo e do seu desejo por liberdade e pode ser conferido no canal da Fundação Gregório de Matos no Youtube.

O projeto “Brincando com o 02 de julho” criou diversos jogos de tabuleiro para as pessoas se divertirem e aprenderem sobre a data com amigos, familiares e colegas. Os jogos estão disponíveis no site da FGM.   

Durante todos os dias de programação, às 10h, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) exibe em suas redes sociais (Facebook e Instagram) a exposição “Personagens da Guerra pela Independência do Brasil na Bahia”.

Já para quem quiser conhecer sobre os territórios mais marcantes no processo de independência da Bahia, o historiador Ricardo George ministra vídeo-aulas, no canal da FGM no Youtube, nos dias 03 e 05, às 14h. Nesta quinta, 01, também ocorreu uma vídeo-aula. Ele passeia pelo Recôncavo, Subúrbio Ferroviário e pelos quartéis e ruas de Salvador para mostrar a importância desses territórios na vitória contra os portugueses. Tânia passos, nascida e criada na Lapinha, deseja que a pandemia acabe e a festa de 2022 tenha cortejo (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Saudades da festa na rua

Para a vendedora Tânia Passos, 56, o clima na Lapinha está bem diferente do comum nessa época do ano, deixando um sentimento de saudade. “Com a pandemia, fica um clima de estranheza. É um vazio, um silêncio, uma calmaria que incomoda. O que a gente quer mesmo é que, no ano que vem, isso tudo aqui esteja em festa como nos tempos normais”, diz ela. Tânia conta que, já na véspera do festejo, os preparativos no Largo mobilizam os moradores. “É uma movimentação muito grande, um vai e vem danado de gente”. E, no dia da festa, a animação começa bem cedo. “Às vezes eu estava dormindo e acordava já com o barulho dos festejos”. 

A vendedora diz que a festa é um marco na vida dos moradores e faz muita falta. “É um período que a gente encontra as pessoas que não vemos há muitos anos, amigos de infância, por exemplo. Ao longo do tempo, os mais velhos vão indo embora e, às vezes, a família se afasta, mas, no Dois de Julho, todo mundo se encontra. É muito gostoso. A festa faz parte da minha vida e é uma tradição que foi passando de geração em geração”. 

A comerciante da Barraca da Lapinha, Lucilene dos Santos, 51, concorda. “Isso aqui fica parecendo Carnaval. É festa desde a manhã até a noite com muita gente reunida. Vem gente da Soledade, Liberdade, Barbalho, Largo do Tanque, vem todo mundo. Quem é ex-morador, por exemplo, é certo vir aqui no Dois de Julho. É um dia de encontrar os familiares e amigos e muitas casas preparam feijoada ou churrasco e decoram a fachada”.  

O ponto comercial familiar fica na entrada do Largo há 70 anos. Lucilene trabalha lá há 20 e diz que, todo Dois de Julho, acompanha a cerimônia na frente do Pavilhão, a saída do Caboclo e da Cabocla e, depois, abre sua barraca. “Meus pais tinham a tradição de acompanhar, depositar flores no monumento do General Labatut e eu também segui esse costume. Este ano, não sei se vai ser possível por conta das restrições”.  

Programação Oficial do Dois de Julho 

Mesmo sem desfile, homenagens marcam o Dois de Julho hoje. Logo mais, às 08h, no Largo da Lapinha, ocorre o hasteamento das bandeiras, com a presença do prefeito Bruno Reis, do governador Rui Costa, do deputado Adolfo Menezes, presidente da Assembleia Legislativa da Bahia e do presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Eduardo Morais de Castro. Por conta do distanciamento social, não haverá acesso do público.

Durante a cerimônia, os caboclos estarão posicionados do lado de fora do Pavilhão Dois de Julho vestidos de “Verde Esperança” pelo artista plástico João Marcelo. No final do ato, serão recolhidos.

Na sequência, a Pira do Fogo Simbólico será acendida e acontece a deposição de flores aos heróis da independência no busto do General Labatut.    Também hoje, ocorre a edição virtual do Encontro de Filarmônicas, às 18h, no canal da FGM no YouTube. Dez filarmônicas se apresentam com a curadoria do maestro Fred Dantas.

Em Ação de Graças, o Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Cardeal Dom Sérgio da Rocha, presidirá missa na Catedral Basílica de Salvador (Terreiro de Jesus), às 16h. Ela será transmitida, ao vivo, pelo canal da Arquediocese no Youtube.

Outra celebração acontece na Igreja Rosário dos Pretos, às 9h, quando será comemorado também o Aniversário de 122 Anos de Elevação à Categoria de Ordem Terceira. A celebração será restrita aos irmãos e, portanto, transmitida pelo perfil @irmandadedoshomenspretos no Instagram.

Evento ao vivo nas redes do CORREIO

No segundo ano em que o cortejo do Dois de Julho deixa de acontecer por conta da pandemia, o CORREIO promove um programa online, ao vivo, com historiadores e baianos que têm relação afetiva com a festa. 

A transmissão ocorre das 8h às 10h desta sexta-feira, 02, no Instagram (@correio24horas) e contará também com a participação de leitores e da equipe de reportagem em pontos importantes das comemorações. O tema da cobertura será ‘A nossa Bahia é resistência’.

O programa será apresentado por Jorge Gauthier e Clarissa Pacheco e terá os historiadores Rafael Dantas e Marianna Farias, mestranda em História Social (PPGH/Ufba). 

A cobertura do CORREIO, além de falar da importância da data para a memória baiana, mostrará as homenagens deste ano. Além do programa, até o sábado, dia 3, haverá conteúdos especiais no site, redes sociais e jornal impresso.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro