Projeto usa receitas culinárias para ensinar leitura e escrita a jovens e adultos

Aulas propõem preparo e degustação de receitas, além do aprendizado

  • D
  • Da Redação

Publicado em 16 de julho de 2022 às 06:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Paula Fróes/ CORREIO

O que uma receita culinária significa para você? Para os alunos do programa Educação para Jovens e Adultos (EJA) de Salvador, representa elevação de autoestima, aprendizado, diversão e fonte de renda. Essa foi a descoberta que aconteceu durante as aulas do projeto Todo Mundo Pode Aprender, que propõe o desenvolvimento da leitura e escrita a partir de receitas. 

Durante oito sextas-feiras, 10 estudantes do Colégio Estadual Professora Maria de Lourdes Parada Franch, que fica no bairro de Pau da Lima, em Salvador, estarão reunidos para cozinhar, estudar e descobrir uma nova maneira de empreender. O projeto, que iniciou no dia 1° de junho, teve a sua terceira aula nessa sexta-feira (15).

Em um espaço que junta a sala de aula com a cozinha, Miriam Rodrigues, de 44 anos, escutava atenta os ensinamentos da professora de português Wilze Startari, sobre as regras gramaticais que aparecem na receita de massa fresca, que seria ensinada no dia. Naquele momento, além de aprender novas palavras e treinar a escrita, ela recebia mais uma dose de ânimo para buscar os seus sonhos.    Miriam fez massa fresca pela primeira vez, na aula do projeto (Foto: Paula Fróes/ CORREIO) Miriam retomou os estudos recentemente e está saindo do ensino fundamental 2 para o ensino médio. Para ela, a melhor parte da experiência é a autoestima elevada. “Minha autoestima melhorou mil por cento. Você sair de casa, vir em um curso desse e você conseguir perceber que tem muita coisa. Eu não vou parar só aí, vou querer fazer gastronomia mesmo. Vou meter as caras”, planeja a estudante.

O gosto pela cozinha não é recente, mas a leitura e, principalmente, a escrita, eram uma barreira. “Eu tenho muita dificuldade na escrita. Sempre quis anotar uma receita em casa, porque eu via de um jeito, mas na hora [de cozinhar] nunca saía igual. Então, se eu deixar tudo anotadinho, não vou errar mais. Eu aprendi que, escrevendo, além de fazer sempre certo, um filho, um neto ou qualquer outra pessoa vai poder seguir a minha receita”, conta Miriam.

A professora Wilze Startari, responsável pelas aulas de português do projeto, explica que aliar algo que alunos gostam ou querem muito, ao aprendizado, impulsiona a conquista do conhecimento.“As receitas facilitam o processo de leitura e escrita, porque é uma coisa que eles gostam e se inscreveram para estar aqui. Então, você alinha a vontade e a habilidade com a necessidade e vê que a coisa flui muito mais rápido”, destaca Wilze.O projeto Todo Mundo Pode Aprender é idealizado pela Minhoto Alimentos e foi levado para a escola pela especialista em arte-educação, professora e coordenadora pedagógica da instituição de ensino, Gabriele Ramos. Para participar, cada aluno do EJA precisou gravar um vídeo contando o porquê do seu interesse em fazer parte do curso. Dos 20 que se inscreveram, 10 foram selecionados. Todos contaram com a ajuda de Gabriele para gravar e enviar as candidaturas. 

“É um formato diferente para que eles possam acessar outros espaços, unindo as aulas à culinária. Para isso, tivemos um momento com os chefs. Por exemplo: massa artesanal. Como podemos trabalhar o conteúdo para além da prática? Falar da questão cultural, da colonização. Inserir tudo isso no plano de aulas para que eles possam entender por que estamos falando de massa artesanal na terra do dendê e a professora possa trazer para a parte escrita”, explica a pedagoga.

A parte prática fica por conta do chef de cozinha Jorge Moura e da jornalista gastronômica Tairine Ceuta. Para o tema sobre massa fresca, eles ensinaram todos os preparos para os alunos, incluindo dois tipos de molho: pesto e bolonhesa. Os aprendizes também tiveram a oportunidade de trabalhar com as máquinas manual e elétrica de macarrão.  Chefs ensinaram os alunos a preparar massa fresca com molho pesto e bolonhesa (Foto: Paula Fróes/ CORREIO) “Não tem preço vê-los evoluindo tanto, é isso que nos motiva a seguir com o projeto” diz o chef. “Eles chegaram tímidos e hoje já perguntam tudo, só estamos na terceira aula, mas a gratificação é enorme. A gente ensina e aprende rindo uns com os outros”, completa Tairine.

Antônia de Jesus Cesario, 51, vem de uma realidade em que apenas ela, dos cinco irmãos, aprendeu a ler “mesmo pouco”. Ela espera que essa oportunidade a ajude a abrir o próprio negócio. “A gente não pode deixar de sonhar. Tenho aprendido muito e espero conseguir aproveitar essa oportunidade”, almeja.

Já Helen Nascimento, 18, é a mais nova do grupo. Ela precisou abandonar a escola por dois anos para trabalhar e cuidar da avó. Agora que conseguiu conciliar as aulas com o trabalho, pretende usar o que aprender para cozinhar comidas saudáveis para a avó. “Ela tem restrição de muitos alimentos, vai ser bom poder fazer ela voltar a comer coisas gostosas e saudáveis", conta a estudante.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo