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Kátia Borges
Publicado em 19 de janeiro de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Joe Goldberg é praticamente um novato na galeria dos grandes psicopatas da ficção contemporânea, mas já virou lenda. Obcecado por encontrar o amor, o jovem livreiro da série You (Lifetime/Netflix) usa as redes sociais para obter informações privilegiadas sobre o universo de suas presas. E é a partir dos dados fornecidos cotidianamente pelos usuários que ele articula tanto gestos românticos quanto assassinatos.
“Os filmes estão errados, a tecnologia é nossa amiga”, pensa consigo, a certa altura, stalkeando simpaticamente mais uma namorada. Adaptação do romance de mesmo nome, escrito por Caroline Kepnes, a série dialoga com o espectador a partir da cultura pop e forja uma empatia incômoda com o serial killer, um cara sempre disposto a buscar redenção e a justificar, para si mesmo, cada um de seus crimes.
Essa incômoda empatia é construída pela narração em primeira pessoa, que conecta o espectador com um Joe Goldberg que só ele conhece, já que o protagonista de You é um cara que pensa cada palavra e movimento antes de dizer ou fazer. Tudo que, nele, é encenação para os personagens com os quais contracena, torna-se revelação para quem acompanha seus pensamentos. Acerto da adaptação, feita a quatro mãos.
Para qualquer autor iniciante, um elogio de Stephen King equivale a um prêmio literário. Foi assim que Caroline Kepnes começou a carreira em 2014. King não fez resenha ou cerimônia, simplesmente foi ao Twitter e deu a letra, em 140 caracteres, classificando a história de You como hipnótica e assustadora e comparando o estilo da moça com os de Ira Levin (O bebê de Rosemary) e Patricia Highsmith (O Talentoso Ripley).
Na real, You arrepia mesmo em sua profusão de referências – especialmente, literatura, música e cinema – na primeira temporada, quando os episódios se concentram em torno da história de Guinevere Beck, aspirante a escritora que sonha em fazer sucesso em Nova York. São tantas referências que falar sobre elas tem sido o passatempo favorito de nove entre dez fãs da série. Eu, por exemplo, anotei uma dezena delas.
Na fase seguinte, adaptação do segundo romance de Kepnes, Corpos Ocultos, a trama é ambientada em Los Angeles, para onde Joe Goldberg se muda em busca de reconstruir a vida e em fuga da ex-namorada morta-viva Candance. As referências a Raymond Chandler – criador do detetive Philip Marlowe – pontuam a história, que é bem mais horripilante, embora menos envolvente que a temporada anterior.
Em entrevistas, Caroline Kepnes e a roteirista Sera Gamble admitem que tanto o livro quanto o roteiro foram influenciados pelo movimento #MeToo e pela idealização do amor que move a indústria da mídia. O clima de Sessão da Tarde que antecede a fúria de Joe foi pensado propositadamente para funcionar como uma espécie de antessala romântica do inferno que muitas mulheres vivem em seus relacionamentos.
As próximas temporadas estão previstas para 2021 e não se sabe o que esperar delas, principalmente após as últimas reviravoltas da trama – que, a meu ver, enfraqueceram bastante o argumento original. O certo é que You já nasce um clássico, ao abordar os horrores da tecnologia e a combinação perigosa entre a idealização do amor romântico e a nossa vulnerabilidade nas redes sociais.