Quatro soldados são os responsáveis pelas agressões em abordagem na Liberdade

Eles aparecem em vídeo dando pauladas em sete homens e um adolescente

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  • Bruno Wendel

Publicado em 6 de março de 2020 às 16:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Gabriel Amorim/CORREIO

Quatro soldados da 37ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Liberdade) são apontados como os responsáveis pelas agressões a sete homens e um adolescente durante uma abordagem na noite de quarta-feira (4), no bairro da Liberdade, em Salvador. Eles foram presos após um vídeo com as cenas de truculência ser publicado nas redes sociais.

Os policiais foram encaminhados para a Coordenadoria de Custódia Provisória (CCP), no Complexo Penitenciário da Mata Escura, onde permanecem à disposição da justiça. “A PM-BA reitera que abusos policiais não serão tolerados por parte de qualquer integrante da corporação e todas as denúncias serão rigorosamente apuradas", afirmou a Corporação em nota enviada ao CORREIO. 

As agressões aconteceram na Rua Tupy Caldas, localidade do Estica. As imagens foram compartilhadas pelo deputado federal Igor Kannário (DEM), que criticou a atuação dos PMs na passagem de seu trio no Carnaval de Salvador. 

No vídeo de 29 segundos é possível ver homens já rendidos. Sentados e sem esboçar reação, os rapazes são chamados por um policial, que ordena que eles estendam a mão. Um dos policiais, então, usa um pedaço de madeira para bater com força na palma das mãos dos jovens.

O flagrante registrou a agressão de duas das oito pessoas que aparecem rendidas. É possível ainda ver um segundo policial ao fundo, que acompanha toda a abordagem. Sentados e de cabeça baixa, os rapazes se assustam a cada paulada proferida pelo policial. Um dos agredidos chega a gritar de dor e recebe nova paulada após se manifestar. É possível ainda ouvir os PMs dizendo frases como 'Cala a boca' e 'Vá se foder, maconheiro'. A corporação não informou o nome nem as funções dos militares presos. 

Procurado pelo CORREIO na manhã desta sexta-feira (6), o advogado dos policiais, Dinoemerson Nascimento disse que os PMs só falarão diante de um juiz. 

Racismo Recentemente outro caso de agressão policial veio à tona. Um adolescente de 16 anos foi vítima de murros nas costas e de insultos racistas por conta do penteado no estilo black power, no dia 2 de fevereiro, em Paripe, no Subúrbio Ferroviário.

A família comentou a conduta dos quatro soldados da 37ª CIPM e acredita que a truculência com jovens da periferia tem ligação direta com um racismo estrutural. 

“Isso tem que parar. Não é possível que a cada dia os casos só aumentam. Eu não me sinto e acredito que muitas pessoas não se sentem seguras com policiais desse tipo na tropa. São atitudes condenadas por todos, inclusive por outros policiais que não concordam com essa prática, pois que quem age com essa truculência, manchando a corporação é a minoria”, declarou um tio do adolescente ao CORREIO. 

O autor das agressões é um soldado da 19ª CIPM (Paripe) que está afastado das ruas. Há quase um mês o Ministério Público (MP) ouviu o adolescente e testemunhas – uma delas que havia sido ameaçada de morte por ter feito o vídeo. “Agora só faltam prestarem esclarecimentos ao MP os policiais envolvidos – o agressor e os outros dois PMs que acobertaram as agressões, pois nada fizeram para impedir o colega de espancar o rapaz”, declarou nesta sexta (06) o advogado da família do adolescente Basilino Gomes. 

Segundo Gomes, após os depoimentos dos policiais haverá o andamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), instaurado sempre quando há uma transgressão disciplinar de um policial durante o serviço, pode gerar uma pena de prisão ou demissão. 

Outros casos O CORREIO listou alguns casos de outros vídeos que flagraram ações truculentas em abordagens de PMs e solicitou ao comando a atualização de cada situação. Até fechamento desta edição, o Departamento de Comunicação Social (DCS) da PM não havia enviado resposta. 

No dia 7 de fevereiro, dois dias após o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Anselmo Brandão, classificar como “fato isolado” o vídeo do adolescente espancado em Paripe, um policial militar é flagrado chutando o rosto de um homem no Pelourinho – um outro PM acompanha tudo e nada faz. No mesmo dia, o DCS enviou nota informado que “o comando geral determinou a instauração imediata de um feito investigatório para esclarecer as circunstâncias do fato” e que “a corporação reitera que é inaceitável qualquer tipo de agressão praticada por policiais militares e todas as denúncias serão rigorosamente apuradas”. 

Em junho de junho de 2018 no Santo Antônio Além do Carmo, uma grávida e um rapaz espancados por PMs. Ela e outras dezenas de pessoas protestavam contra uma ação da PM durante a abordagem a um jovem, pego com um cigarro de maconha.

Em nota enviada ao CORREIO em fevereiro deste ano, o DCS informou que a “PM instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar a abordagem e ao ser concluído foi remetido ao Ministério Público. O MP solicitou diligências complementares em setembro de 2019, que envolveu a escuta de testemunhas e envio de imagens para perícia. Os autos foram remetidos ao MP em novembro do ano passado e a corporação aguarda a decisão”. 

Já em outubro de 2017, moradores do Bonfim levaram tapas e chutes numa abordagem na Travessa Álvares de Azevêdo, uma transversal da Rua do Céu. “Os policiais militares responderam processo e foram afastados da área, um deles cumpriu detenção e outros dois receberam advertência”, respondeu também no mês passado a PM.  

IPM  Policiais civis, militares e guardas municipais têm o dever de cuidar da segurança social. No entanto, esses profissionais podem vir a cometer abusos na atividade. Para ajudar a orientar as pessoas quanto a abordagens policiais, a Defensoria Pública da Bahia criou uma cartilha sobre o assunto.

A partir de uma denúncia, é instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM), medida adotada pela corporação para investigar a prática de um possível crime militar – quando a ação é desenvolvida supostamente durante o serviço. O prazo de apuração é de 40 dias, prorrogado por mais 20 dias, conforme o artigo 20 do Processo Penal Militar – esse processo se aplica para se o investigado estiver solto. Se estiver preso, prazo é somente 40 dias.  

Depois de concluído, o IPM é enviado para o Judiciário, que posteriormente remete para o MP, que por sua vez, analisa o IPM e oferece ou não a denúncia.  Se ficar constatado que não foi um crime militar, e sim crime doloso contra a vida, o policial passa a responder um processo criminal, que vai para justiça comum, ou seja, o Tribunal do Júri. No caso da denúncia, se um crime militar, o processo vai para a Vara de Auditoria Militar.