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Clara Albuquerque
Publicado em 11 de dezembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
No Brasil, existe um tabu futebolístico, digamos assim, que estabelece que é praticamente impossível, inconcebível e até mesmo pecado questionar ou igualar Pelé com algum outro jogador. Dizer que “fulaninho” é maior ou melhor que Pelé, então, é pra declarar insanidade do sujeito. Por tudo o que fez e representou, na sua época, o ex-jogador do Santos é o topo de uma categoria que afirmamos sem medo: ninguém nunca vai alcançar. Na Europa, no entanto, não é bem assim. >
No passado, depois da aposentadoria do tricampeão mundial, outros jogadores, até mesmo brasileiros, já foram comparados ao Rei. Johan Cruyff, Zico, Maradona... Nenhum deles, no entanto, chegou perto de ameaçar o trono de Pelé para os torcedores brasileiros e também para a maioria dos amantes do futebol pelo mundo. Mesmo que em certos cantinhos do planeta, o brasileiro de Três Corações tenha ficado pra trás.>
Em Nápoles, por exemplo, é uma missão quase impossível encontrar alguém que diga que Pelé é maior do que Maradona. O argentino é um Deus por lá. Não é preciso procurar referências. Os taxistas têm foto dele no painel do carro, a torcida ainda canta o nome dele no estádio, e a cidade é repleta de camisas, pôsteres, pinturas, bonecos e tudo mais que você possa imaginar do jogador que levou o clube da cidade ao seu auge. Acredite, a sensação é que Maradona ainda está jogando por lá e acaba de conquistar um título. Mas esse é um caso de liberdade poética que podemos permitir aos napolitanos.>
É um caso bem diferente do que acontece com Messi por aqui. Vira e mexe, essa questão é levantada e, nesta semana, ela veio à tona por conta de uma entrevista de Pelé à Folha de S.Paulo. As declarações do brasileiro repercutiram em toda a imprensa europeia, em especial, a parte em que ele diz que não há comparação com um jogador que só tem uma habilidade, no caso, Messi, e que Maradona foi melhor que o craque da Barcelona. Não pegou nada bem.>
Para começar, é muito mais fácil pra um torcedor europeu baixar a guarda quando fala de Pelé do que para um brasileiro. A nova geração, então, tem zero cerimônia... Sem essa barreira “sentimental”, no lugar onde se joga o melhor futebol do mundo e num contexto onde o Barcelona está a um click na palma das mãos, Messi não só pode ser igualado como é maior que Pelé pra muita gente, e existem números e argumentos a favor dessa opinião. São mundos, aquele de Pelé e esse atual do argentino, completamente diferentes, mas que dentro de campo, podem, sim, ser comparados.>
Mas, aí é que está a questão: dentro de campo. Quando ampliamos o contexto para fora das quatro linhas, é preciso ter mais cuidado com a comparação. Esqueça o tira-teima de títulos e gols marcados, Pelé “viralizou” quando a maioria das pessoas não tinha sequer acesso à televisão. Era outra história. E, nesse mundo, Pelé fez um país ser reconhecido e ganhar uma personalidade que até hoje é reconhecida. Sem YouTube, sem Twitter, sem WhatsApp, ele era a personalidade que o mundo inteiro queria ver. Por isso, com a bola nos pés, não fiquem chateados quando fazem a comparação entre Messi e Pelé. Mas se a discussão for além disso, aí, amigos, podem encomendar a camisa de força.>
Clara Albuquerque é jornalista e correspondente na Europa>