Quem incomoda? Bahia é sétimo estado com mais reclamações sobre telemarketing

Saiba se proteger das chamadas indesejáveis

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  • Fernanda Santana

Publicado em 26 de junho de 2019 às 05:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Kaliandra foi acordada às duas da madrugada. Seu Ruy sequer atende o telefone fixo e, no celular, só aceita chamadas de conhecidos. Tânia e Ana Paula fogem de ligações interurbanas. Todos eles têm uma história para contar quando o assunto é ligação indesejada, às vezes abusiva, de telemarketing. 

Até maio deste ano, quatro reclamações, por dia, contra esse tipo de chamada foram registradas na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Com mais de mil reclamações registradas em 2018 e quase 650 nos cinco primeiros meses de 2019, a Bahia é o sétimo estado mais queixoso no ranking nacional. Então, sabe aquela ligação suspeita no seu celular? Você não está sozinho.

O número de reclamações de janeiro a maio deste ano - quase 14 mil - já superou a média do mesmo período do ano passado, quando foi registrado um pico nas reclamações na Bahia e no Brasil. 

As chamadas inconvenientes não têm horário nem dia para acontecer. Também ocorre de não existir ninguém do outro lado da linha ou, depois da negativa do ouvinte em aceitar o serviço, a insistência continuar. 

De acordo com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), 65% dos entrevistados em uma pesquisa da entidade disseram receber até 10 ligações semanais do tipo ‘inconveniente’. Dos responsáveis pelas chamadas, diz a Anatel, mais de 30% são de empresas de telecomunicação para vender planos de internet ou telefonia. 

Foi o que aconteceu com Kaliandra Santos, 31, há um mês. Eram duas horas quando o telefone tocou. No visor, um número de São Paulo. Na linha, um robô emendava uma mensagem sem sentido.  “Toda hora eles me ligam. Explico que sofri um acidente há um mês, que não estou podendo falar”, conta.

O DDD mais odiado da nação

O DDD paulista nunca foi tão odiado. É de lá que saem a maioria das ligações, embora não haja estatística oficial. Difícil para a analista de conteúdo Brenda Matos é diferenciar quando atende ou não à ligação. Depois de se mudar de Salvador para São Paulo, ela não pode usar o DDD como balizador. O risco é confundir um amigo com um robô."É bom porque o prédio da operadora que me liga é logo aqui na frente (do local onde ela trabalha em SP). Todo mundo (do escritório) fica dizendo que eu tenho que bater lá e dizer que eu não tenho interesse", brinca. Após tantas insistências, Ruy Estevan, 61, decidiu que não atenderia mais o telefone fixo. No celular, só aceita chamada de conhecido. “Se não for 71 (DDD de Salvador), eu nem atendo. O fixo, eu peço para minha esposa atender. O pessoal é insistente e eu dou logo a negativa”, diz. Tânia Valente e a sobrinha Paula não atendem chamadas do DDD 14, do interior de SP (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) ‘Não perturbe’

No dia 13 de junho, a Anatel decidiu implantar uma medida para evitar tantas reclamações. As oito principais empresas do setor terão 30 dias para criar uma lista nacional e única de consumidores que não querem receber chamadas de telemarketing (leia mais abaixo sobre o assunto). O cliente poderá se cadastrar no site ou no número oferecido pela empresa. “Onde eu assino isso?”, brinca Ruy Estevan. 

As quatro maiores companhias telefônicas foram contatadas pela reportagem para comentar a situação, mas não responderam até o fechamento desta matéria. O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telemarketing e Terceirizadas de Teleatendimento também disse que se posicionaria pelas empresas, mas igualmente não deu retorno. 

Como se proteger?

Os robôs estão por todos os lados. São eles que ligam o tempo inteiro. A Anatel também estuda a regulamentação do uso dessas ferramentas. Mas, Alexandre Azzoni, sócio-fundador da Callflex, uma desenvolvedora de soluções com inteligência artificial e cognitiva, lembra que por detrás dos robôs estão os humanos. São eles que decidem as estratégias. "A cada chamada em que o robô recebe a informação que se trata de um engano, ele faz o registro em um banco de dados. Porém, se no dia seguinte o agente humano determinar que o robô ligue para esse mesmo número, ele executará a ação. Ou seja, a falha está no planejamento humano e não na tecnologia", explica Azzoni.É possível denunciar abusos à Anatel pelo número 1331 e também à Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). Somente em 2019, o órgão contabilizou 4,3 mil reclamações relacionadas a empresas de telefonia, o que corresponde a 14% do total de 29,2 mil queixas registradas no órgão até o momento, segundo levantamento realizado a pedido do CORREIO. O número, geralmente, diz respeito a reclamações sobre cobranças indevidas. Mas, o incômodo com as chamadas indesejadas já começa a chamar atenção do órgão.

O que define uma ligação abusiva é determinado pelo consumidor, diz Iratan Vilas Boas, diretor de fiscalização do Procon. Somente ele pode saber o que o incomoda ou não. No entanto, há parâmetros.

“O que a gente entende que está dentro do que é abusivo fora de horários não comerciais, aquelas ofertas que o consumidor já se mostrou contra”, explica Iratan, que lembra ainda que a queixa no órgão de defesa do consumidor independe da criação da lista do ‘Não perturbe’ proposta para a Anatel.

O consumidor também pode abrir uma reclamação formal no SAC da operadora antes de procurar o Procon. Caso persista, a queixa pode ser formalizada na sede do órgão (em Salvador fica no Dois de Julho). É aconselhável recolher todas as provas, tirar prints da tela quando o número insistir mesmo após a reclamação e gravar as ligações. A perturbação pode se tornar até questão de justiça. O tempo que o consumidor gasta para reclamar das empresas é indenizável, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

A estudante Kaliandra, por exemplo, já recolheu todas as provas. A maioria das pessoas, no entanto, permanece no silêncio e elabora suas próprias teorias. 

A aposentada Tânia Valente, 65, e a sobrinha, Paula, 52, por exemplo, recebem ligações constantes e nunca reclamaram oficialmente. Na noite de São João, Tânia pensou que teria um sossego. Que nada! Lá estava o chamador paulista. "Eu comecei a não atender, principalmente quando é DDD 14 (interior de SP)”, conta.

A reportagem questiona o motivo e as duas dizem imediatamente: "Dizem que é do presídio". Por via das dúvidas, entre o risco de contratar um plano de telefone novo ou cair num golpe, elas acham melhor evitar atender.

A especialista em Marketing de Relacionamento Thais Farias acredita que os serviços de telemarketing precisam pegar o caminho da humanização para evitar tanto desgaste com o consumidor.

“Acredito que precisa personalizar e deixar mais humanizado. Inteligência de dados é algo que precisa existir. Tudo avança, menos alguns telemarketings. Eu, por exemplo, quando toca São Paulo, já desligo”, diz. 

O telemarketing, ao que tudo indica, sobreviverá. Mas de uma nova maneira. De preferência, com robôs que pelo menos entendam o significado da palavra "não". Ruy Estevan não atende mais seu telefone fixo e quer ser o primeiro a assinar a lista de 'Não Perturbe' da Anatel (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Robôs no lugar do contato humano

O telemarketing faz parte da história do comércio desde 1880, quando, em Berlim (Alemanha), os primeiros produtos começaram a ser oferecidos por telefone. Há uma versão também de que o serviço teve origem na ideia de Henry Ford de contratar 15 mil donas de casa para vender carros por telefone, nos Estados Unidos. A prática ganharia dimensões globais com a ideia de personalizar o atendimento. Mas com a robotização das ligações e outras formas de comercialização, o telemarketing tradicional é empurrado para a sombra. Na Bahia, são 30 mil operadores, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações.

Da maneira que o telemarketing está organizado hoje, com cada vez mais robôs no atendimento e ligações insistentes, a relação entre consumidor e marca está insuportável, avalia quem entende do tema. Luana Trindade, especialista em Marketing Digital, diz que o canal de telemarketing é importante, “mas precisa ser repensado. Se a empresa não se importa com a experiência do cliente é um tiro no pé. Essa questão da robotização, eu discordo. É preciso ter pessoas”.

O presidente do sindicato, Marcos Pires, questiona e, logo em seguida, dá a resposta: “Por que as ligações ocorrem sem controle? Não é culpa dos teleatendentes, o problema é que as empresas usam os serviços de tecnologia, os robôs que ligam indiscriminadamente”.

A organização não tem um levantamento específico, mas estima que o uso de robôs, mais comum a partir de 2018, já causou desligamentos. “Já tivemos diversas discussões sobre a questão dos robôs”, acrescenta Pires.

Operadoras terão de criar lista bloqueada

No último dia 13, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou um prazo de 30 dias para que as empresas de telecomunicação implementem uma lista nacional de consumidores que não querem receber chamadas de telemarketing para oferecer serviços de telefonia, TV por assinatura e/ou internet.

A lista de telefones bloqueados vai ser única e atingirá as principais empresas do setor: Algar, Claro/Net, Nextel, Oi, Sercomtel, Sky, TIM e Vivo. Essas empresas também deverão, dentro desse prazo, criar e divulgar amplamente um canal que o consumidor use para manifestar o seu desejo de não receber ligações com ofertas de serviço.

Outra decisão da Anatel é que as empresas não poderão mais efetuar chamadas telefônicas para oferecer seus pacotes ou serviços para os consumidores que registrarem seus números na lista nacional.

Em março deste ano, as empresas já haviam se comprometido com a Anatel a implementar um código de conduta e mecanismos de autorregulação das práticas de telemarketing. O mês de setembro é o prazo final para colocar em prática todas as  medidas acordadas.“A lista de ‘Não Perturbe’ foi um dos mecanismos apresentados pelas teles à Anatel e, durante o processo de acompanhamento do compromisso assumido por elas, a agência entendeu que era necessário garantir, desde já, a implementação dessa ferramenta de bloqueio, sem prejuízo das outras ações apresentadas pelas empresas”, informou a Anatel, em nota. A agência determinou ainda que as áreas técnicas estudem medidas para combater os incômodos gerados por ligações mudas e realizadas por robôs, mesmo as que tenham por objetivo vender serviços de empresas de setores não regulados pela Anatel. Segundo o órgão, estudos de mercado estimam que pelo menos um terço das ligações indesejadas no Brasil tem o objetivo de vender serviços.

Saiba se livrar das ligações indesejadas:1. A ligação é insistente? Bloqueia! Os celulares oferecem a opção de bloquear aqueles números os quais o dono da linha não deseja receber chamadas. Geralmente, essa opção é oferecida quando se abre as informações do contato e ao clicar na alternativa  denunciar spam e/ou bloquear número de contato.

2. Reclamar na Anatel é importante Ligue para o número 1331 e informe ao atendente da agência reguladora que você deseja abrir uma reclamação contra determinado serviço, explicando tudo o que aconteceu e suas tentativas de negociar o fim das ligações com a própria operadora.

3. Não tenha medo de dizer não A operadora está insistindo nas chamadas e na oferta de serviços que você não quer contratar? Diga com firmeza que não deseja o serviço, não quer mais receber as chamadas e avise que você vai denunciar o serviço na Anatel e no Procon pela insistência. Guarde todos os protocolos da conversa com o operador.*Com orientações da chefe de reportagem Perla Ribeiro