Quem tem medo de robô? Saiba como robótica e programação empoderam pessoas

Revolução digital estará em foco no seminário Humanize[se]

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  • Andreia Santana

Publicado em 1 de novembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Lima

Lorenna Villas Boas ainda estava no Ensino Fundamental quando criou seu primeiro projeto com fundamentos de robótica. Moradora de Candeias, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), a jovem de 20 anos é uma ativista digital que se aproximou da tecnologia a partir de um incômodo pessoal. 

Quando era pequena, Lorenna, que mora próximo à BR-324, gostava de brincar na rua, mas como sua casa fica às margens da rodovia, a brincadeira era perigosa. Foi então que ela e outros colegas de turma criaram o projeto de uma ponte levadiça, usando peças de LEGO e conhecimentos de robótica ensinados na escola onde estudava, que integrava a rede SESI.

“Na escola, quando eu ainda era bem pequena e conheci a robótica, o ensino dessa habilidade era atrelado a outras disciplinas como geografia, matemática e português. Quando eu estava um pouco maior, com uns oito anos, aconteceu um torneio e o professor nos disse para pensar coisas que melhorassem a nossa cidade”, conta Lorenna.

E foi assim que ela e os colegas pensaram no modelo de ponte que, nos horários de pico, seria suspensa por engrenagens para a passagem dos veículos, permitindo às crianças brincar em segurança, na parte de baixo.

O projeto de Lorenna e dos colegas foi um dos destaques do torneio, mas o ganho para a vida dela foi maior do que os elogios pela criatividade da ideia:

“A partir dessa experiência, passei a olhar a tecnologia com outros olhos e não parei mais de me envolver nessa área”, acrescenta a ativista, que representou a Bahia no G(irls)20 Summit 2017, evento focado em colocar as mulheres no centro das tomadas de decisão globais e reuniu meninas de 18 a 23 anos, de diversos países, para discutir pela perspectiva feminina, a mesma agenda dos líderes do G20 - grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Lorenna Villas Boas, embaixadora do I am the code Técnica em Automação Industrial pelo IFBA (Instituto Federal da Bahia) – ela passou na seleção do curso aos 13 anos – Lorenna Villas Boas foi uma das criadoras de um laboratório de robótica no instituto e é ainda embaixadora do I am the code (Eu sou o código, na tradução do inglês), programa criado pela senegalesa Mariémme Jamme para formar as líderes digitais do futuro.

I am the code é uma iniciativa reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) que está presente em 93 cidades de 42 países e é exemplo mundial de inclusão digital de meninas, principalmente daquelas em vulnerabilidade sócio-econômica.

Lorenna viaja o Brasil ajudando a divulgar o programa e participando, como facilitadora, dos hackathons que servem como abre-alas para a chegada do programa em cidades como Recife (PE) e São Paulo (SP).

A jovem está otimista quanto à vinda do I am the code para Salvador e já batalha para criar um mutirão que possibilite trazer o hackathon para a cidade. 

Empoderamento 

Assim como fez com a vida de Lorenna, a robótica e a programação têm potencial para mudar o futuro das meninas e mulheres, geralmente preteridas quanto o assunto é habilidade em tecnologia.

Segundo Lorenna, que junto com a equipe do IFBA promove oficinas de robótica e programação em comunidades de Salvador e RMS - este ano aconteceu uma dessas oficinas no Bairro da Paz -, a aproximação das meninas com a robótica se dá em um contexto em que elas olham para as ferramentas digitais e enxergam um sentido prático para o seu dia a dia, buscando soluções para problemas dos locais onde moram, por exemplo. Mariémme Jamme, criadora do I am the code “No começo, eu pensava em ensinar a construir carrinhos de controle remoto e as meninas abandonavam o curso, porque ainda existe a ideia de que carrinho não é coisa de menina. Então, passamos a trabalhar com a criação de coisas que elas queriam fazer e tinham relação com o cotidiano delas. Na oficina no Bairro da Paz, por exemplo, surgiu desde produtos para automatização da casa, até portões automáticos e lixeiras que corriam atrás das pessoas para as incentivarem a descartar o lixo da forma correta”, enumera Lorenna.

Com o I am the code, a ativista diz que aprendeu a não impor o que as alunas devem fazer nas oficinas de robótica, mas a construir o processo de aprendizado junto com a comunidade. Além disso, o programa faz mais do que apenas ensinar a programar, pois trabalha com os ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, focando na realidade das meninas a partir das 17 ODS, que abordam desde questões ambientais até saúde, passando por educação, igualdade de gênero, energias limpas, mercado de trabalho e inovação.

CONHEÇA A HISTÓRIA DE MARIÉMME JAMME 

“No hackathon de São Paulo havia meninas que sequer sabiam que a Amazônia ficava no Brasil. Então é mais do que trabalhar com programação. Na verdade elas têm um primeiro contato usando o computador do I am the code e um programa que permite desenhar usando códigos de programação. Os hackathons são um primeiro contato, duram um final de semana e constroem as bases para a implantação dos clubes digitais. A gente sempre fala do impacto que aquele aprendizado terá na vida delas, usando a própria Mariémme como exemplo”, detalha a embaixadora baiana. Sil Bahia, criadora do PretaLAb INSCREVA-SE NO SEMINÁRIO HUMANIZE[SE]

Mulheres negras na revolução digital

Uma das palestrantes do painel Tecnologia, Impacto Social e Diversidade, que vai ocorrer no Seminário Humanize[se], último evento do Fórum Agenda Bahia 2018, em 7 de novembro, no Hotel & Suítes São Salvador (Stiep), a jornalista e também ativista digital Sil Bahia, afirma que o acesso aos recursos da Revolução 4.0 é uma questão também de ascensão às esferas de poder.

Idealizadora do PretaLab, programa que visa ampliar a representatividade de mulheres negras e indígenas na ciência e tecnologia, Sil (de Silvana)  também vai participar do debate 'Humanize[se]: Como homem e máquina podem andar juntos nessa nova era tecnológica?'. No palco do seminário do Fórum Agenda Bahia 2018, estarão além dela, o designer americano Frank Tyneski e o embaixador da Singularity University, Conrado Schlochauer, moderados pela colunista da GloboNews Flávia Oliveira

Sil Bahia aprendeu a programar em 2014 e, em 2015, foi trabalhar no Olabi Makerspace, organização que se dedica à apropriação de novas tecnologias e nos seus usos para promover impacto social. A partir daí, encontrou o que buscava no universo da tecnologia: um olhar mais diverso.

Única mulher negra nos eventos de inovação dos quais participava pelo Olabi, ela se incomodava – e ainda sente esse incômodo – pela ausência de negras no universo digital. Foi aí que aumentou sua militância para promover a diversidade nesse setor, que além de historicamente excluir mulheres, dificulta ainda mais o acesso às negras."A tecnologia não é neutra. Ela é desenvolvida a partir da visão de mundo de quem cria essa tecnologia. Então, é preciso incentivar a diversidade de atores, para que essas visões sejam as mais plurais possíveis" (Sil Bahia)Mais que um projeto, uma causa

Em 2017, nasceu o PretaLab, que Sil Bahia define como “uma causa mais do que um projeto”. Inicialmente, a iniciativa cumpriu dois objetivos: o primeiro foi fazer um mapeamento informal – a partir do networking dos fundadores – sobre a inserção das negras no universo digital e da inovação, sem restringir a busca às áreas de TI (Tecnologia da Informação), Matemática ou Engenharia; e, em segundo lugar produzir vídeos com as mulheres que tinham trabalhos reconhecidos, para assim inspirar meninas a abraçar a revolução digital. 

“Outro objetivo, a partir do momento que demos visibilidade à situação nesse ramo é o de incentivar políticas públicas e a inclusão das negras nos cursos e programas”, acrescenta.

Este ano, o PretaLab lançou seu novo site e publicou os dados de um levantamento que mostra a real necessidade da inclusão. O levantamento mostra, por exemplo, que 16% dos formandos em cursos de TI são mulheres, mas segundo Sil Bahia, o problema vai além da questão de gênero. As perguntas feitas pela equipe são: que mulheres são essas que se formam em TI? De que classes sociais? Onde estão as negras nesse total de formandas?

LEIA O MAPEAMENTO DO PRETALAB Anderson Paulo da Silva, coordenador no Nave Recife Sem medo de robótica e programação

Desmistificar a robótica e os fundamentos de programação necessários para se criar, por exemplo, aplicativos que facilitam a rotina, é uma ação indireta de quem trabalha em prol da inclusão digital, como Sil Bahia, Lorenna Villas Boas ou o professor Anderson Paulo da Silva, coordenador do curso de Programação de Jogos Digitais do Nave (Núcleo Avançado em Educação), do Intituto Oi Futuro.

O Nave foi criado em 2006 pelo Oi Futuro, o instituto de incentivo à inovação e criatividade da Oi, e de lá para cá já formou mais de dois mil jovens. Anderson Paulo é coordenador na unidade de Recife. Também existe Nave no Rio de Janeiro. O objetivo do núcleo, que funciona em parceria com as secretarias de Educação em PE e RJ, é desenvolver metodologias educacionais e formar jovens nas áreas de inovação e tecnologias digitais, demandas que segundo o professor Anderson, são cada vez mais presentes. 

No Nave, os jovens são preparados para profissões ligadas às indústrias digitais e criativas, como produção de games, aplicativos e audiovisual. Mas não é só isso. De acordo com Anderson Paulo, a robótica e a programação também trazem ganhos em outras áreas. "Robótica estimula a capacidade de pensar de forma mais apurada, ordenada e com mais discernimento”, cita. Nave - Oi Futuro, em Recife (PE) Da Nasa para o dia a dia

Mas, abolir totalmente a ideia que o senso comum faz de que programação e robótica são coisa do MIT (Massachusetts Institute of Technology) ou da Nasa, ambos nos Estados Unidos, ainda depende, segundo Lorenna, de uma aproximação das tecnologias digitais com a realidade das pessoas comuns.“A vantagem agora é a facilidade de acesso às plataformas. Hoje é muito mais simples do que tudo o que foi feito para levar o homem à lua" (Anderson Paulo da Silva)Lorena completa: “É preciso mostrar que a robótica, a programação e outras tecnologias nessa era da revolução digital estão nos aparelhos de raio-x, nos equipamentos de tomografia ou nos exames de sangue mais precisos, só para citar alguns exemplos da área de saúde”, enumera.

A robótica e a programação também podem ser aplicadas nas coisas mais simples do cotidiano, como automatizar as luzes da casa ou desenvolver um sistema de alarme antirroubos. 

Criar esses dispositivos não é um bicho de sete-cabeças, afirma o professor Anderson Paulo, que vai ministrar a oficina ‘Nave: Programação e robótica como solução para as cidades’, no Seminário Humanize[se]. As inscrições  para essa atividade podem ser feitas até dia 05, no site agendabahiacorreio.com.br/humanizese.

Na oficina, ele vai mostrar como a programação e a robótica atuam juntas no cotidiano, facilitando a vida das pessoas e até o planejamento das cidades, como os sistemas de LED que automatizam o uso da energia elétrica e podem ser adotados na iluminação pública.

Os participantes também vão praticar alguns exercícios básicos de programação e Arduíno, plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre, de fácil acesso, barata e acessível a projetistas amadores.

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Programar é só a ponta do iceberg

Para Sil Bahia, não basta aprender a programar ou construir robôs se a tecnologia não for olhada de forma crítica. E nesse sentido, a robótica ajuda justamente porque possibilita que quem aprende seus fundamentos, aplique os conhecimentos e o raciocínio lógico requeridos em outras áreas do conhecimento. “É preciso um olhar mais amplo, que vá além de formar mão de obra para o Google. Com programação é a mesma coisa, mesmo que a pessoa não vá trabalhar com desenvolvimento, ao conhecer como isso funciona, ela sabe demandar e adquire senso crítico. No caso da robótica, mais do que saber criar coisas é preciso focar nas pessoas. A tecnologia só transforma quando se olha para as pessoas, porque ela sozinha, por mais incrível que seja, se não for usada direito, pode inclusive acirrar as desigualdades (Sil Bahia)Lorenna Villas Boas concorda com a formação de um senso crítico no uso da tecnologia. Perguntada sobre o que diria para mães e pais sobre a importância dos filhos e filhas aprenderem robótica ou programação, já que ela começou nessas áreas ainda criança; ou mesmo para um adulto que queira seguir agora esse caminho, ela diz:

“É preciso entender que o mundo está mudando muito mais rápido do que estávamos acostumados. Há quatro anos, quando tinha 16 e acompanhei uma eleição pela primeira vez, toda a informação dos eleitores se dava pela TV. Este ano, os meios digitais é que ditaram o ritmo das campanhas, por exemplo”.

Anderson Paulo ainda acrescenta que além de discernimento e da formação de uma consciência mais crítica, a criatividade é incentivada a partir desse letramento digital. Seja em casa ou no trabalho, quem desenvolve o raciocínio lógico requerido pela robótica e pela programação se torna versátil e capaz de adaptar-se às mudanças, encontrando soluções para problemas complexos. “O que a gente chama de futuro já é o presente”, lembra.

Trocando em miúdos, o que as duas ativistas digitais e o professor estão apontado é que vale a pena aprender as novas linguagens para não ser mero espectador passivo da revolução digital. A tecnologia é maravilhosa, mas o criador, aquele que entende dos códigos, é quem domina. Então, ou a gente programa ou é programado (Lorenna Villas Boas)O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do jornal CORREIO, com patrocínio da Braskem, Sotero Ambiental e Oi, apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; e apoio do Sebrae e da VINCI Airports. Aula de robótica em unidade da Nave - Oi Futuro Sete motivos para aprender robótica e programação

*Raciocínio Lógico - A linguagem de programação ajuda na estruturação do pensamento. Em crianças e adolescentes auxilia ainda no desenvolvimento do lado esquerdo do cérebro, responsável pelo raciocínio lógico, analítico e crítico

*Organização - Aprender programação aumenta a capacidade de organização, planejamento de tarefas e atividades; além da estruturação de projetos, algo útil, por exemplo, para empreendedores. Também incentiva o espírito colaborativo, que ditará as relações de trabalho e produção daqui para a frente.

*Escrita fluída - Programação e robótica influenciam na organização de ideias e pensamentos, o que favorece a escrita fluída e coordenada. Na escola, permite aos estudantes um ganho de aproveitamento até mesmo em disciplinas de ciências humanas

*Desenrola a língua - Programação e robótica são ainda boas ferramentas para facilitar o domínio e a fluência em inglês. O aprendizado das duas linguagem ainda pode turbinar as notas em Física e Matemática

*Incrementa a carreira – Além da vantagem direta para o currículo, desenvolver a habilidade para programar ajuda na descoberta de aptidões e também favorece o engajamento e entusiasmo dos profissionais

*Estimula a criatividade - Programar ou projetar games incentiva a análise, planejamento, criação e execução de projetos. Como as soluções precisam ser pensadas na hora, a depender da demanda, há um ganho em criatividade.

*Resiliência e assertividade – Na era das máquinas, uma comunicação eficiente exige o cumprimento de padrões lógicos. Se uma sequência de códigos não é desenvolvida corretamente, o projeto não responde de acordo com o esperado. Então, quanto mais habilidade para programar, mais traquejo para resolver desafios e problemas.

*Fonte: Happy Code, escola que é referência global no ensino das chamadas STEM – Ciências (Science), Tecnologia (Technology), Engenharia (Engineering) e Matemática (Math) –, com unidades no Brasil, Portugal, Espanha e EUA

VEJA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA DO SEMINÁRIO HUMANIZE[SE]

INSCRIÇÕES GRATUITAS

O quê - Seminário Humanize[se] / Evento de encerramento do Fórum Agenda Bahia 2018Quando -  07/11, 8h às 17h30Onde - Quality Hotel & Suítes São Salvador (Rua Dr. José Peroba, 244 – Stiep)Como participar - Os formulários de inscrição podem ser acessados no site agendabahiacorreio.com.br/humanizese.

*Vagas limitadas à lotação dos espaços.