'Quem vai cuidar da criança agora?', diz vizinha de vítima de chacina em Portão

Mãe e esposa de Arthur desmaiaram durante enterro, nesta quarta (22)

Publicado em 22 de maio de 2019 às 17:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Júlia Vigné/CORREIO

O Cemitério Municipal de Portão, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador, ficou lotado na tarde desta quarta-feira (22), durante o enterro do pintor Arthur Silva de Jesus Moreira, 23. Ele é uma das vítimas do crime que ficou conhecido como Chacina de Portão, que ocorreu no sábado (18).

Arthur foi a sexta e última vítima a ser enterrada. Ele chegou a ficar dois dias internado no Hospital do Subúrbio, mas a morte cerebral foi confirmada na segunda-feira (20). O jovem foi atingido com um tiro na cabeça quando estava na porta de casa, com o filho de quatro meses nos braços. A criança não sofreu ferimentos.

Em clima de comoção e com pedidos de justiça, familiares, amigos e vizinhos foram ao cemitério para o sepultamento de Arthur, que contou com uma cerimônia na capela do local. Mais de 40 pessoas tiveram que acompanhar o enterro de fora do cemitério. Dentre eles estavam parentes de outras vítimas da chacina, como o marido e o filho de Raimunda Jesus dos Santos, 35, que não quiseram dar entrevistas.

Familiares mais próximos de Arthur foram ao local vestidos com blusas em homenagem ao pintor, com dizeres "Nosso herói estará em nossos corações". Muito emocionadas, a mãe e a esposa de Arthur chegaram a desmaiar durante o enterro e também não quiseram falar com a imprensa."Ele era pai de família. A mãe dele cuidava bem dele, ele era trabalhador. Morreu tentando salvar o filhinho, que Deus teve misericórdia de não levar junto. Ele deixou a esposa sozinha. Quem vai cuidar dela e da criança agora? A mãe que vai ter que dar suporte", lamentou a vizinha Lorete de Barros, 43.Durante o enterro, muitos cânticos cristãos foram entoados pelos presentes, que aplaudiram a todo o momento. Muitas pessoas passaram mal e pelo menos uma outra pessoa desmaiou e precisou ser levada para uma casa próxima, que prestou auxílio.  Amigos, vizinhos e familiares prestaram solidariedade (Foto: Júlia Vigné/CORREIO) Medo e rotina abalada Abalados com o crime, vizinhos, que preferiram não se identificar, criticaram o policiamento e segurança pública de Portão. "Tinha umas 9, 10 pessoas lá na frente. Poderia ter morrido muito mais gente. O carro preto chegou atirando. Correu muita gente, a sorte foi essa. Ali é rua de família", disse um deles.

Um outro vizinho lembrou que era um hábito das vítimas se reunirem em frente à casa onde ocorreu o crime."Eles sentavam ali para tomar café e continuavam na frente de casa. Eles vão até tirar do lugar o banco que ficava ali, porque faz lembrar de toda essa tragédia. Esse costume acabou", lamentou.Na chacina, morreram Guilherme Gomes da Silva, 19, a adolescente Raiane Freitas, 12, Raimunda Jesus dos Santos, 35, Rogério Oliveira da Silva, 36, e Pablo dos Santos, 15. Os três primeiros eram da mesma família e os demais vizinhos.

Guilherme e Raiane foram surpreendidos pelos tiros quando estavam na porta de casa; os corpos deles foram sepultados no Cemitério de Portão. Raimunda foi sepultada em Esplanada, cidade no Nordeste da Bahia. O corpo de Rogério foi encaminhado para Piauí. Já Pablo foi sepultado na terça-feira (21), no cemitério de Portão, onde Arthur também foi enterrado.

Nenhuma das vítimas tinha entradas em delegacias, de acordo com informações da polícia. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que as mortes foram motivadas por disputa de duas facções criminosas que atuam na região.

Órgãos A família de Arthur decidiu doar os órgãos do jovem logo após a confirmação da morte por morte cerebral. No total, nove pessoas foram beneficiadas com as doações. Foram doados o fígado, os dois rins, as duas córneas e as quatro válvulas do coração.

Segundo a coordenadora do Sistema de Transplantes da Bahia, Rita Pedrosa, cinco pacientes baianos que aguardavam na fila foram beneficiados. "As quatro válvulas do coração foram para o banco de Curitiba. O gesto dessa família foi muito importante, porque ajudou outras famílias a trocarem a certidão de óbito de seus familiares pela de nascimento. Esse jovem teve um ato tão nobre em proteger o filho e eles honraram isso doando os órgãos e ajudando mais pessoas", afirmou.

Confira quem foram as vítimas da Chacina de Portão:

Guilherme Gomes da Silva, 19 anos – Trabalhava com o sogro em uma oficina de carros, mas, recentemente, havia passado numa seleção para ser atendente numa rede de fast-food. Seria pai em cinco meses. O corpo dele foi enterrado no domingo (19), no Cemitério de Portão. Ele estava na porta de casa quando foi baleado. Era sobrinho de Raimunda e primo de Raiane, mortas na chacina. Guilherme deixou esposa grávida (Foto: reprodução) Raiane Freitas, 12 anos – Estudante do 8º ano na Escola Municipal Pedro Paranhos, sonhava em ser bailarina. No momento do crime estava na porta de casa, em pé atrás da tia Raimunda e conversava com o primo Guilherme, também mortos na chacina, quando foi baleada. O corpo dela foi sepultado no domingo (19), no Cemitério de Portão. Raiane e Guilherme eram primos (Foto: Reprodução) Raimunda Jesus dos Santos, 35 anos – Era doméstica. Estava sentada numa cadeira na porta de casa quando foi baleada. Era casada e deixa três filhos adolescentes, um menino de 16 anos e duas meninas com 14 e 11 anos. O corpo dela foi sepultado na segunda-feira (20), na cidade de Esplanada, no Nordeste da Bahia. Raimunda deixou marido e três filhos (Foto: Reprodução) Rogério Oliveira da Silva, 36 anos - Pintor, ele era casado e tinha uma filha de 14 anos. Estava indo até o carro pegar um creme para cabelo que esqueceu no veículo quando foi baleado. O corpo dele foi sepultado no Piauí. Uma van com 15 amigos e familiares saiu de Salvador para a cerimônia. Rogério se mudou para a Bahia há 18 anos junto com quatro irmãos e, desde então, morava em Portão. Rogério deixou esposa e uma filha (Foto: reprodução) Pablo Ferreira dos Santos, 15 anos – Estudante do Colégio Estadual Social de Portão, ele tinha o sonho de ser jogador de futebol. Jogar bola era uma tarefa quase que diária. Pablo era o mais velho de quatro irmãos e morava com os pais. Ele estava com uma amiga na Rua Santo Antônio quando foi morto. O corpo dele será sepultado hoje, mas o local e horário ainda não foram definidos. Arthur morreu protegendo o filho (Foto: reprodução) Arthur Silva de Jesus Moreira, 23 anos – Foi baleado na cabeça e está internado no Hospital do Subúrbio. No momento do ataque, Arthur estava na frente de casa, com o filho de quatro meses nos braços. Ao ouvir os disparos, o pintor se jogou no chão com o bebê e conseguiu proteger a criança, que não teve ferimentos graves e passa bem. A morte cerebral foi confirmada, ontem, e a família resolveu fazer a doação de órgãos. O local e horário do sepultamento ainda não foram definidos.