Rainhas de fé e devoção: saiba quem são as mulheres que se entregam a Iemanjá

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  • Thais Borges

Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 15:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Thais Borges/CORREIO

Quem é que reverencia a Rainha do Mar? Talvez não exista uma única resposta; uma que satisfaça a pergunta por completo. Elas são mães, filhas, avós. Mulheres jovens e não tão jovens assim. Moças de diferentes classes sociais.  Em comum, todas têm uma mesma característica: são rainhas. 

São rainhas como a própria Iemanjá. Mas a diferença é que elas são rainhas de fé, de devoção - e é justamente esse sentimento que dedicam à própria Iemanjá. Para essas mulheres, a festa da Rainha do Mar é uma chance de se conectar com ela, enquanto mãe e divindade. Além disso, muitas se ligam a si mesmas. Outras, por fim, se unem a outras moças. 

Tem quem tenha decidido levar essa devoção a um nível máximo. Logo cedo, por volta das 6h desta sexta-feira (2), um grupo de mulheres entregou sua cabeça a Iemanjá. Depois de participarem de uma imersão por quatro dias, as 23 moças fizeram uma performance artística que saiu do Lalá Multiespaço em direção à Praia da Paciência.  Pelo segundo ano, 23 mulheres participaram do cortejo Lavagem (Foto: Thais Borges/CORREIO) A ‘cabeça’, de forma literal, era um arranjo de flores que cobria os rostos das mulheres – cada uma construiu o seu de acordo com o que queria entregar. Porém, aquilo significava mais do que isso: quando as moças entravam na água do mar, deixavam as flores e, assim, deixavam sua cabeça espiritual. Ali, se deixavam. 

Batizada de ‘Lavagem, a performance não tinha tanto o sentido de ‘limpeza’, segundo a atriz Mariana Freire, 40 anos, que foi uma das participantes.“É mais para você se deixar atravessar”, diz Mariana. Para ela, Iemanjá é uma mãe. Embora não tenha religião, também acredita que sua relação com a Rainha do Mar é de devoção. "É uma conexão sempre que a gente está perto do mar. Minha cabeça é de Iansã e de Oxum, mas tudo veio da água, não é? Seja doce ou seja salgada". Na performance, elas entregam sua cabeça a Iemanjá (Foto: Thais Borges/CORREIO) De acordo com a atriz Raiça Bonfim, 31 anos, uma das facilitadoras do cortejo, a entrega da cabeça a Iemanjá tem dois significados. "É o presente da flor, que ao invés do presente, é nossa própria cabeça, e o também é o fato de Iemanjá ser a dona de nossas cabeças".

A performer Olga Lamas, 31 anos, explica que, através da performance artística, as mulheres entendem como se fortalecer. “O que toca uma toca todas", diz Olga, que é natural de Maceió mas se radicou em Salvador. Ela também é uma das facilitadoras da oficina. No ano passado, quando foi realizada a primeira edição, a performance fez parte do processo criativo do espetáculo Loucas do Riacho. 

Há 15 anos, quando veio para a festa de Iemanjá pela primeira vez, ficou encantada. "Iemanjá, para mim, é isso: para quem eu ofereço e para quem eu agradeço. Acho que tenho, como ela, essa coisa do cuidado, do afeto e da compaixão. Toda mulher tem um pouco de Iemanjá".  'O que toca uma toca todas', diz uma das facilitadoras do projeto (Foto: Thais Borges/CORREIO) A publicitária Tamilka Viana, 32, viu as fotos da lavagem do ano passado pelas redes sociais, porque mora em Maceió (AL). Este ano, a trabalho, estava em Salvador justamente no período que incluiu a preparação e o cortejo. “É absolutamente reconfortante encontrar mulheres com essa energia. Mesmo sem a gente se conhecer, a gente se acolhe”. 

Católica, Tamilka diz que tem uma afinidade com as religiões de matriz africana. De Iemanjá, ela acredita que tem a força. “A gente não tem noção de como é até vir aqui e fazer essa entrega. É uma experiência transformadora”. 

Inspiração A relações públicas Daniele Michelin, 40, também veio de longe. Mineira de Belo Horizonte, se apaixonou pela festa de Iemanjá há sete anos, quando se mudou para Salvador. Nesta sexta, ela vestia azul, usava uma coroa e carregava flores. Apesar da semelhança, garantiu que não se veste para representar Iemanjá. "Eu me inspiro nela. Embora não seja do candomblé, tenho uma devoção muito grande. Iemanjá é a entidade que me acompanha e toca meu coração", conta Daniele.Para ela, Iemanjá traz acolhimento. Dali, garantiu que sairia revigorada. Desde o momento em que chegara na praia, sentia a alma ‘lavada’.  Para Daniele, Iemanjá significa acolhimento. Ela diz que se inspira na Rainha do Mar (Foto: Thais Borges/CORREIO) De Iemanjá, herdou a vaidade e o senso maternal – embora ainda não seja mãe. “Ainda”, frisou, aos risos. Embora muitas devotas de Iemanjá sejam vaidosas, ela não acredita que todas sejam parecidas com a rainha. “É bem diversificado, até porque não é um signo”. Mesmo levando flores, ela diz que acredita que não era necessário. “Sei que se eu mentalizasse um buquê de flores, ela receberia, porque o importante é entregar meu coração”. 

Esse presente espiritual foi a escolha da turismóloga Ana Dias, 50, que aproveitava para tirar fotos quando encontrou o CORREIO. Mãe de gêmeos que completam 27 anos bem no dia da festa de Iemanjá, ela disse que, este ano, não fez nenhum pedido. Veio agradecer. Para a Rainha do Mar, entregou uma oração, na beira da praia.  Ana foi agradecer; seus filhos gêmeos completam 27 anos nesta sexta-feira (Foto: Thais Borges/CORREIO) Distribuindo sorrisos, logo entregou uma de suas qualidades mais parecidas com Iemanjá. “Vamos fazer outra foto! Essa não ficou boa. Essa vai ter que editar”, dizia, à repórter, depois de ser fotografada na entrevista. Para Ana, a vaidade de Iemanjá foi incorporada por ela. Nos dias de festa, costuma se arrumar. “Mas até se arrumar para vir para cá é diferente. Você vem alegre, bonita. Mesmo se não vier perfumada, vai ficar perfumada aqui", diz. 

Já a ialorixá Jurivina da Silva, 57, chegou nas areias Do Rio Vermelho as 10h da manhã de ontem. Ela tenta vir em quase todos os anos para oferecer banho de folhas aos fiéis. Este ano, trouxe também lentilhas e a pemba de Oxalá. Ela diz que ao seu lado, tem Iemanjá e Oxum. A ialorixá Jurivina distribuía banhos de folhas (Foto: Thais Borges/CORREIO) "Sou de Xangô, filho mais amado de Iemanjá, com Oxum. Como ela, eu sou alguém que gosta de tudo certo, não gosto de coisas erradas. E minha casa tá sempre de braços abertos", diz ela, que a líder religiosa do terreiro Gi Funan, no Boiadeiro.

Mar e natureza Para muitas rainhas devotas, a relação com a mãe Iemanjá se fortalece diante do mar.  É o caso da estudante de Psicologia Dandara de Assis, 20, que tem uma ligação forte com ele. Foi assim que percebeu que tinha identificação com Iemanjá.  Dandara fez o próprio look de sereia. "Já tinha as conchas em casa", contou (Foto: Thais Borges/CORREIO) "Não tenho religião, mas tenho uma ligação forte com as religiões de matriz africana por conta de minhas raízes. Minha devoção não é 'oficial', mas existe. Nesta sexta-feira (2), ela já amanheceu no Rio Vermelho, vestida de sereia. Chegou na quinta-feira (1), para uma festa e já ficou para acompanhar a entrega dos presentes. Para preparar a roupa e maquiagem, demorou oito horas. "Só para a saia foram seis horas. Eu já coleto conchas, então tinha em casa", contou.

Ela não foi a única que preparou algo para Iemanjá. A estudante de jornalismo Fernanda Figueiredo, 20, e a técnica em enfermagem Maria das Graças dos Santos, 62, fizeram um barquinho de isopor para entregar as flores durante a madrugada desta sexta-feira (2). As duas vieram em um grupo de amigos que viajou de Feira de Santana, no Centro-Norte do estado, para entregar o presente para Iemanjá.  Maria das Graças e Fernanda fizeram os barquinhos para entregar as flores (Foto: Thais Borges/CORREIO) "Vi na internet (um modelo) e fiz. O balaio é muito grande e, nessa época do ano, fica muito caro", diz Fernanda. Maria diz que veio pedir por paz no ano de 2018. "E também pedir por menos violência e por muitas vitórias", completa.

Nem todo mundo, porém, se liga a Iemanjá de uma forma tão clara. No caso da vendedora de flores Catiane Silva, 40, essa relação se revela através de seu vínculo com a natureza - que faz parte de sua rotina há mais de 20 anos.  No caso de Catiane, a ligação com Iemanjá é através da natureza (Foto: Thais Borges/CORREIO) No resto do ano, ela trabalha em um quiosque no Dois de Julho, mas, há 20 anos é uma das vendedoras de rosas na festa de Iemanjá. "É diferente vender uma flor aqui por todas as demonstrações de fé. Minha relação com Iemanjá é porque acredito no poder da natureza, então você acaba tendo esse contexto", dizia, enquanto observava, de longe, cada manifestação.