Região que vai receber BRT tem 340 mil passageiros

Especialistas explicam por que o BRT é melhor opção para local do que VLT

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  • Raquel Saraiva

Publicado em 24 de abril de 2018 às 04:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Só se fala nele. Desde que as obras começaram, em março, o primeiro sistema de Bus Rapid Transit (BRT) de Salvador virou o centro das atenções de discussões na cidade. Afinal, entre tudo que tem sido dito, o que realmente explica a implantação do BRT? Para a prefeitura, daqui a 28 meses, com as obras prontas, os benefícios ficarão claros para todos. Na primeira etapa – que terá 2,9 quilômetros e vai ligar o Cidade Jardim (Parque da Cidade) à região do Shopping da Bahia (Estação de Integração BRT/Metrô) – serão investidos mais de R$ 212 milhões. A rota completa vai da Estação da Lapa ao Shopping da Bahia. 

Segundo o secretário municipal da Mobilidade, Fábio Mota, a escolha do percurso foi justamente o de uma região que representa o maior ponto de origem e destino de passageiros que usam o transporte público na cidade. De cada dez viagens, sete têm como origem ou destino essa região. Só nas avenidas Vasco da Gama, Juracy Magalhães e ACM circulam 340 mil pessoas por dia nas 68 linhas convencionais de ônibus. “Trata-se de uma região  que necessitava de um transporte de massa mais avançado, com maior capacidade e conforto do que os ônibus convencionais. Essa região sofre ainda com engarrafamentos e problemas de mobilidade, assim como de alagamento”. 

O sistema terá capacidade para transportar até 31 mil pessoas por hora – cada ônibus articulado pode acomodar até 170 passageiros. Os coletivos terão comprimento máximo de 23 metros e vão operar até a 40 km/h. No caso dos alagamentos,  o problema deve ser solucionado com investimentos em macro e microdrenagem nas vias. 

Outro modal – tipo o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) – não funcionaria ali, segundo o secretário. Ele explica que o VLT seria 15% mais caro do que o BRT, além de levar duas vezes mais tempo na construção. “A operação do VLT é mais complexa, exigindo, por exemplo, galpões de estoque para os trens próximos aos trilhos. Com o BRT, os veículos podem ser estocados em qualquer lugar”. Mota pontua que o BRT ainda tem a vantagem de poder sair dos corredores exclusivos para entrar em algum bairro. 

Multimodal O tempo de saída entre um ônibus e outro é mais rápido no BRT que no VLT. “O VLT tem capacidade limitada de trabalhar com frequências curtas, ele exige que a operação seja de no mínimo 5 minutos entre uma composição e outra, enquanto o BRT dá intervalo de no mínimo 2 minutos”, afirma o presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira da Cunha Filho.  (Foto: Divulgação) Além do tempo e do custo de construção, o presidente da NTU destaca a importância do BRT em relação também ao metrô. “Tem todos os atributos do metrô, mas o custo e a rapidez de implantação estão em vantagem”, diz Cunha Filho. Porém, defende que a implementação do BRT não exclui a importância dos ônibus e do metrô. “Uma rede de transporte deve ser multimodal. Esses sistemas não podem ser concorrentes entre si, devem estar integrados de maneira geral”.  

Segundo a prefeitura, o BRT será integrado ao metrô e aos ônibus comuns e, com a implantação de viadutos e elevados previstos nas obras, a mobilidade para quem anda de carro ou bicicleta também irá melhorar. As vantagens do BRT, segundo Cunha, vão além da mobilidade. “O sistema permite que você elimine veículos da rua, agiliza a vida das pessoas e também ajuda na dinamização de outras atividades. Todos ganham. Também traz ganhos significativos para o meio ambiente”, afirma o presidente da NTU. 

Viabilidade Já o professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e vice-chefe do Departamento de Engenharia de Transportes e Geodésia, Juan Pedro Moreno Delgado, destaca que em em todos os locais onde o BRT foi bem implementado, o sistema é considerado um sucesso – e pode, de fato, contribuir para a mobilidade sustentável de uma cidade.  “O BRT é um sucesso, mas seja BRT, VLT, metrô, não importa a tecnologia. Mais importante  é termos políticas integradas”, explica Delgado, que também é doutor em Planejamento de Transportes. 

Para ele, são quatro aspectos fundamentais: deixar de incentivar o uso de automóveis, inclusive construindo estacionamentos em estações de transporte público; investir em políticas de referência para todo o transporte público, para que os ônibus funcionem de forma eficiente em toda a cidade; deixar de visualizar que Salvador é uma cidade plana e, por fim, uma política de segurança, já que o número de assaltos nos ônibus é um dos principais fatores responsáveis pelo afastamento de parte da população do transporte público.  

Segundo o professor, em todos os locais onde o BRT foi bem implementado, o sistema é considerado um sucesso – e pode, de fato, contribuir para a mobilidade sustentável de uma cidade. No entanto, para que isso aconteça, é preciso investir em políticas integradas de transporte antes de qualquer coisa.

São quatro aspectos fundamentais: primeiro é deixar de incentivar o uso de automóveis, inclusive construindo estacionamentos em estações de transporte público; o segundo é investir em políticas de referência para todo o transporte público, para que os ônibus funcionem de forma eficiente em toda a cidade; o terceiro é deixar de visualizar que Salvador é uma cidade plana.

“Todas as intervenções que ocorrem são nas avenidas de vale, só que, nessas avenidas, não mora ninguém. Necessitamos de uma reinvenção do transporte vertical para toda a cidade – ou seja, elevador, plano inclinado, teleférico. Esse tipo de solução encurta a distância e faz com que a nossa cidade possa ser acessível para todos”, diz.

Por fim, ele defede uma política de segurança, já que o número de assalto nos ônibus é um dos principais fatores responsáveis pelo afastamento de parte da população do transporte público. “Não é só uma questão de projetos. Temos que ir mais longe. Essas quatro medidas são urgentes porque estamos com um atraso de 20 anos. Se fizermos investimento para facilitar a vida do automóvel, não estamos fazendo mobilidade sustentável”.

Conselheiro do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), o arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild considera a criação da linha da Lapa ao Iguatemi uma escolha viável devido à demanda de passageiros que vão para a Avenida Tancredo Neves. Mas lamenta que o BRT não chega até lá – para na região do Shopping da Bahia.  “Isso cria um equipamento superdimensionado e sem viabilidade econômico-financeira saudável”. 

Ele defende ainda que, investimentos grandes em mobilidade sejam feitos de forma gradual. “Se você faz agora esse BRT com elevados, tamponamento de rios e uma infraestrutura altamente cara, vai engessar esse sistema. Não pode evoluir aos poucos para um sistema mais adequado para o futuro”, explica. Segundo a prefeitura, quando estiver pronto, o BRT vai ligar a Estação da Lapa à  Rodoviária/Iguatemi em 16 minutos. Hoje, alguns passageiros levam 1 hora e 45 minutos para percorrer o mesmo trecho. 

Duas mil mudas serão plantadas na cidade Para a construção do BRT, 154 árvores serão retiradas  da Avenida ACM, onde foram  iniciadas as obras do sistema, no final de março. Para compensar, a prefeitura  começou, na semana passada,  o plantio de novas mudas de ipê e pata-de-vaca, espécies nativas da Mata Altântica,  próximo ao acesso do bairro da Soledade, no canteiro da Via Expressa. Nessa primeira fase do projeto serão plantadas 300 mudas. A ação contou com a participação de 31 estudantes da Escola Municipal Luiz Anselmo. 

No total, a prefeitura planeja plantar duas mil árvores para compensar a supressão das 154, seguindo o que determina o Plano Diretor de Arborização Urbana de Salvador, em vigor desde 2017. Outras 1.700 árvores serão plantadas no entorno dos corredores segregados por onde vai circular o BRT, a exemplo da Avenida ACM, e também no Parque da Cidade, e  169 árvores serão transplantadas, a maior parte delas para o Parque da Cidade. 

“Intervenções são necessárias para a melhoria da mobilidade urbana. A redução de acidentes, redução de poluição ambiental, isso tudo justifica.  As árvores podem ser remanejadas para outros locais e o replantio não provoca agressão ao meio ambiente”, diz o presidente da NTU, Otávio Cunha. Ele cita o replantio de árvores ocorrido em Brasília como modelo. “Hoje existem técnicas para fazer o replantio. Aqui em Brasília foram retiradas as árvores adultas da faixa central que existia entre duas avenidas e elas foram replantadas nas margens dessas mesmas avenidas”, informou.   (Foto: Betto Jr/CORREIO) Mais de 160 cidades usam o BRT A construção do BRT em Salvador vai contar com três etapas. Na primeira, executada pelo Consórcio BRT - formado pela Camargo Correa Infraestrutura S.A., Construções e Comércio Camargo Correa S.A., e Geométrica Engenharia de Projetos Ltda, os corredores irão ligar o Parque da Cidade à região da rodoviária . O serviço vai gerar 700 empregos diretos e serão investidos R$ 212,7 milhões, obtidos via financiamento junto à Caixa Econômica Federal.  

Segundo a prefeitura, com o BRT funcionando, quem passar de carro pelo trecho poderá ir da Avenida Garibaldi e chegar à Paralela sem passar por sinaleiras, uma vez que serão construídos viadutos e elevados ao longo do percurso. As intervenções nessa fase envolvem a construção de três viadutos:  um no sentido Parque da Cidade/Lucaia, outro na direção Parque da Cidade/Iguatemi e mais um no Iguatemi, perto do viaduto Raul Seixas. No Cidadela e na região do Hiper, serão erguidos elevados paralelos para a implantação das estações do BRT em cada um desses locais. 

Os viadutos devem permitir a eliminação de cruzamentos, sinaleiras, retornos e diminuir os engarrafamentos. Já os elevados irão abrigar as estações do BRT. Por meio delas, o passageiro terá acesso a um veículo do BRT. As paradas serão programadas e monitoradas via GPS, com acesso via plataforma. As portas serão largas, para favorecer o embarque e desembarque rápidos.

Uma ciclovia segregada será construída entre a Lapa e a área do Shopping da Bahia. E, abaixo dos viadutos e elevados, áreas de convivência com praças e jardins serão implementadas. A tarifa do BRT será a mesma cobrada pelo transporte público. Atualmente, o BRT está implantado em mais de 170 cidades distribuídas em mais de 75 países, de acordo com o presidente da NTU.

O BRT é um sistema de transporte público baseado no uso de ônibus, uma via exclusiva para os coletivos, com design próprio e voltado para as necessidades desse tipo de modal. O modal foi criado pelo arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, em 1974. 

“Jaime projetou o BRT copiando os atributos bons do metrô, como a qualidade, a eficiência, a alta velocidade de saída, rapidez, conforto e segurança e levou para a superfície, o que barateou o transporte”, diz Otávio Cunha. Hoje, entretanto, o BRT na capital paranaense vem sendo considerado saturado por falta de manutenção.  Para evitar que o mesmo aconteça em Salvador, algumas medidas já foram adotadas, como explica o secretário municipal de mobilidade, Fábio Mota. “Estamos fazendo obras para que o novo modal circule de forma adequada. Aqui, ele irá circular sobre pista de concreto, e não asfalto, facilitando a manutenção. A questão é manutenção. Se houver manutenção, o sistema poderá funcionar perfeitamente e sem sobressaltos”.