‘Reinfecção, e agora?’ Especialistas alertam que ainda não há motivos para pânico

Pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus precisam manter medidas de segurança e higiene

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 31 de agosto de 2020 às 05:40

- Atualizado há um ano

Em todo o mundo, três pessoas tiveram comprovadamente o coronavírus por duas vezes: uma pessoa de Hong Kong, outra da Bélgica e outra da Holanda. No Hospital das Clínicas de São Paulo, sete casos de reinfecção são investigados. Na Bahia, a Secretaria de Saúde do estado (Sesab) informou não ter, ainda, informações sobre possíveis casos. Mesmo assim, especialistas ouvidos pelo CORREIO são unânimes em dizer que não há motivos para pânico.  “Vou me infectar de novo? Calma! Vamos esperar um pouco e ver o que realmente está levando a essa reinfecção. Vamos ver o que sai e o que tem de estudo que mostra o motivo dessa reinfecção. O que temos que ter é cuidado. Estava na moda dizer que quem foi curado estava livre, não precisava se cuidar mais. Não é assim. Vamos continuar todos nos cuidando, pois vai passar essa fase. Não tem que entrar em pânico”, explicou o imunologista baiano Gustavo Cabral. Natural de Tucano, cidade do nordeste da Bahia, a 268 quilômetros de Salvador, o cientista é coordenador da equipe do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, que desenvolve uma vacina brasileira. Desde a segunda-feira (24), ele tem publicado vídeos em suas redes sociais sobre o tema. Num desses, tratou sobre as possíveis consequências dessa reinfecção no desenvolvimento de vacinas. 

“Se implicar é porque não foi tomado os devidos cuidados no estudo que está criando o imunizante”, afirmou Gustavo, ao explicar que os pesquisadores devem levar em conta as possibilidades de alteração do vírus. “Desde o início da pandemia, tenho dito que é importante sermos cautelosos e pensar nessa possibilidade de reinfecção. Isso só mostra que temos que seguir os rigores necessários para que não tenhamos uma vacina que imunize bilhões de pessoas e não tenha eficácia”, concluiu.  Gustavo Cabral coordena equipe que desenvolve vacina da covid-19 (Foto: Divulgação) Também por esse motivo, Gustavo não acredita que é possível ter uma vacina disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda em 2020, como afirmou o governador paulista João Dória. O infectologista da S.O.S. Vida, Matheus Todt, pensa o mesmo. “É a mesma coisa da vacina russa: é balela. Não tem como termos vacina esse ano no SUS, pois o tempo é muito curto. Agora, o fato de ter detectado reinfecções não inviabiliza a vacinação”, disse o médico. 

Ser reinfectado pela covid-19 não significa simplesmente ser testado duas vezes positivos por coronavírus em um espaço longo de tempo. “A gente já verificou que isso pode acontecer por a pessoa ter fragmentos do vírus no organismo”, explicou Todt. Ser contaminado duas vezes pela covid-19 significa, portanto, ter a mesma doença que já teve anteriormente, causada pelos mesmos coronavírus, mas com códigos genéticos diferentes. 

Isso é possível, pois o vírus sofre mutações ao longo do tempo, que são mudanças naturais na sua estrutura. “O vírus está em eterna mutação. No da Influenza, por exemplo, acontece, mas não inviabiliza a vacina, a gente já prevê isso e realiza ajuste de composição todo ano”, explicou Todt.

Novo A médica infectologista professora da Universidade Federal da Bahia, Jacy Andrade, concorda o médico da S.O.S Vida. Ela acrescenta que a covid-19 ainda é uma doença nova e que, quando mais dados e informações forem coletadas, será possível conhecer o vírus. “É possível que a gente chegue à situação da influenza, que todo ano tem que ter alguma modificação na vacina, mas isso ainda é incerto. A gente tem muito mais dúvida do que certeza”, disse.

E se o cenário ainda é desconhecido, pode ser prejudicial adiantar os procedimentos científicos para que se tenha mais rapidamente um imunizante. “As pessoas estão pressionando muito por uma vacina e tem que ter calma. Acho importante não criar nelas uma expectativa de que a vacina vai resolver todos os problemas do coronavírus. A gente ainda vai conviver com o vírus durante algum tempo. Por isso, o uso dos equipamentos de proteção é importante”, disse a professora Jacy. 

Se mesmo com a descoberta de uma vacina será necessário utilizar máscara, álcool em gel e manter distanciamento social até se criar um estado de normalidade, com a descoberta de casos de reinfecção, quem ficou doente com a covid-19 precisa manter as medidas de segurança e higiene. “Quem teve o vírus tem que continuar usando máscara, manter o distanciamento até termos um cenário melhor da doença, tanto no brasil como no mundo”, afirmou o infectologista do Hospital Instituto Couto Maia, Tiago Lobo.  

Ele destaca ainda que não existe comprovação de que a reinfecção pode causar no doente sintomas mais graves ou mesmo mais leves. “Nós já sabemos que podemos ser infectados mais de uma vez, mas não que vamos ficar doentes mais de uma vez”, explicou. No caso do paciente de Hong Kong, trata-se de uma infecção assintomática. No da Bélgica e Holanda, foram verificados sintomas leve. 

Imunidade de rebanho Ainda para Tiago Lobo, esses casos de reinfecção comprovadas não derrubam a tese da imunidade de rebanho, a qual diz que todas as pessoas podem ser imunes do vírus quando tem contato com a doença. “Isso não reflete que as pessoas vão ficar sem imunidade. A gente só vai poder afirmar isso mais para a frente”, disse. De qualquer modo, ele destacou que a imunidade de rebanho não é uma política pública adequada, “Se todos tem contato com o vírus de uma só vez, teremos sobrecarga no sistema de saúde e maior número de óbitos”, afirmou.

Também em vídeo publicado nas redes sociais, Atila Iamarino, biólogo e doutor em virologia, comentou a reinfecção por covid-19. “O vírus que causou a primeira doença era diferente do vírus que causou a segunda. Essa situação ainda é considerada rara, uma exceção. Até aqui não parece ser uma grande preocupação para os desenvolvedores de vacinas e quem acompanha a epidemia. Com o tempo vamos descobrir se a imunidade das pessoas vai permanecer ou não”, disse. 

O médico Claudio Ferrari, diretor de comunicação do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino, que é responsável em Salvador pelo estudo da vacina de Oxford, disse que não há nenhuma mudança no trabalho realizado. “O principal objetivo do estudo é justamente entender se a vacina é capaz de proteger os voluntários - fazendo com que fiquem menos doentes ou apresentem quadros mais brandos, caso contraiam a doença - comparando os que receberam a vacina de Oxford com o grupo controle. Daí a importância do seguimento por um ano destas pessoas sabidamente expostas a situações de risco aumentado", explicou. 

O CORREIO procurou as Obras Sociais Irmã Dulce, responsável pelos estudos em Salvador da vacina desenvolvida pela Pfizer, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.