Relatório de CPMI classifica Gazeta do Povo como 'fake news' e jornal reage

Classificação negativa foi atribuída a agências verificadoras, que negam avaliação

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  • Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2020 às 19:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Jonathan Campos/Arquivo Gazeta do Povo

Um relatório produzido por consultores legislativos divulgado na segunda-feira (1º) classificou a Gazeta do Povo, jornal paranaense fundado em 1919, como divulgador de “notícias falsas”. O documento foi produzido a pedido da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que está em curso atualmente no Congresso Nacional.

Segundo a própria Gazeta do Povo, a classificação negativa ao veículo centenário, e detentor de diversos prêmios jornalísticos, foi dada, segundo a relatoria da comissão, após consulta de seis agências verificadoras. Consultadas pelo veículo, no entanto, todas as agências negaram a classificação e, ainda, afirmaram nem terem sido acionadas pelo Legislativo para fazer a validação.

A lista que cita a Gazeta inclui outros 47 sites como supostos propagadores de notícias falsas. A CPMI produziu um levantamento sobre sites, canais no Youtube e aplicativos para celular que veicularam propagandas do governo federal, foram remuneradas por meio da plataforma Google Adwords e que, na avaliação da comissão, seriam "inapropriados" para isso — por divulgarem fake news, por violarem direitos autorais ou por terem um público-alvo não condizente com as campanhas do governo.

O período avaliado pela CPMI foi o do intervalo entre os dias 6 de junho a 13 de julho de 2019. O texto foi produzido pelos consultores legislativos Cristiano Aguiar Lopes e Daniel Petersen. A Gazeta do Povo notificou a CPMI para a exclusão formal do nome do jornal do relatório.

A relatora da CPMI das Fake News, deputada baiana Lídice da Mata (PSB), afirmou em nota que foram dois os critérios utilizados pela consultoria legislativa para a inclusão dos veículos no relatório. Um é o fato de a página ter publicado, no prazo analisado pela comissão, "três ou mais matérias classificadas como 'desinformativas' pelos principais checadores de notícias do país". Os checadores definidos pela CPMI são Agência Lupa, Estadão Verifica, Comprova, Aos Fatos, E-farsas e Boatos.org. O texto ainda afirma que "este critério é sabidamente utilizado por toda imprensa para classificar a divulgação de informações erradas".

Na nota, Lídice aponta que a consultoria da Câmara "deve realizar uma resposta contendo a explicação técnica e uma classificação que corresponda ao comportamento de cada um destes nas redes", em relação aos veículos que questionarem a inclusão de seus nomes na lista. O outro critério mencionado pela deputada é o de canais que "contrariam consensos científicos, difundem 'teorias da conspiração' ou apresentam conteúdos potencialmente danosos à saúde pública".

A Gazeta do Povo procurou as seis agências indicadas. Todas desmentiram a versão da relatora. Comprova, Aos Fatos, Estadão Verifica, Boatos.org, Lupa e E-Farsas relataram não terem sido consultados pela comissão para o fornecimento de informações sobre a Gazeta e nem sobre outros veículos mencionados na relação.

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, disse considerar "lamentável e absolutamente surpreendente" a inclusão da Gazeta do Povo em uma lista de veículos que divulgariam notícias falsas.

"Como um membro tradicional e de destaque na Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Gazeta tem sido, ao contrário, uma adversária permanente da desinformação e um veículo de ponta na defesa da pluralidade e do jornalismo profissional", disse Rech.

O presidente da ANJ afirmou ainda disse esperar que a CPMI apresente esclarecimentos sobre os critérios que levaram à inclusão da Gazeta na lista: "A ANJ requer da CPMI o esclarecimento sobre as motivações que levaram à inclusão da Gazeta do Povo nesta infame relação e espera o quanto antes um reparo justo e urgente ao seu jornal associado".

O Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel, afirma que o episódio "demonstra os riscos de se gravar em lei um conceito de desinformação e deixar a cargo do Estado a classificação de uma notícia como falsa ou verdadeira".

"Por sorte, se trata apenas da opinião de consultores legislativos, não de uma sentença judicial. Esperamos que o caso sirva de alerta para os congressistas que pretendem aprovar a toque de caixa, em meio a uma crise sanitária e econômica, leis sobre o tema, sem discussão ampla e tranquila com os jornalistas e com a sociedade", concluiu.