Resiliência, histórias e muitas vidas: Santa Izabel completa 127 anos

Hospital fará um culto ecumênico, nesta quinta-feira (30), que será transmitido online em comemoração à data histórica

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 30 de julho de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Santa Casa de Misericórdia
Hospital São Cristóvão era conhecido como Hospital da Caridade e foi fundado no mesmo ano que Salvador. Ele é o precursor do Santa Izabel por Foto: Divulgação/Santa Casa de Misericórdia da Bahia

Resistir ao tempo não é uma tarefa fácil para ninguém. Seja para pessoas ou instituições. Ultrapassar todas as intempéries sociais, econômicas, culturais e políticas durante 127 anos não é tarefa para quem tem pouca casca. Em bom baianês, é pau viola. E o hospital Santa Izabel aguentou e vem aguentando toda essa violeira utilizando a resiliência como palavra chave.

Nesta quinta-feira (30) o Hospital, que pertence à Santa Casa de Misericórdia da Bahia, completa seus 127 anos. Só as histórias de vitórias e derrotas da pandemia que nos assola há quatro meses já garante um livro. Imagine um hospital com mais de um século de vida?! A data festiva  será marcada com a celebração de um ato ecumênico, com transmissão ao vivo às 8h30, pelo Instagram @hospitalsantaizabel. A celebração será conduzida pelo padre Lázaro Muniz na Capela do próprio Hospital.

Apesar de ter uma relação bem íntima com o bairro de Nazaré, de onde é basicamente um cartão-postal, os primórdios do equipamento não têm essa origem. No mesmo 1549 que marcou a fundação de Salvador, o governador-geral Thomé de Souza construiu o Hospital da Caridade no mesmo lugar onde hoje funciona o Museu da Misericórdia, no Pelourinho.

O hospital funcionou ali por 284 anos até que em 2 de julho de 1833 foi transferido para o Terreiro de Jesus junto à então Faculdade de Medicina da Bahia. A dupla funcionou ali por mais 60 anos, até o ano de 1893, quando o hospital foi batizado como Santa Izabel e foi transferido para o bairro de Nazaré, onde se encontra atualmente.

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Diretor Técnico Assistencial do Santa Izabel, Ricardo Madureira diz que sua própria história se confunde com a do hospital - onde trabalha há 22 anos anos recém-completados na últimas terça-feira (28). "São 22 anos de muito orgulho. Esse lugar me fez ter alguns presentes. Me oportunizou algumas especializações, são duas pós-graduações e um MBA em administração hospital e de saúde. Devo isso à instituição. Mas a maior gratidão que posso levar é ter percebido a importância de ajudar as pessoas. Várias histórias que salvamos. De recém-nascidos a idosos com mais de 100 anos que foram operados aqui", diz o diretor.

Os números do hospital são expressivos desde sua área gigantesca de 53 mil m² de construção e envolvem um quantitativo total de 520 leitos - 84 de UTI. São mais de 3.500 colaboradores, além de 13 salas de cirurgia e 39 especialidades médicas. Anualmente, são realizados no hospital 635 mil consultas/procedimentos e 17 mil cirurgias anuais.

Polêmicas Passar ileso a 127 anos é impossível. No último mês de junho manifestantes negros do mundo todo fizeram um verdadeiro mutirão de derrubadas e contestação de estátuas em homenagem a antigos traficantes de escravos. O estopim nasceu quando manifestantes antirracistas derrubaram a estátua do traficante Edward Colston, em Bristol, na Inglaterra.

Salvador não ficou de fora: e as coisas esquentaram após o jornalista Levy Teles publicar uma “thread” no Twitter sobre o assunto. Na entrada do Santa Izabel, há uma homenagem a Joaquim Pereira Marinho.

Em coluna escrita para o CORREIO, o jornalista Nelson Cadena destacou a fortuna conquistada pelo conde Pereira Marinho, como era conhecido. Ao morrer, em 1887, o Conde deixou uma fortuna avaliada em 8 mil contos de réis. No livro 1808, o jornalista Laurentino Gomes fez uma conversão da moeda antiga para valores atuais. Com isso, é possível calcular que, em dinheiro de hoje, o patrimônio acumulado pelo traficante era de quase R$ 1 bilhão. Estátua do Conde Pereira Marinho, na entrada do Hospital Santa Izabel (Foto: GA / Arquivo CORREIO) No seu testamento, declarou 227 imóveis de sua propriedade, somente em Salvador. Quando vivo, o conde doou parte de seu dinheiro para a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, incluindo uma ajuda no empréstimo que possibilitou a retomada das obras de construção do Hospital Santa Izabel. Por conta disso, em 1893, foi colocada uma estátua em sua homenagem na entrada principal do centro médico.

Além do empréstimo, ele deu o dinheiro para a construção de um prédio no Asilo dos Expostos, a Pupileira. Ao morrer, legou à Santa Casa 80 contos de réis para o hospital, 10 para o Asilo dos Alienados e 10 para o Asilo da Mendicidade - num total de 100 contos de réis, equivalentes a cerca de R$ 13 milhões.

Em seu testamento, o conde disse que morria em paz, sem arrependimentos: "Tenho a consciência tranquila de passar para a vida eterna sem nunca haver feito mal para o meu semelhante, e a convicção que a fortuna que deixo foi adquirida pelo meu trabalho perseverante. Com economia, honestidade, honradez em minhas transações comerciais, sem nunca ter deixado de fazer ao meu semelhante o bem que podia fazer".

Em nota, a Santa Casa de Misericórdia da Bahia diz ter conhecimento da trajetória do conde Pereira Marinho. A nota ressalta que a estátua foi lá instalada no dia da inauguração do centro médico, em 1893, e que ela representa "pontos da historicidade de uma época".

Saber se adaptar às distintas épocas é um ponto crucial para a longevidade do Santa Izabel, segundo Ricardo Madureira. "Sobrevivendo a tantas mudanças culturais, de cenários de patologias que acometem a população e mudança de cultura. É um grande exemplo de resiliência, de capacidade de se adaptar ao tempo", aponta.

Comemoração Em nota, a Santa Casa firmou que este é um aniversário comemorado em circunstâncias muito especiais, celebrado em formato diferente, preservando, no entanto, a identidade, o isolamento social, o simbolismo da data e o respeito e o carinho com todos pacientes que aqui permanecem em tratamento.

Por outro lado, o diretor Ricardo Madureira entende que a simbologia desta comemoração é necessária principalmente quando se leva em consideração que em agosto o hospital inicia, gradualmente, desacelerar as relações com a covid-19 e volta a dar atenção aos seus antigos pacientes que enfrentam casos de câncer e cardíacos graves por exemplo.

"Estamos fortes o suficiente para se adaptar, acolher e atender uma grande parte de doentes com covid-19 e não tivemos funcionários em casos graves. Há uma gratidão por isso. Segundo que a partir de agosto estamos progressivamente desmobilizando a estrutura montada para a covid-19. O ambulatório retorna, a parte de imagens que estamos marcando exames, consultas e procedimentos"

Cirúrgias cardíacas e procedimentos hemodinâmicos retornarão para a rotina do hospital seguindo os protocolos estabelecidos pelas entidades sanitárias. Além disso, de acordo com Ricardo Madureira, o hospital quer comemorar que conseguiu salvar vidas durante a pandemia. "Comemoramos que vamos voltar as atividades à sua normalidade de uma forma progressiva e sem deixar de atender os pacientes que eventualmente cheguem com covid. Estamos vencendo o inimigo", disse.