Restaurado, Museu Wanderley Pinho reforçará turismo na Baía de Todos-os-Santos

Parte do programa Prodetur Nacional Bahia, antigo Engenho Freguesia será reaberto ao público em 2021

Publicado em 17 de setembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Tatiana Azeviche

À medida que os barcos que navegam pela Baía de Todos-os-Santos se aproximam da Praia de Caboto, no município de Candeias, surge a visão de um casarão em obras na costa. É o Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, que está sendo restaurado e será reaberto no primeiro semestre de 2021. Casa-Grande do Engenho Freguesia, datado do século 16, a construção acompanhou a secular história baiana. Transformado em museu em 1971, o espaço foi fechado há 20 anos e, com a reabertura, vai retratar os fatos históricos do Recôncavo e que o próprio prédio acompanhou ao longo do tempo.

A propriedade integra  o roteiro náutico e cultural do Recôncavo, junto com outras 12 intervenções do Prodetur Nacional Bahia na região. Na terça-feira (15), o secretário de Turismo da Bahia, Fausto Franco, realizou uma nova visita técnica para conferir o andamento das obras, inciadas em fevereiro de 2020.

“Estive aqui há um mês e percebo que as obras estão adiantadas mesmo com a chuva e a pandemia do coronavírus. Além de revitalizar o museu, revitalizamos a área da capela. Está sendo feito um novo atracadouro, um espaço para eventos e um restaurante”, conta o secretário, que acredita que o museu deve ajudar a desenvolver a região da Baía de Todos-os-Santos.

Uma exposição histórica permanente deve ocupar o casarão, enquanto a fábrica de açúcar poderá receber mostras temporárias, eventos e ainda abrigar peças e achados arqueológicos capazes de explicar o processo de produção do açúcar. O complexo ainda conta com uma capela, um atracadouro e uma área de restaurante com mais de 200 lugares. Casarão era a antiga Casa-Grande do engenho (Foto: Tatiana Azeviche/ Divulgação) O espaço possui um acervo com mais de 200 peças, como roupas, paramentos, pinturas, cerâmica, objetos decorativos e mobiliário, produzidos a partir do século 17. Além dos objetos, o museu vai utilizar de intervenções tecnológicas para recontar a história da região.

“O museu trata da história econômica, política e social do Brasil. Ele não traz só peças, mas os fatos históricos que aconteceram aqui. Usamos vários recursos, como texto, vídeo, painéis, além dos objetos, para contar a história do engenho e do povo do Recôncavo. O acervo original do museu foi restaurado e estará presente na reabertura”, conta a diretora de museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac), Maria de Fátima dos Santos.

Acompanhando os movimentos sociais recentes de revisionismo histórico, o período escravocrata deve ser revisitado no museu, afirma o diretor-geral do Ipac, João Carlos Oliveira. “Acredito que o espaço pode revisitar esta história da Baía de Todos-os-Santos e como ela também passou pelo uso de mão de obra escrava e pela produção de açúcar”, diz.

Uma das formas de chegar ao museu é pelo mar, assim como faziam os moradores da região no passado. Andréia Brandão, coordenadora de projetos turísticos do Prodetur, aponta que o trajeto pela baía estreita a conexão entre o ponto turístico e o oceano remetendo ao vínculo cultural da região.

“Ao permitir que se chegue ao atrativo cultural pelo mar, alinhamos dois nichos diferentes de turismo. Além da parte náutica, existe a cultura pois a distribuição dos produtos na região era feita em saveiros, não por terra. Ter essa visão do local pelo oceano também vai contar uma história”, relata. Atracadouro do Museu também passa por intervenções (Foto: Tatiana Azeviche/ Divulgação) O historiador Rafael Dantas explica que a Baía de Todos-os-Santos era um ponto de referência para as transformações do Recôncavo desde o século 16, o que demonstra a importância do mar para a região. "Todas as atividades comerciais da região entravam em diálogo com o mar. Era pela baía que se realizava o comércio, inclusive, o escoamento do açúcar produzido no engenho", informa.

História No passado, o museu foi um dos mais importantes engenhos do Recôncavo e uma das mais significativas construções do período colonial na Bahia. As construções começaram a ser erguidas na segunda metade do século 16, passando por sucessivas reformas posteriormente. De acordo com Dantas, em 1624, o local foi atacado e incendiado pelos invasores holandeses. Depois de reerguido, o espaço passou a ser de posse de Antônio da Rocha Pita até ser comprado pelo Conde de Passé, no século 19. A família Araújo Pinho foi a última proprietária do imóvel, que está sob responsabilidade do Ipac. 

Em 1944, o sítio foi tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), após um processo iniciado pelo historiador Wanderley de Araújo Pinho, que dá nome ao museu. Sem o tombamento, o engenho poderia ter sumido com o tempo, diz o diretor geral do Ipac. “Esse processo foi uma garantia de que a estrutura chegasse no século 21, o que não aconteceu com outros engenhos importantes historicamente”, afirma.  Processo de restauração deve ser finalizado no primeiro semestre de 2021 (Foto: Tatiana Azeviche/ Divulgação) Segundo Rafael Dantas, a casa que até hoje existe no local data do século 18, sendo capaz de apontar toda riqueza que os donos da terra acumularam com a exploração do trabalho de negros escravizados. O sobrado possui quatro pavimentos e 75 cômodos.

“Ao longo do tempo, o engenho consegue representar a importância da economia açucareira no Recôncavo. Pelo tamanho da casa, pode se fazer um panorama de como era a realidade da época. A quantidade de quartos, por exemplo, aponta que muitos empregados serviam os donos da casa”, cita Dantas.

A decadência das construções no local acompanhou o declínio da sociedade que o engenho representa. “Com o fim da escravidão, o lugar passou por um processo de arruinamento. Toda aquela pujança está inserida em uma realidade escravista. No século 20, o engenho se arruina de vez”, conta o historiador.

Prodetur A recuperação do museu e a reurbanização do seu entorno é fruto do Prodetur Nacional Bahia, programa desenvolvido pela Secretaria do Turismo do Estado da Bahia (Setur) com o objetivo de dinamizar a economia em municípios da Baía de Todos-os-Santos. Apenas a área do museu recebeu investimento de cerca de R$ 27 milhões, como um todo, o projeto estadual tem valor total de US$ 78 milhões. O financiamento é do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com contrapartida local do Governo do Estado.

O secretário de turismo ressalta que o museu não possui apenas atrativos culturais, mas também abarca o turismo náutico, gastronômico e de contemplação. Nessa linha, o coordenador-geral do Prodetur Bahia, Jaime Salgado, aponta que o museu, assim como todo o programa, busca também atrair o turista que gosta de navegar pelo mar - por isso, a importância do atracadouro no local.

“O programa tem por objetivo o investimento no turismo náutico, social e cultural para contribuir com o emprego e renda dos municípios da zona turística da Baía de Todos-os-Santos”, relata Salgado. 

Espera-se que o foco no oceano ajude a atrair turistas estrangeiros e de outros estados para a Baía de Todos-os-Santos. “Se existem as marinas, o turista pode descer em várias pontos na Baía, onde ele deve consumir, o que leva renda para o local. Nossa Baía é a segunda maior entre as navegáveis no mundo e tem belezas intocadas. Tudo isso vai ser mostrado e deve chamar o mundo para conhecer região”, comenta o coordenador-geral.

As intervenções do programa são divididas em três lotes. Além de Candeias, as obras estão sendo realizadas em Salvador (Marina da Penha, Solar do Unhão), Ilha de Itaparica (Cacha Prego e Itaparica), Jaguaripe, Bom Jesus dos Passos, Salinas da Margarida, Maragojipe, Mutá, Ilha de Maré (Botelho) e Cachoeira.

A maior parte do programa compreende requalificação ou construção de marinas, atracadouros e terminais náuticos. A previsão é que o projeto seja concluído no primeiro semestre de 2021.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela