Robôs jornalistas e ciência de dados: entenda como as tecnologias estão mudando o jornalismo

CORREIO promove seminário para discutir o tema nesta sexta-feira (26)

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 22 de julho de 2019 às 05:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Cena um: diante de uma máquina de escrever, um repórter datilografa a matéria do dia. Dali para frente, aquele texto seria manualmente recortado e colado em uma grande página do que viria a ser o jornal do dia seguinte. Cena dois: diante de um computador, uma jornalista digita freneticamente um texto que será publicado em instantes, com direito a checagens constantes no smartphone e notificações vindas de todos os lados.

Corta para um terceiro cenário: um ‘jornalista’ consulta bancos de dados, faz raspagens e, daqueles números à primeira vista pouco amistosos, descobre um furo de reportagem. Os três momentos poderiam ser o passado, o presente e o futuro, se não fosse por um aspecto: o terceiro jornalista não é uma pessoa, mas um código, que já está por aí. Nos últimos anos, os ‘robôs’ do jornalismo chegaram a alguns dos maiores conglomerados de mídia do mundo – o The New York Times, a Associated Press e a Bloomberg –, mas também já aportaram em iniciativas brasileiras. 

Para alguns especialistas, os próximos caminhos do jornalismo passam justamente pelas inteligências artificiais e pela ciência de dados. Para discutir o tema, o CORREIO promove o Seminário O Futuro do Jornalismo, na próxima sexta-feira (26), das 8h às 12h30, no Hotel Quality, Stiep. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo bit.ly/jornalismodefuturo.

A ideia é justamente debater como três organizações brasileiras – o Nexo, o Jota e a Operação Serenata de Amor – vêm usando a tecnologia e a inteligência artificial para transformar a maneira como se faz jornalismo e controle social no país. 

É difícil prever o que será tendência nas redações nos próximos anos, nem o que será da produção de conteúdo no futuro. No entanto, ainda que não se saiba exatamente que tecnologias devem surgir, é possível afirmar que elas devem trilhar esse caminho.  “Não tenho a menor dúvida de que a inclusão da tecnologia no jornalismo é inevitável, inescapável e quem não participar desse movimento vai ficar para trás”, afirma a diretora do produto do Jota, Paty Gomes, uma das palestrantes do seminário.Em junho, o Jota – dedicado à cobertura do Judiciário – foi eleito a melhor startup de informação digital do mundo pelo World Digital Media Awards 2019. 

Inteligência artificial No Brasil, o Jota e a Operação Serenata de Amor têm seus próprios robozinhos. No Jota, a inteligência artificial se chama Rui – batizado em alusão a Rui Barbosa e sua célebre frase: "Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Ele monitora processos parados no Supremo Tribunal Federal (STF) e publica em seu perfil no Twitter (@ruibarbot). 

Já a Operação Serenata de Amor criou sua Rosie, a robô capaz de analisar e identificar gastos suspeitos de deputados federais cometidos no exercício da fundação. Ela também posta o que é encontrado no Twitter (@rosiedaserenata). 

Para o coordenador do Programa Avançado em Comunicação e Jornalismo do Insper, Pedro Burgos, as tecnologias e as inteligências artificiais podem ser aliadas. Se um jornalista passa muito tempo fazendo um trabalho burocrático, acaba deixando de fazer outras atividades. Só para dar um exemplo com o que os próprios robôs brasileiros fazem, enquanto Rosie ou Rui extraem os dados, um repórter pode estar entrevistando um deputado federal sobre os gastos ou escrevendo uma matéria sobre um caso que está há anos parado na Justiça. “Tem várias coisas relacionadas à prática jornalística que poderia ter uma velocidade maior e ter uma eficiência se a gente usar o computador como acessório. O jornalismo se beneficia da assistência da inteligência artificial para simplificar e aprimorar”, afirma Pedro Burgos.A diretora de produto do Jota, Paty Gomes, pensa de forma parecida. O trabalho dos jornalistas deve ser reservado para o que o robô não venha a conseguir fazer. “Se você, ser humano, está fazendo a mesma coisa, roboticamente, mil vezes, você não deveria estar fazendo essa coisa. O repórter tem que ter o tempo livre para fazer o melhor tipo de jornalismo possível”, explica. 

São as técnicas de desenvolvimento de software e programação que trazem poder para jornalistas implementar scripts e procedimentos como fazem os robozinhos – ou seja, coletar e extrair dados de diferentes portais. Mesmo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), nem sempre os dados que são disponibilizados em portais de transparência pelo Brasil são acessíveis. 

Uma prática comum, especialmente em algumas prefeituras municipais, é disponibilizar os dados em formatos como PDF – que dificultam a extração. Os robôs são programados a partir de códigos criados pelas linguagens de programação para fazer esse trabalho. “Alguns jornalistas têm que ter esse perfil mesmo de aprender o código. Não acho que é um serviço para você terceirizar. Dado é informação e quem melhor do que os jornalistas para lidar com isso?”, questiona o líder técnico da Operação Serenata de Amor, Mário Sérgio, também um dos palestrantes do seminário. Ciência de dados No início, isso tudo pode assustar. O ‘novo’ pode parecer ameaçador para alguns profissionais. Mas a verdade é que não é novidade que há transformação constante no jornalismo. O que há de inovador, agora, é como as novas tecnologias podem ajudar na produção de conteúdo. “O jornalismo em si, desde que é jornalismo, nunca prescindiu da tecnologia”, diz a professora e jornalista Suzana Barbosa, diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisadora do Jornalismo de Dados. O próprio surgimento da web, em meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, trouxe inseguranças. Entre os jornais, houve um esforço para reafirmar a importância de existir um suporte impresso. Vieram as críticas – de que a internet estaria ligada a um jornalismo ‘apressado’ –, mas também houve a chegada de diversas possibilidades trazidas pela tecnologia. 

A maior parte dessas novas tecnologias, tal como os robôs, está relacionada à ciência de dados. É nesse contexto que o chamado Jornalismo de Dados se fortalece. Ainda que seja muito associado à década de 2010, o jornalismo de dados deu seus primeiros passos ainda na década de 1970. 

Foi na naquela época que o jornalista estadunidense Philip Meyer venceu o Prêmio Pulitzer pelo trabalho com o chamado jornalismo de precisão – que usava metodologias científicas em contraponto ao chamado New Journalism, mais literário. Alguns pesquisadores, inclusive, não fazem a diferença: acreditam que quem faz jornalismo de dados está, na verdade, trabalhando com jornalismo de precisão, mas com técnicas distintas. 

“Meyer começa a usar isso nos anos 1970, mas o uso diário nas reportagens ganha uma ênfase muito maior nos últimos anos. Hoje, não dá para dizer que tenha um jornalismo que seja digital e um que não seja, porque todos são produzidos digitalmente. O que a gente tem são formas distintas de distribuição, por isso a convergência vai falar de multiplataformas”, aponta Suzana. 

A diversificação das plataformas, por parte dos veículos de comunicação, é fundamental para o entendimento do jornalismo em base de dados. Nesse contexto, houve, ainda, a Reportagem Assistida por Computador (RAC) ou Jornalismo Assistido por Computador (JAC). “Para muitos autores, a RAC é a responsável pela disseminação de técnicas de uso de bases de dados no jornalismo”, afirma a professora. 

Dentro da lei Na maioria dos países ocidentais, o crescimento do jornalismo de dados está ligado às leis de acesso. No Brasil, isso não foi diferente, de acordo com a pesquisadora e jornalista Ana Carolina Araújo, que estuda o uso de dados no jornalismo no doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas. 

A Lei da Transparência, sancionada em 2010 e que obrigada estados e municípios a divulgar gastos na internet, em tempo real, passou a valer para todo o território nacional em 2013. Já a LAI, que regulamenta o direito constitucional do acesso a informações públicas, entrou em vigor em 2012. 

“Isso mudou muito e trouxe informações que, antes, não eram possíveis”, diz. Só que a ideia de que, com a internet e a ciência de dados, todos poderiam ter acesso às informações não funcionou por completo na prática. 

Mesmo que a oferta de dados seja imensa, hoje, não são todos que conseguem apreender algo diante de tanta informação.“Ensinam para a gente, no jornalismo, que a gente é das letras, não dos números. E quando você passa a lidar com aquele monte de planilha, você entende que devia ter aprendido a lidar com números”, completa a pesquisadora Ana Carolina. Em sua pesquisa de doutorado, ela tem identificado que, mesmo hoje, com essas ferramentas à disposição, a maioria dos jornalistas ainda costuma publicar reportagens citando dados sem fontes e/ou sem análise. Assim, existe um enorme potencial de conteúdo que poderia ser explorado, mas que nem começa a ser estudado. Além da barreira cultural, outros aspectos, como o enxugamento das redações, contribuem para isso. 

Estrutura Redações mais novas, menores e nativas digitais têm mais facilidade em incorporar essas tecnologias do que as tradicionais. É justamente o caso do Nexo, que se define com um jornal digital que trabalha com o chamado jornalismo de explicação, que aborda pautas com profundidade e contexto. 

O co-fundador e editor-chefe do Nexo, Conrado Corsalette, explica que, na empresa, os jornalistas ficam livres de ter que lidar com dois produtos – o digital e o impresso. Até para implementar mudanças na rotina de produção, é mais fácil devido à própria estrutura. “A gente já mudou três, quatro vezes, a maneira como a gente trabalha aqui. No início, tinha reunião diária. Agora, não. O fato de você já nascer digital é importante para incorporar e colocar no documento o que você quer e qual é o seu objetivo. A gente já tinha um foco no leitor desde o início”, explica Corsalette, que vai apresentar o Nexo no seminário. Mesmo assim, ele reforça que é preciso encontrar rentabilidade. O desafio dos jornais tradicionais, talvez, seja chegar ao equilíbrio financeiro. “Mas a gente não é ONG. Jornalismo tem que ser sustentável”, defende. 

Para Pedro Burgos, coordenador do Programa Avançado em Comunicação e Jornalismo do Insper, falta que as grandes e tradicionais empresas jornalísticas invistam na formação dos profissionais para lidar com essas novas tecnologias. Hoje, com as rotinas extensas nas redações, muitos jornalistas não têm nem mesmo tempo para participar de cursos de atualização. 

“Falta que os veículos tenham iniciativas sistemáticas pata reciclar os profissionais que já têm ou atrair novos que tenham essa mentalidade. É muito difícil você esperar que uma pessoa que fica dez horas em uma redação chegue em casa e vá fazer um curso. Não basta ter um desejo da direção. É preciso investir para ter gente capaz de tocar esses projetos”. 

O projeto Correio 40 Anos tem oferecimento do Bradesco, patrocínio do Hapvida e Sotero Ambiental, apoio institucional Prefeitura de Salvador, e apoio de Vinci Airports, Senai, Salvador Shopping, Unijorge, Claro, Itaipava Arena Fonte Nova, Sebrae e Santa Casa da Bahia.

Profissão jornalística não é ameaçada por inteligências artificiais, dizem pesquisadores Mesmo que  as inteligências artificiais venham assumindo atividades típicas da apuração jornalística, para especialistas, o ofício do jornalista continua sendo essencial e não deve ser substituído na prática. 

“Quando a gente fala da autoridade jornalística, isso é importantíssimo. É preciso entender que o jornalismo tem, sim, que observar a responsabilidade e a legitimidade. O jornalista também tem que ter consciência da sua função social e da sua responsabilidade”, afirma a professora e jornalista Suzana Barbosa, diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisadora do Jornalismo de Dados. 

Para a diretora de produto do Jota, Paty Gomes, algumas atividades jornalísticas nunca poderão ser totalmente automatizadas. As entrevistas, por exemplo, não devem ser substituídas por máquinas ou códigos. “Esse momento em que o repórter se dedica a conhecer melhor o tema, conversando com pessoas, conhecendo e ampliando seu repertório nunca vai deixar de ter o seu valor. O negócio é que as tecnologias vão permitir que esses processos sejam mais otimizados. As duas forças, somadas, são imbatíveis”, diz. Formação cultural O risco, de acordo com o coordenador do Programa Avançado em Comunicação e Jornalismo do Insper, Pedro Burgos, é para o jornalismo menos criativo. Ele acredita que a produção de conteúdo mais 'bruta' pode ser automatizada com a criação de fórmulas. 

Buscar especialistas para fazer uma análise maior de um determinado assunto, por exemplo, não vai deixar de ser importante. “Os robôs são amigos, não ameaças. O objetivo é resolver tarefas repetitivas para deixar nossa cabeça livre para fazer coisas criativas e complexas”. 

Além de saber lidar com tecnologia, o co-fundador e editor-chefe do Nexo, Conrado Corsalette, destaca que é importante ter uma base cultural sólida. Conhecer literatura é tão importante quanto  conhecer linguagens de programação. 

“Óbvio que a gente tem que lidar com dados, mas é óbvio que tem que ter lido Balzac. Precisamos resgatar a nossa potência como difusores de informação real, concreta. Em um mundo de redações industriais, antes bastava você ser bom redator ou bom apurador. Hoje, não basta mais”, afirma. 

Seminário será realizado nesta sexta-feira (26); inscrições são gratuitas O seminário O Futuro do Jornalismo, que discutirá os novos rumos e perspectivas do setor, faz parte das ações comemorativas dos 40 anos do CORREIO. Promovido pelo jornal, o evento ocorre nesta sexta-feira (26),  8h às 12h30, no Hotel Quality (Rua Dr. José Peroba, 244 – Stiep). 

As inscrições, que são gratuitas, podem ser feitas pelo bit.ly/jornalismodefuturo. O evento contará com apresentação de representantes de três iniciativas inovadoras que se tornaram referência mundial pela maneira como combinam comunicação, design e tecnologia: o co-fundador e editor-chefe do Nexo, Conrado Corsalette; a diretora de produto do Jota, Paty Gomes, e o líder técnico da Operação Serenata de Amor, Mário Sérgio. “O Jornal CORREIO é conhecido por estar sempre à frente do seu tempo, inovando e sendo reconhecido com diversas premiações nacionais e internacionais. Sendo assim, prontamente nos posicionamos a liderar um debate na Bahia sobre o futuro do jornalismo”, afirma o gerente de Marketing, Projetos e Mídias Digitais do jornal, Fabio Gois. O seminário tem curadoria do coordenador de Inovação do jornal, Juan Torres. “Estamos muito felizes por poder realizar esse seminário. Nexo, Jota e Operação Serenata de Amor são referências incríveis para veículos e profissionais que buscam incorporar a tecnologia ao jornalismo”, diz Torres. 

Conheça os palestrantes: 

Conrado Corsalette, cofundador e editor-chefe do Nexo, jornal digital que coleciona prêmios internacionais de jornalismo e design, entre eles um Malofiej e dois ÑH.

Patrícia Gomes, diretora de produto do Jota, site focado em cobertura do Judiciário, que acaba de ser eleito a melhor startup de jornalismo do mundo, pela Associação Mundial de Jornais e Editores (WAN-IFRA).

Mário Sérgio, líder técnico da Operação Serenata de Amor, projeto de inteligência artificial (IA) focado na investigação de gastos públicos e responsável pelo desenvolvimento da Rosie (@RosieDaSerenata), uma robô que monitora e divulga gastos suspeitos de deputados federais. Mário é também presidente da Associação Python Brasil (APyB) e gerente do programa de Inovação Cívica da Open Knowledge Brasil.

CORREIO 40 anos O projeto CORREIO 40 Anos tem oferecimento do Bradesco, patrocínio do Hapvida e Sotero Ambiental, apoio institucional da Prefeitura de Salvador, e apoio de Vinci Airports, Senai, Salvador Shopping, Unijorge, Claro, Itaipava Arena Fonte Nova, Sebrae e Santa Casa da Bahia.