Ruas vazias e nada de barulho: ausência do Carnaval deixa clima de nostalgia nos circuitos da folia

Sem festa pelo segundo ano consecutivo, resta as foliões esperar por 2023

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 28 de fevereiro de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

Quem passa pelas ruas dos circuitos de Carnaval neste final de fevereiro não reconhece o cenário que encontra. Não tem ambulante, não tem isopor, não tem arquibancada e camarote, não tem vai e vem de foliões. Só mesmo uma pandemia de covid-19 para impedir que a maior festa popular de Salvador aconteça. Enquanto se espera mais um ano, fica o vazio deixado nas ruas e a saudade da folia. 

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Nesta segunda (28), a tradicional Mudança do Garcia, que existe há mais de oito décadas, estaria levando seu protesto bem humorado do fim de linha do bairro até o Campo Grande. Dona Sônia Barbosa, de 74 anos, mora bem no meio do percurso e é apaixonada pela agitação. Todo ano, ela decora a varanda do prédio, que fica na Avenida Leovigildo Filgueiras, e mesmo sem festa, ela faz questão de enfeitar a casa.  

“Tem mamãe-sacode, máscaras na parede, caretas, colares, sombrinhas. Eu viajei e voltei na segunda, então, para não ficar em cima da hora, já deixei tudo pronto desde antes da viagem. E todo ano tem uma coisa nova, viu? Não é tudo igual. Neste ano mesmo eu fui em Feira de Santana comprar máscaras neon, tem amarelo, verde, rosa e laranja”, conta. 

Dona Sônia diz que faz questão de decorar todo ano e que sua varanda já é conhecida no prédio e na rua. “Eu me sinto viva, é meu jeito de dizer para as pessoas que estou viva também, ainda mais com esses tempos difíceis pelos quais estamos passando, tem que ter um pouco de alegria. Se não tem Carnaval na rua, eu trago a festa para a minha casa. Eu mesma fico aqui sentada na varanda admirando. E as pessoas gostam, minha varanda já é conhecida no prédio e na rua”, diz.

A aposentada mora no Garcia há 40 anos e conta que nunca perdeu uma Mudança. “Eu adoro uma festa, uma bagunça, reunir as pessoas. Enquanto eu estiver aguentando, eu faço festa. Reúno minhas amigas e minha família, minha casa enche, vem gente do interior passar Carnaval aqui, a gente faz feijoada. E não fico só de camarote, eu desço e vou até lá na frente; também vou no Campo Grande, nos camarotes de Ondina. Tendo música e gente animada, eu estou no meio!”, conta a aposentada.

Circuito Osmar A analista de faturamento Adriana Carvalho, de 51 anos, mora em frente ao Largo do Campo Grande e é fã de Carnaval. Ela conta que a sensação de chegar na janela de casa esses dias causa estranheza. “Na verdade já no início de fevereiro começa a montagem das coisas, aquele barulho. Bem na porta da minha casa fica normalmente uma arquibancada, a calçada fica cheia de grade, o prédio fecha com tapume, a gente coloca segurança reforçada. Então é bem estranho chegar na janela agora e ver aquele vazio, aquele silêncio, bate a saudade do Carnaval”, diz.    Adriana diz ainda que o apartamento, num local estratégico, vira ponto de apoio da festa. Ela convida os amigos, tem comida e bebida e, depois do aquecimento, vai todo mundo para a rua atrás do trio. “Aqui a coisa começa na quinta de noite com samba, então agora o esquema já estaria todo armado aqui, o apartamento estaria cheio de gente”, diz. Este ano, ela vai trabalhar normalmente, sem feriado, então o final de semana vai ser de descanso, sem reunir os amigos. Mas, para o ano que vem, os planos são outros. “Pretendo fazer um Carnaval em grande estilo, quero tirar o atraso desses dois anos sem a folia”, acrescenta Adriana, rindo.    Raimundo Nonato, de 60 anos, também conta como estaria o circuito Osmar em tempos normais. Ele é relojoeiro e tem um ponto na Praça Castro Alves há mais de 30 anos. “Eu nem estaria aqui porque só trabalho até quarta-feira porque na quinta já tem coisa por aqui. Aí só volto na outra quinta, depois que termina tudo mesmo. Mas tem gente que trabalha até quinta de manhã e já emenda na folia. Aqui fica cheio de ambulante, muita barraca, essa calçada aqui fica cheia mesmo, de um lado e do outro, quase não dá para passar. Ali mais na frente tem arquibancada, palco, os trios passam bem aqui, é aquela barulheira”, relembra.   Circuito Dodô Não tem grade, tapume nos prédios, ambulante vendendo doleira, bebida, glitter. Na Avenida Oceânica, nem sinal dos imponentes camarotes. O posto de gasolina perto do quartel da aeronáutica está desprotegido; no Morro do Gato, nada de banheiro químico. A calmaria da Avenida Almirante Marques de Leão, já na Barra, é de se estranhar. Onde normalmente ficam barraquinhas de cachorro-quente, mini pizza e churrasquinho, tem só um vazio.    Marluce Lima, de 53 anos, é atendente na Lanchonete Point do Gê, na esquina da Marquês de Caravelas com a Almirante Marques de Leão, e também mora na Barra. Ela conta que estar no meio do circuito durante essa semana deixa um clima de nostalgia. “Eu amo Carnaval, sempre vou para o circuito Barra/Ondina e desde os primeiros dias, aquele pré-Carnaval. Não perco nada!”, diz. “A confusão mesmo já começa na terça com o Pipoco de Léo Santana que desce aqui arrebentando tudo, então isso aqui já estaria fervendo há tempos. Agora está tudo quieto, tudo normal”, acrescenta.   O taxista Edvaldo Santos, de 57 anos, relembra logo a confusão dos ambulantes. Ele fica no ponto no final da Almirante Marques de Leão, em frente ao Farol da Barra, já há 32 anos. “Na terça tem o Pipoco de Léo Santana, na quarta já o Habeas Copos, Isso aqui estaria com aquela confusão de gente, com briga de ambulante. No último Carnaval mesmo teve uma briga feia na Afonso Celso, teve até morte de facada, garrafada”, lembra. “E eu nem estaria aqui porque bem aqui fica montado um posto policial, com barreira e banheiro público, os taxistas vão para o outro lado, com horário de acesso limitado. Faz falta porque é aquele movimento e a gente ganha na semana do Carnaval o que ganha normalmente em um mês inteiro”, lamenta o taxista.    A aposentada Graça Camargo, de 65 anos, mora em frente ao quartel da aeronáutica, em Ondina, há 40 anos. Ela sempre aluga o apartamento durante o Carnaval, mas, nesses anos sem folia, fica sem a grana extra. “Eu não curto muito o Carnaval porque acho muita barulheira aqui na porta, então eu alugo, pego um dinheirinho e vou viajar. Mas esses dois últimos anos, sem Carnaval, não teve quem alugasse. Mas aí também não tem a confusão na minha porta, então está tudo certo, vou ficar aqui mesmo, até porque não tem feriado”, explica.    Ela é síndica e conta toda a preparação que o prédio faz para a semana de festa. “Aqui no prédio, a essa altura, aqui na frente já estaria com tapume, os moradores já estariam com adesivo para o carro, a gente já estaria distribuindo as pulseirinhas para os moradores porque é um controle que a gente faz para não entrar qualquer um. Porque aqui na porta fica cheio de gente, os ambulantes mesmos vêm cedo, dormem aqui na rua mesmo. Teve um ano mesmo que eu chamei todo mundo para tomar banho aqui dentro de manhã”, lembra. 

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