Salvador criativa: veja negócios locais que unem invenção e tecnologia

Nas ruas, na universidade e no setor público, capital baiana se abre para novos modelos

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 29 de março de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Nunca houve um estudo científico que colocasse a criatividade baiana acima da média ou característica do povo do lugar. Sempre houve, mesmo, provas de uma aptidão para as invenções e inovações. Agora, Salvador está pronta para ser projetada, oficialmente, como a capital da economia criativa do país. Das ruas às telas do computador, o baiano tenta fazer por merecer o título. 

A partir de 2015, inspirado pelo amadurecimento de iniciativas federais como a criação da extinta Secretaria de Economia Criativa e células locais, o cenário começa a mudar. Foi no final de 2018 que um novo projeto anunciou a pretensão de tornar a capital baiana o pólo da criatividade brasileira. 

CLIQUE AQUI E CONFIRA ESPECIAL 'FELIZ-CIDADE' SOBRE OS 470 ANOS DE SALVADOR 

A economia criativa soteropolitana receberá um investimento da Prefeitura no valor de R$ 300 milhões, com ações voltadas para o audiovisual, fotografia, novas mídias, design, gastronomia, games, moda, artes, literatura, música e artesanato. Tudo acontecerá num Hub, entregue até o próximo ano, no Comércio, onde já funciona o Hub Salvador, voltado para tecnologia. 

A ideia é criar um Hub de economia criativa e potencializar o segmento composto por negócios inventivos intelectual e culturalmente, em áreas variadas. "Entre 2004 e 2013, o PIB da indústria criativa cresceu 69%. Por isso, estamos implantando esse polo de economia criativa, para dar todo o apoio e suporte e potencializar esse capital. Vamos considerar as potencialidades da nossa cidade", diz Bruno Reis, vice-prefeito de Salvador e secretário de Infraestrutura Ainda não há estimativa oficial de quanto a economia criativa representou, oficialmente, na economia local. Mas, atualmente, a previsão do Sebrae é que existam 6,4 mil empresas do ramo somente em Salvador. O ganho salarial também despertou atenção do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil de 2016: a remuneração média mensal dos profissionais criativos é de R$ 6 mil na Bahia, enquanto a dos demais profissionais não passa de R$ 2,4 mil.

No ano passado, o Sebrae iniciou um levantamento de negócios criativos em seis bairros. A descoberta comprovou uma eferversência.“Aqui, temos uma diversidade muito grande. É muito rico, é real e é próprio daqui. Nós exportamos isso para o Brasil inteiro”, avalia Ana Paula Almeida, gestora de economia criativa do Sebrae.No próximo semestre de aulas da Universidade Federal da Bahia, uma nova matéria será incluída no currículo. São quatro pessoas envolvidas na formulação de uma disciplina dedicada ao ensino de novos modelos de negócio. Elas pretendem incentivar os alunos em formação a usar a tecnologia como aliada de outros tipos de empreendedorismo, hoje o modelo de negócios de sucesso.“É um ganha-ganha. Sem sombra de dúvidas, a tecnologia é essencial”, acredita o chefe de departamento do curso de Computação, Ivan do Carmo Machado.Apostando na terra O primeiro grande destaque de Salvador no ramo da economia criativa foi a música. Os trios elétricos e a axé music foram, durante anos, a sustentação da cadeia produtiva do setor, opina Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Matos. Agora, o audiovisual desponta. "O audiovisual deu um salto desde a lei [12.485 de 2011] que obriga conteúdos nacionais na rede fechada de televisão. Hoje é fundamental", acrescenta. Até junho deste ano, será lançada a Salvador Filmes, produtora ligada à Fundação, com o objetivo de fomentar mais o setor. Tem Dendê Produções atua com mão de obra local (Foto: Divulgação) A Tem Dendê Produções aposta na diversidade cultural de Salvador desde o princípio. Há 20 anos, Vânia Lima e o marido, Cláudio Antônio, decidiram criar uma produtora de filmes. Havia uma brincadeira de que tinham dendê, ou seja, produziam de um jeito diferente, único. Até porque a produtora decidiu trabalhar apenas com mão de obra local. "Queríamos marcar a produtora com nosso lugar de origem", lembra. Hoje, a Bahia, com destaque para Salvador, é a cidade nordestina com maior capacidade de captação de recurso para produções audiovisuais, segundo a Agência Nacional de Cinema. "Vivemos num lugar com muitas histórias. É um mercado forte e atuante. Hoje, temos mais do que dendê. Provamos que o dendê está funcionando", diz Vânia. O avanço dos projetos criativos, acredita Guerreiro, também está diretamente ligado à retomada do turismo em Salvador. O Carnaval deste ano, por exemplo, foi o mais cheio da década, depois de anos. No último Verão, a cidade foi a única do Nordeste entre os 10 destinos mais visitados. Prato cheio para quem produz o que o turista quer levar na memória: uma parte da cidade. "Não podemos deixar de falar do turismo que é uma sustentação para tudo isso. É um elo fundamental. Estamos tentando potencializar essas pessoas", diz Fernanda Guerreiro. Foi justamente a aposta da cozinheira Tereza Paim. A baiana decidiu investir, com a abertura do restaurante Casa de Tereza, no Rio Vermelho, na mistura de manifestações artísticas típicas da cultura baiana. Das comidas baianas aos quadros distribuídos em salões temáticos, como o que homenageia Yemanjá."A intenção foi linkar a minha arte com outras artes baianas. O princípio básico é sentir, provar e viver a Bahia. Sempre trabalhávamos com isso. Não tem como não ser criativo, a Bahia é um celeiro criativo muito forte", conta Tereza.Criatividade tecnológica No ano de 2015, Eduardo Fiuza começou a analisar o problema de controle dos pontos dos funcionários nas empresas atendidas por seu negócio de Recursos Humanos, criado em 2008. Do problema, decidiu partir para a solução. Então, nasceu o sistema QR Point, oficialmente lançado no início de 2017. Por meio do aplicativo, os funcionários registram seus horários, através de um sistema de reconhecimento facial e acompanhamento online dos chefes. Eduardo Fiuza (de vermelho) criou um sistema em que funcionários registram horários por reconhecimento facial (Foto: Arisson Marinho) Dois anos depois da ideia, aplicada inicialmente em Salvador e Região Metropolitana, o sistema já é utilizado por 370 empresas, em todos os estados brasileiros.“Sempre soube que precisava buscar a dor para buscar a solução. Tínhamos uma equipe de 12 funcionários e 80 terceirizados, em Dias D’Ávila, Camaçari e Simões Filho. Vimos que era uma possibilidade grande de negócio, porque simplificamos o controle e a empresa controla tudo na nuvem”, explica Fiuza.A ideia de Eduardo surge justamente quando a economia criativa inicia mais intensamente o intercâmbio com a tecnologia. Naquele ano, um evento nacional de startups mostrou a incipiência do setor. Das 18 participantes, apenas quatro baianas. Atualmente, reunidas na Associação Baiana de startups, são 22.“Mostramos que existiam coisas na Bahia e incentivamos outras. O baiano é criativo para arte, cultura, festa... criatividade para outro campo. Faltava saber como agregar a capacidade natural do baiano ao tecnológico”, acredita Rodrigo Paolilo, CEO da Rede+, organizadora do projeto.A tecnologia também foi aliada de Leonardo Araújo quando, em 2017, ele decidiu investir na gastronomia. Quer dizer, no ramo dos ovos. Sim, enquanto circulavam os "carros do ovo" próximos à sua casa, Leonardo pensava: e quem não tem tempo para descer e comprar? Criou,em resposta, o site do Ovo, que disponibiliza planos semanais, quinzenais e mensais de venda de ovos. Em junho do ano passado, o negócio se transformou em franquia.“Estava certo que o povo ia me chamar de maluco. Quando eu contei, todo mundo ficava: ‘genial, como não pensei nisso?’. Como eu não pensei nisso? Digamos que somos um Netflix dos ovos”, brincou Léo. Outro exemplo vem do meio jurídico. A ideia sempre foi conectar as pessoas à Justiça. Foram os primeiros a aliar tecnologia a um problema antigo, a dificuldade de acesso à informação jurídica e pública. Assim nasceu, em 2008, a Jusbrasil: sistema online onde há disponibilização de processos, troca de informações, indicações de profissionais. E tudo por criação de três soteropolitanos: Rafael Costa, Daniel Murta e Rodrigo Murta.

A Jusbrasil revolucionou a busca por documentos e orientações jurídicas. Começaram com apenas cinco funcionários na sede de Salvador, no Caminho das Árvores. Hoje, são 110. Com meta de chegar aos 160 ainda este ano. Diariamente, são 2 milhões de pessoas no site jurídico, pouco menos dos 2,6 milhões de habitantes de toda a Salvador em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Os empreendedores começaram apenas com investimento de R$ 400 mil. "Eu costumo dizer que a gente não teve que fazer uma empresa, mas simular todo um ecossistema para inserir nossa empresa dentro".

Entraves Os gargalos encontrados por quem pretende iniciar na economia criativa, no entanto, ainda persistem. E passam pelo próprio entendimento dos empresários quanto suas respectivas atuações. Muitos empreendedores criativos não se enxergam como tais. “A informalidade é um dos maiores problemas de Salvador. A falta de visão do negócio... Alguns não se veem como empresa, embora lucrem bastante", avalia Ana Paula, da gerência Criativa do Sebrae. 

Os investimentos no setor devem melhorar a questão da percepção, acredita Bruno Reis. Oferecer capacitação é possibilitar aos empreendedores criativos o autoconhecimento. "O que vamos oferecer é suporte e espaço para a produção, curso de profissionalização. A economia criativa nos é de grande valor", continuou.

As formas de exploração do espaço ainda são estudadas. No caso do Hub Tecnológico, por exemplo, houve elaboração de editais. Uma virada de chave para que a criatividade soteropolitana chegue onde quiser chegar nos próximos 470 anos. 

GLOSSÁRIO

CEO: o termo em inglês referente a Chief Executive Officer, ou seja, é o Diretor Executivo da empresa. 

Economia criativa: engloba negócios necessariamente baseados no capital intelectual e cultural e na criatividade que geram valor econômico.

Ecossistema: rede que diz respeito à empresa, seus respectivos fornecedores, investidores, clientes e outros parceiros, além do próprio cenário do setor. 

Startup: negócios inovadores, com base tecnológica. 

Hub: nome de ambientes onde empreendedores trabalham juntas, trocarem informações e participarem de atividades coletivas.

*Com supervisão da editora Mariana Rios