Salvador da fé: além de praias e Carnaval, capital aposta em turismo religioso

Roteiros contam com visitação de igrejas, terreiros e marcos históricos; veja

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 2 de abril de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Uma igreja em Salvador para cada dia do ano. A conta que praticamente virou lenda na Bahia e fora dela já era cantada no verso “365 igrejas a Bahia tem”, por Dorival Caymmi, em 1957, quando lançou o álbum Eu Vou Pra Maracangalha. De lá para cá, a contagem subiu e Salvador tem, pelo menos, 372 igrejas – católicas.  Já os terreiros de candomblé eram 1.296 há 12 anos, quando a Fundação Cultural Palmares fez um mapeamento na capital.

Ou seja, Salvador pode até ser vendida aos turistas como a cidade do Carnaval e um destino de praias. Mas vocação também não falta quando o assunto é turismo religioso. Na semana passada, por exemplo, um grupo de 90 gaúchos dedicou um dia inteiro visitando templos religiosos. Foram da Conceição da Praia ao Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, passando pela Igreja Nossa Senhora do Pilar e pela Paróquia Nossa Senhora dos Alagados e São João Paulo II.

Prova de que um roteiro religioso tem saída por aqui é que a fé é responsável por trazer, todos os anos, cerca de 5 milhões de pessoas à Bahia. O número representa 25% do total de visitantes que chegam ao estado todos os anos por diversos motivos, de acordo com a Secretaria de Turismo do Estado  (Setur).

O secretário de Turismo da Bahia, Fausto Franco, afirmou que o estado possui inúmeros atrativos turísticos, mas a religiosidade ajuda a ampliar a capacidade da cadeia turística. “O turismo movido pela fé também leva os visitantes a conhecerem outros atrativos, beneficiando o entorno do destino principal”, disse.

O potencial tem tudo para ser aproveitado também pela capital, inclusive na baixa estação: “Nossa cidade é estruturada sob bases históricas incríveis, voltadas para as religiões de matrizes africana e católica. A Secult, então, tem investido em infraestrutura e requalificações urbanísticas para atrair o turista que vem em busca da rota religiosa”.   Um dos visitantes que aproveitaram o que Salvador tem a oferecer foi o gaúcho Sidney Libardi, que visitou igrejas logo na primeira visita à cidade. De Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Sidney se encantou com a Paróquia Nossa Senhora dos Alagados e São João Paulo II, no bairro do Uruguai. E olha que a igreja, construída na década de 1980, nem é dos templos seculares, que entram no roteiro de qualquer turista.“Achei muito bonito ter um dia inteiro destinado ao turismo religioso. A cidade é, de modo geral, muito atrativa, muito encantadora. Mas eu gostei demais de visitar as igrejas, principalmente essa paróquia, porque temos acesso à cultura do bairro, à pobreza, como também existe onde eu moro”, disse, após uma visita semana passada. Sidney Libardi veio de Caxias do Sul (RS) e se encantou pela Paróquia dos Alagados (Foto: Marina Silva/CORREIO) A paróquia que chamou tanta atenção fica no bairro do Uruguai e foi construída em apenas três meses, como contou José Lima, o Zezito, 75 anos, membro da Pastoral do Turismo de Fé. “Foram muitos homens trabalhando 24 horas por dia e, em 7 de julho de 1980, a igreja foi inaugurada, com a bênção do papa João Paulo II”, explicou, lembrando a visita do pontífice, que já fez gente do mundo todo ir ao local.

Caminho da Fé No ano passado, foi criado o Caminho da Fé - uma rota de um quilômetro ligando o Santuário de Irmã Dulce à Basílica do Bonfim. Os dois espaços estão entre os mais visitados por peregrinos em todo o país.

E mesmo que a rota ainda esteja em fase de implantação, segundo a Pastoral do Turismo de Fé (Pastur), o projeto já rendeu frutos: um crescimento de 7% no turismo religioso na capital, de acordo com a Setur. “Muitas cidades estão construindo atrativos em razão do turismo religioso. Nós já temos todos em Salvador. E olha que nem estamos falando do turismo cultural, em igrejas, que é o caso do Centro Histórico. Temos atrativos de pelo menos três ou quatro dias para o turista religioso”, explicou o padre Manoel Filho, coordenador da Pastur. Após Caminho da Fé, turismo religioso cresceu 7%, de acordo com dados da Setur (Foto: Marina Silva/CORREIO) O secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Cláudio Tinoco, afirmou que a cidade ainda não é reconhecida pelo turismo de fé, mas investimentos têm sido feitos. Um dos exemplos é a requalificação da Colina Sagrada e do Terreiro de Jesus, além do centro cultural do Gantois.

As intervenções já foram vistas pelo grupo de visitantes gaúchos, que enfrentaram até a chuva que cai na capital para subir a Colina Sagrada e amarrar a tradicional fitinha nas grades da Basílica.

“O que mais me comoveu foram os passeios relacionados à fé”, declarou a turista Ereniza Marque Antoniolli, também de Caxias do Sul (RS), que pretende voltar muitas vezes a Salvador. Ereniza também veio de Caxias do Sul e cumpriu rota do turismo religioso em Salvador (Foto: Marina Silva/CORREIO) Quem também fez esse passeio foi a fluminense Ludmila Prevot, 28. “Rezei bastante, me emocionei, senti uma energia muito boa e aproveitei para amarrar duas fitas na grade e uma no braço, com aqueles três pedidos”.

Diversidade Mas, assim como Salvador não é só praia e Carnaval, o turismo de fé na capital baiana também não se resume às igrejas católicas. Conhecida pelo sincretismo religioso e pela força das religiões de matriz africana, há quem venha conhecer os terreiros.

Mãe Carmen de Oxalá, ialorixá do Terreiro do Gantois, explicou que o sincretismo existe porque os negros não podiam cultuar os próprios orixás. No dia de Santa Bárbara, por exemplo, “os negros da senzala faziam o culto a Iansã”. Em maio do ano passado, Terreiro do Gantois recebeu visita da princesa de Osogbó, a nigeriana Ìyá Adedoyin Talabi Faniyi (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO) Quando esteve em Salvador, a carioca Bárbara Soares, 23, fez questão de conferir a Fogueira de Xangô, no Gantois: “Me recomendaram ir de roupa clara, de preferência na cor branca. Eu fui e me emocionei muito, desde a bênção que recebi de Mãe Carmen até o momento da fogueira acesa, com as danças e toda aquela tradição do povo negro e de santo”.

Já a baiana Ana Reis, 56, que nasceu e cresceu em Salvador, mas, atualmente, mora em Portugal, sempre vem participar das Águas de Oxalá, também no Gantois. “Janeiro é um mês especial para mim e eu, sempre que posso, volto para fazer parte do ritual em homenagem a Oxalá”, declarou.

No entanto, cada terreiro, seja de candomblé ou umbanda, tem festas e comemorações em datas específicas. Em dias festivos, costuma ser permitida a participação do público, mesmo de quem não faz parte do terreiro. Além de respeitas as tradições, as pessoas não devem fazer imagens dos rituais e cerimônias, além de sempre optar por roupas de cores claras.

Das ruas de Salvador, a cultura africana e os orixás fazem parte, hoje, da vida de muitas pessoas, seja através do culto, da fé, de leituras, músicas. Segundo Guaraci M. Santos, Sacerdote no Candomblé e mestre em Ciências da Religião, a festa, para o Candomblé, é o momento de interrelação entre os mundos físico e espiritual.“Em resumo, é a consagração de uma mensagem de agradecimento a Nzambi (Deus) pela vida cotidiana de fé e de amor, na esperança de dias melhores”, disse GuaraciTrade turístico defende preparo técnico Apesar do potencial inegável para o turismo religioso, Salvador ainda não explora sua capacidade ao máximo. É o que afirma o presidente do Salvador Destination, Roberto Duran. “O Caminho da Fé, de peregrinação, foi criado como uma forma de se desenvolver, de forma técnica, um turismo religioso de grande volume. É a primeira vez que se concebe, em Salvador, uma possibilidade de se desenvolver esse ramo. Em vários destinos do mundo é uma forma gigantesca, que tem fidelidade enorme e com grandes volumes de turistas. Nós ainda não conseguimos explorar essa área”, afirmou.

A criação do Caminho da Fé foi uma sugestão do trade turístico, inclusive. “Essa opção vem se desenvolvendo, como nós pensamos que iria acontecer, e agora temos que pensar em outros locais para prepará-los tecnicamente”, disse Duran.

A ideia do turismo religioso é motivar que pessoas venham para Salvador justamente para visitar atrativos que estejam no hall da religião - e não somente que, enquanto estiverem aqui, passem nas igrejas, por exemplo: “A proposta é atrair esse segmento de pessoas que se programam para fazer devoção em algum santuário, que é o que acontece em outros lugares”.

O presidente da Salvador Destination ainda afirmou que, além da religião católica - que é o caso do Caminho da Fé -, Salvador também  pode desenvolver seu potencial com as de matriz africana e as judaicas. “Temos os seculares e históricos terreiros, também temos grandes pontos de sinagogas e de simbologia forte da cultura judaica”, defendeu.

Prefeitura apoia todas as manifestações O secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Cláudio Tinoco, ressaltou que o município mantém diálogo aberto com as diversas manifestações religiosas, na medida em que é parceiro da Arquidiocese de Salvador - uma vez que investiu no Palácio da Fé -, das religiões de matriz africana - o que gerou, por exemplo, a inauguração do Centro de Referência do Gantois - e das igrejas evangélicas - a prefeitura criou a Praça da Bíblia.“É importante lembrar que o Estado é laico e a gente  apoia toda e qualquer manifestação religiosa”, disse Tinoco.Os gaúchos que fizeram  uma rota religiosa destacaram a questão cultural, além da espiritual. “Sejam igrejas, terreiros de candomblé, bairros históricos, nossa viagem tem como objetivo a cultura”, disse Susana Rocha, 74 anos. Grupo de 90 gaúchos dedicou um dia a conhecer igrejas em Salvador; uma delas foi a Paróquia dos Alagados, abençoada pelo papa João Paulo II (Foto: Marina Silva/CORREIO) Veja dicas de terreiros e igrejas para visitar:

BOCA DO RIO: - Ilê Odô Ogê (Terreiro do Pilão de Prata) - Estrada do Curralinho, 298 - Tel: (71) 3341-9055

BONFIM: - Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres - Avenida Dendezeiros do Bonfim, 161 - Tel: (71) 3310-1100- Basílica Santuário Senhor do Bonfim - Praça Sr. do Bonfim, s/n - Tel: (71) 3316-2196

CARMO: - Igreja da Ordem Terceira do Carmo - Rua do Carmo, 1- Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo - Rua do Passo, 52A - Tel: (71) 3241-6297

COMÉRCIO: - Igreja da Ajuda - Rua do Tesouro, 62 - Tel: (71) 3322-3296- Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia - Rua da Conceição da Praia, s/n - Tel: (71) 3038-6250/3038-6254

CURUZU: - Terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe - Rua Direta do Curuzu, 222- Ilê Axé Jitolú (Ilê Aiyê) - Rua Direta do Curuzu, 228 - Tel: (71) 2103-3400

ENGENHO VELHO DA FEDERAÇÃO: - Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca) - Avenida Vasco da Gama, 463 - Tel: (71) 3335-3100

FEDERAÇÃO: - Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê (Terreiro do Gantois) - Rua Mãe Menininha do Gantois, 23 - Tel: (71) 3331-9231- Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó (Casa de Oxumarê) - Avenida Vasco da Gama, 343 - Tel: (71) 3237-2859 / 3331-0922

LAURO DE FREITAS (RMS) - Ilê Axé Opô Aganjú - Rua Sakete, 32, Alto da Vila Praiana - Tel: (71) 3378-2972

MATA ESCURA: - Mansu Bandu Kenkê (Terreiro do Bate Folha) - Avenida Dionísio Brito Santana, s/n - Tel: (71) 3306-2163

MATATU: - Ilê Maroiá Láji (Terreiro de Alaketu ou Olga de Alaketu) - Rua Luis Anselmo, Beco do Alaketu, 13 - Tel: (71) 3381-6298

PELOURINHO: - Igreja e Convento de São Francisco - Largo do Cruzeiro de São Francisco, s/n - Tel: (71) 3321-6968- Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - Largo do Pelourinho, 25 - Tel: (71) 3421-5781- Catedral Basílica de Salvador - Terreiro de Jesus - Tel: (71) 3321-4573- Venerável Ordem Terceira São Domingos Gusmão - Terreiro de Jesus - Tel: (71) 3242-4185

SÃO GONÇALO DO RETIRO: - Ilê Axé Opó Afonjá - Rua Direta de São Gonçalo, 557 - Tel: (71) 3384-5229 - o espaço foi fechado após a morte da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, em dezembro de 2018, e será reaberto no período de um ano.

TROBOGY: Onzo Nguzo za Nkisi Dandalunda ye Tempo (Terreiro Mokambo) - Rua Heide Carneiro, 89 - Tel: (71) 3360-6668

URUGUAI: - Igreja de Nossa Senhora dos Alagados e São João Paulo II - Rua Luiz Régis Pacheco, 1618 - Tel: (71) 3314-5087

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier