Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Waldeck Ornelas
Publicado em 30 de agosto de 2022 às 05:20
- Atualizado há 2 anos
Depois de mais de três séculos vivendo em função do mar, Salvador inadvertidamente deu-lhe as costas. Em sua forma peninsular, a cidade tem 65km de praias ao longo de dois eixos do seu litoral, existindo apenas uma borda continental, ao norte. O que pouca gente sabe é que mais da metade do território do município é superfície molhada, na Baía de Todos-os-Santos. Sim, dos 693,8 km² do município da Capital, nada menos que 350 km² são na BTS, no conceito de águas interiores, onde estão as suas ilhas, sendo a dos Frades, a de Maré e a de Bom Jesus dos Passos as mais conhecidas.>
Tendo sido o maior porto do Hemisfério Sul, Salvador tem hoje quatro das onze instalações portuárias da BTS: um porto público, o de Salvador, com o Terminal Marítimo de Passageiros – onde aportam os cruzeiros turísticos – e o Tecon, importante terminal de contêineres; dois TUP – Terminais de uso privado: o Terminal Portuário Cotegipe, dedicado à exportação de soja e à importação de trigo e cevada, e o Terminal Marítimo de Granéis, antigo terminal da USIBA, ora em fase de expansão e modernização; além de uma instalação militar, a Base Naval de Aratu, que dispõe de um importante dique seco, com grande capacidade industrial pouco utilizada.>
Apesar de tanta água em volta, a participação do transporte hidroviário no município é insignificante. Há muito tempo o vapor de Cachoeira não navega mais no mar...>
Desde que as políticas públicas fizeram opção equivocada pelo modal rodoviário, temos apenas o ferry-boat, que faz a ligação Salvador – Bom Despacho. Saindo de Água de Meninos, o ferry é um equipamento desenhado para automóveis e que, por falta de opções, terminou se tornando também meio de transporte para passageiros.>
A necessidade consolidou como linha de passageiros a ligação Salvador – Mar Grande, com saída do Terminal Turístico Náutico da Bahia, no edifício-sede da antiga Companhia de Navegação Bahiana. Apesar de licenciada e fiscalizada pela Agerba, esta é uma linha operada por embarcações que não oferecem conforto e segurança necessários.>
Há o Terminal Marítimo de Paripe, muito limitado e em condições precárias, ainda recentemente interditado após desabamento parcial, de onde partem embarcações para as Ilhas de Maré e dos Frades e o município de Madre de Deus. Aqui, não basta recuperar, mas implantar um terminal digno deste nome e do estabelecimento de linhas regulares.>
No âmbito municipal existe a travessia Ribeira-Plataforma, cujos terminais implantei, quando secretário do Planejamento, pela CONDER, nos anos 1980, recentemente reformados.>
Portal da Baía de Todos-os-Santos e Capital da Amazônia Azul, Salvador precisa lançar-se ao mar. Debruçada sobre a BTS, a cidade vê a imensa baía – uma das mais belas do mundo –, mas não a incorpora, usa ou desfruta. >
Quem conta com uma campeã olímpica do porte de Ana Marcela Cunha não pode se contentar em ter apenas a travessia a nado Salvador-Mar Grande como evento isolado e sem maior repercussão. Esportes e turismo náuticos constituem uma opção de grande potencial para Salvador e a BTS.>
No bairro do Comércio, não adianta reconquistar o espaço dos antigos armazéns do porto para eles se tornarem estacionamento de automóveis para privilegiados (não faltam edifícios-garagem na região) ou ser reocupado por novos equipamentos. Não basta ao povo ver o mar; é preciso ter acesso ao mar: as pessoas precisam poder circular pelo antigo cais do porto. O Forte de São Marcelo tampouco pode continuar ao mesmo tempo tão perto e tão distante.>
2023 promete: após a oficialização de uma Estratégia de Desenvolvimento da Economia Náutica, a Prefeitura atrai a realização do boat show com a Grand Pavois, e o cibergrupo Kirimurê, em parceria com a Fundação Aleixo Belov, está a organizar uma premiação náutica para comemorar os 80 anos do grande navegador. Parecem indicar um novo momento na relação entre Salvador e o Mar.>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional, autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento. >