Salvador e RMS têm 16 homicídios em um dia de greve de grupo de PMs

O número é cinco vezes maior que a média das quintas do mês passado

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  • Bruno Wendel

Publicado em 11 de outubro de 2019 às 16:31

- Atualizado há um ano

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 (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A sala de espera do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) mal cabia tanto sofrimento. Eram mães, pais, irmãos, esposas, filhos, avós, todos compartilhando da mesma dor. Das 0h até 23h59 desta quinta-feira (10), foram registrados 16 homicídios em Salvador e Região Metropolitana. O número, que inclui a morte da namorada de um PM na Federação, é cinco vezes maior que a média das quintas-feiras do mês de setembro, que foi de três homicídios.

O aumento foi registrado no segundo dia de greve de um grupo de policiais militares da Bahia. Desde o dia 8 deste mês, quando o grupo resolveu parar suas atividades por tempo indeterminado, Salvador e RMS vêm registrando sucessivos casos de arrombamentos de estabelecimentos comerciais, disparos de arma de fogo contra agências bancárias, toque de recolher, saques e ônibus atravessados em vias. 

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que a Polícia Civil, com apoio da Corregedoria da PM, investiga se há relação das ações criminosas com o grupo que convocou a greve. Já a Polícia Militar, por sua vez, pediu para contactar a SSP. Para o Ministério Público, não há greve da PM e as ações criminosas que têm acontecido podem ser enquadradas na Lei de Segurança Nacional. 

“Essas condutas que estão sendo praticadas, no âmbito criminal principalmente, estão sendo monitoradas de perto pelas equipes do Ministério Público. As ações civis e criminais já estão sendo gestadas. Estamos analisando a possibilidade de enquadramento na Lei de Segurança Nacional de alguns desses atos”, afirmou o procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional  de Segurança Pública, Geder Gomes.

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Dor Entre quem estava no IMLNR na manhã desta sexta, a irmã de Emerson Vasconcelos Santos, 20 anos, assassinado a tiros em Itinga, bairro de Lauro de Freitas (RMS), por volta das 12h10 desta quinta-feira (10). “Ele estava respondendo na Justiça porque, há mais ou menos três meses, foi encontrado com uma pequena quantidade de maconha. Nem estava mais morando aqui, mas no interior. Daí veio assinar o papel e depois foi visitar a gente (família), em Itinga. E aí mataram ele. A gente não sabe o que houve, se ele devia ou não, não sabemos”, contou ela, aos prantos, preferindo não se identificar.

Além de Itinga, foram registradas mortes em Praia Grande (3), Camaçari (4), Simões Filho (2), Sete de Abril (1), Cidade Nova (1), São Sebastião do Passé (1), Mata Escura (1) e Ilha Amarela (1).  (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Na Federação, Fabiana Alves Nascimento do Carmo, 40 anos, foi morta com um tiro na cabeça por volta das 19h dessa quinta-feira (10). A ação ocorreu próximo a uma pastelaria na Rua Sérgio de Carvalho, na região do Parque São Brás. A vítima foi socorrida pelo companheiro, que é policial militar, para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas já chegou à unidade de saúde sem vida.

Indícios A SSP vem divulgando informações que dão indícios de suposto envolvimento de grevistas nas ações criminosas, a exemplo do caso do policial militar baleado durante um ataque na noite dessa quinta-feira (10), na Suburbana, em Itacaranha, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. O soldado Anselmo Souza dos Prazeres, lotado na 18ª Companhia Independente da PM (CIPM/Periperi) e que seria ligado à Aspra, acabou ferido.

Outro PM foi o detido por equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) no mesmo dia. O PM estava fora de serviço e com duas armas e colete balístico, em uma motocicleta, próximo ao Shopping Paralela. Ainda de acordo com informações da SSP, as equipes do Bope voltavam de uma reunião de alinhamento quando avistaram um homem parado e agachado na Avenida Tamburugy, ao lado de uma moto, por volta da meia-noite.

Depoimentos dos policiais militares vítimas de um grupo criminoso que atirou contra uma viatura da 48ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Sussuarana), no bairro de Tancredo Neves, na noite de quarta-feira (9), trouxeram detalhes que apontam para a participação de integrantes do movimento que convocou a greve. A informação foi divulgada nessa quinta-feira (10) pela SSP-BA.

Repercussão O especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo, coordenador do curso de direito do Centro Universitário Estácio da Bahia comentou as suspeitas divulgadas pela SSP. “É muito arriscado afirmar [que há envolvimento de grevistas]. Prefiro acreditar que delinquentes criem oportunidades a partir da redução de policiais”, diz.

"Criminalizar pela prática de outras ocorrências, tem que se provar. A exemplo do Anselmo (soldado). Provavelmente quando chegou, a guarnição não imaginava que ele era policial e atirou.  Ele não atravessou o ônibus para assaltar. Fez isso para causar transtorno à população. Anselmo foi flagrado, mas pode ter sido um fato isolado dentro do próprio movimento. Sempre nesses movimentos tem os radiciais, que agem independentemente dos demais por não concordar com o posicionamento de diálogo da liderança", avaliou Melo.  Ônibus foi atravessado na Suburbana (Foto: Reprodução) A Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA) disse que acompanha os casos. “A gente está atento, acompanhando pela imprensa o desenrolar dos fatos. Temos uma comissão do direito militar que conhece essa temática com propriedade, acho que o estado tem que cumprir a lei. Não posso afirmar fatos que não tenho certeza, que policiais estão envolvidos nessas ações, se comprovar, terão que responder. Nós pensamos que a lei tem que ser cumprida”, disse o presidente da OAB-BA, Fabrício de Castro Oliveira. 

Para ele, é possível que o movimento exista sem violência. “É legítima a busca por melhor condição de trabalho para a categoria, mas tem que fazer isso de acordo com a lei. O Supremo já decidiu há tempos a impossibilidade de greve de militares. É impossível a situação de violência por policiais. Espero que haja compreensão desse seguimento nesse momento, mas que faça essa pretensão dentro da lei, com paz, preservando a segurança da população”, declarou ele. 

No total, 11 pontos integram a lista das reivindicações dos policiais militares, como a construção de um plano de carreira, de um código de ética, a reforma do estatuto da corporação e o reajuste do auxílio alimentação e do benefício da Condição Especial de Trabalho (CET). O comandante geral da PM, Anselmo Brandão, já disse à imprensa que analisou cada um dos pontos reivindicados pelos grevistas e que as pautas são extensas, não dependem apenas da Polícia Militar, como as mudanças no Planserv. Dependem ainda da arrecadação do estado.

Aspra O presidente da Associação dos Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra/Bahia), o deputado estadual Marco Prisco, negou que o movimento grevista tenha algum tipo de envolvimento nas ações criminosas. “Até o momento, o secretário de Segurança, Maurício Barbosa, não apresentou provas materiais que liguem os autores ao movimento. Se estão agindo, não é com consentimento do movimento”, afirmou Prisco. 

Em um dos vídeos dos ataques dos bandidos divulgados para SSP, dois homens numa moto catam algumas cápsulas após atirarem contra uma agência bancária na Calçada. Essa prática é comum quando policiais não querem que sejam identificados como os autores dos disparos. Perguntando se os motoqueiros seriam PMs, Prisco respondeu: “Temos visto bandidos arrombando mercados de cara limpa. Quem garante que esses motoqueiros não são também bandidos e cataram as cápsulas para culpar os policiais pelos seus atos?”.