Salvador: requalificação de vias e blitze ajudam a reduzir mortes no trânsito

Capital é destaque em documentário por redução acima da meta estipulada pela OMS

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  • Thais Borges

Publicado em 29 de novembro de 2018 às 05:05

- Atualizado há um ano

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Aos 16 anos, Claudiene morreu em um acidente de trânsito na Avenida Paralela. O carro em que ela estava capotou cinco vezes. O pequeno Jeferson, 10, estava na calçada na frente de casa, acompanhado da mãe, quando foi atropelado. Anderson, 32, não resistiu quando a moto que conduzia foi atingida por um caminhão. Henrique, aos 21, bateu o carro que dirigia em um poste. 

Essas foram algumas das vítimas fatais do trânsito em 2012, só em Salvador. Ao todo, naquele ano, foram 239 acidentes com mortes – 247 pessoas tiveram histórias interrompidas. Em 2017, o número de vítimas fatais do trânsito caiu para 121, em 116 acidentes – em cinco anos, a redução de acidentes chegou a 51%. Em 2018, até setembro, foram 81 acidentes com 84 mortes. 

Em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) tinha estabelecido uma meta de reduzir as mortes no trânsito em pelo menos 50%, na década de 2010 a 2020. Com esses números, de 2012 a 2017, Salvador já conseguiu atingir o índice – três anos antes do fim do prazo. A capital adotou uma série de medidas entre elas um setor específico de estatísticas, para mapear as vias mais perigosas e implantar soluções.

O resultado chamou tanto a atenção da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) que a entidade, braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, está gravando um documentário para registrar as medidas adotadas por aqui.  Foram feitas entrevistas com a Transalvador, PRF, PRE e Abramet-BA (Foto: Marina Silva) As ações fazem parte do Programa Vida no Trânsito (PVT), coordenado pelo Ministério da Saúde e implantado em 2013 na capital baiana. No triênio de 2018 a 2020, a coordenação do projeto na cidade fica a cargo da Transalvador. “As mortes no trânsito são praticamente uma pandemia. A partir da criação do grupo gestor do PVT, a gente começou a ter essas reuniões e foi importantíssimo”, diz o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller. Salvador se destacou entre as capitais brasileiras e cidades com mais de um milhão de habitantes – nenhuma conseguiu chegar a esse patamar. Nem mesmo o Brasil, que também assumiu o compromisso. No país, houve uma redução, mas, na avaliação da Opas, não foi tão expressiva quanto aconteceu em Salvador.

Em setembro, o Ministério da Saúde divulgou que, de 2010 a 2016, houve uma redução de 27,4% das mortes por acidente de trânsito no país. Mesmo que tenha existido diminuição, o país ainda não está perto da meta da ONU. 

Dados e intervenções Um dos primeiros passos foi adotar um sistema seguro de números. Desde 2013, a Transalvador tem um setor específico de estatísticas que acompanha diretamente os índices de acidentes. A partir daí, o órgão começou a confrontar seus próprios dados com os de órgãos como as secretarias de saúde (municipal e estadual) e com o Departamento de Polícia Técnica (DPT). 

“A gente conseguia ter um raio-x da cidade e enxergar onde estavam acontecendo esses problemas”, lembra Muller. Foi nesse momento que a Transalvador identificou que a Avenida Suburbana era um dos maiores exemplos. Lá, sempre havia altos índices de mortes no trânsito. 

Em 2016, um projeto urbanístico foi concluído na via. Segundo o superintendente da Transalvador, porém, não se tratava apenas de um projeto urbanístico, mas de estratégias para tornar a via mais segura. Entre as mudanças, está a implantação de uma ciclovia de 14 quilômetros e a redistribuição da largura da faixa de trânsito. Resultado: o número de acidentes caiu. Em 2010, houve 23 mortes ali. Em 2018, foram três.

Da mesma forma, ele atribui a queda nos acidentes às mudanças no trânsito de regiões como a Barra e o Rio Vermelho, que passaram por intensos processos de requalificação. Nos dois locais, redução da velocidade das vias – na Barra, passou de 60 km/h para 30 km/h e até 20 km/h em algumas ruas – e o conceito de piso compartilhado. “Desde então, não tenho registro de acidente com gravidade na Barra. Isso é um conceito mundial: dar mais espaço – e um espaço mais seguro – a pedestres e aos próprios veículos, para que todos tenham uma convivência mais harmônica”, diz Muller.Além disso, ele cita a própria melhoria das condições de trabalho dos agentes e a criação de mais inteligência nas operações de trânsito. A fiscalização – tanto com a instalação de radares detectores de velocidade quanto a realização de blitze da Lei Seca – também tem um saldo positivo. Desde 2013, as blitze são diárias nas ruas de Salvador. 

No Carnaval, chegam a existir duas equipes – ou seja, duas blitze simultâneas na cidade. Para completar, até mesmo motoristas da prefeitura e motoristas de ônibus, ao sair das garagens, passam pelo bafômetro durante o período momesco. 

Para o superintendente, a sensação de fiscalização influencia a mudança de comportamento. “O grande lance desse processo de mudança é que, por mais que tenha um grande número de infrações de trânsito, também tem uma queda. Claro que há desrespeito, mas você percebe a mudança ao seu lado. É possível, sim, reduzir (o número de mortes) e isso tem que ser uma política de estado, independente das mudanças de gestão nas prefeituras”. 

Quase utopia Na época em que foi proposta, a meta da ONU era considerada “ousada”. Para alguns, até mesmo utópica, de acordo com o consultor de segurança viária da Opas/OMS, Victor Pavarino.“Mas a gente entendia que não era admissível ter outro tipo de meta. O que nos traz aqui é para lembrar que Salvador bateu a meta antes de outras cidades, antes mesmo do fim do período e mostrou que isso é possível. Por isso, o nosso empenho em fazer essa documentação”. De acordo com ele, são observadas as intervenções feitas nas cidades. Essas intervenções, por sua vez, são entendidas a partir de um ‘tripé’: engenharia, fiscalização (o chamado discurso legal) e educação. A Opas/OMS considera que todas essas frentes são importantes. 

Em Salvador, porém, alguns pontos têm se destacado. “A gente tem visto muito a engenharia e o desenho urbano, porque isso, em boa medida, acaba determinando o comportamento. Se você muda a pavimentação e sinalização, acaba determinando a forma como as pessoas se relacionam com o comportamento de risco, como as velocidades”, explica Pavarino. 

Outro aspecto que influencia na redução é a chamada “sensação térmica” da fiscalização – ou seja, a percepção de que ela existe. Segundo Pavarino, a fiscalização é um dos pontos que têm sido observados pela entidade em Salvador, especialmente quanto à direção sob efeito de bebida alcóolica. 

“Se não há percepção de fiscalização, a pessoa vai beber e dirigir. Quanto mais você está sendo fiscalizado, mais seguro estará o trânsito, seja na formação do motorista, seja nos alertas”. 

O progresso em Salvador também é atribuído à integração entre várias áreas, dentro do PVT. Nacionalmente, o programa é coordenado pelo Ministério da Saúde e pela Opas. Aqui, em Salvador, a Transalvador está à frente, com a participação de órgãos como as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde e do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). “Todo esse progresso que aconteceu em Salvador é fruto de uma integração de várias áreas. Primeiro, a gente quis mostrar os resultados desse programa no país e, dentro do país, o exemplo que melhor saltou aos olhos foi justamente Salvador, por esse esforço intersetorial. É bonito, mas não é fácil colocar agentes de trânsito e de saúde trabalhando juntos e falando a mesma linguagem”, completa o consultor viário da Opas/OMS. Salvador, inclusive, tem o único PVT do país que conta não apenas com órgãos públicos, mas também com a presença da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego – Seção Bahia (Abramet-BA). Para o presidente da entidade, Antônio Meira, a intersetorialidade também é um dos pontos fortes dos resultados de Salvador. 

Graças à presença de tantos agentes da sociedade, é possível que o trânsito seja visualizado “como um todo”. Com a participação de todos, a análise dos dados dos acidentes se torna mais precisa e global, a partir de todas as fontes. “O programa em Salvador entendeu que é preciso dar um destaque à saúde e isso também nos ajudou a conseguir esses números extraordinários”. 

Documentário será lançado em janeiro  Previsto para ser lançado em janeiro de 2019, o documentário que está sendo gravado em Salvador deve ser divulgado em todas as redes sociais da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU).  Stella Maris foi um dos locais visitados pela equipe de filmagem (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Em Salvador, o documentário está sendo gravado desde segunda-feira (26) e a equipe permanece na cidade até sexta-feira (30). Além do consultor Victor Pavarino, o grupo da Opas conta ainda com o responsável pela área de mídia social da entidade em Washington (Estados Unidos), Ary Silva, e o especialista em multimídia Harold Ruiz, também da Opas de Washington. 

A ideia, segundo Ary Silva, é mostrar o exemplo de Salvador para o mundo inteiro.“A gente não trabalha só com o Brasil, mas com todos os países. A gente busca mostrar os bons exemplos e que é possível fazer um bom trabalho, como o Projeto Vida no Trânsito (PVT), para que outros países façam a mesma coisa”, explica. Ainda sem nome, o documentário será distribuído em vários idiomas. Segundo Silva, todos os projetos da Opas e da OMS envolvem a produção de material multimídia antes e depois de concluído. Daí, veio a ideia de gravar em Salvador. No filme, a entidade deve apresentar o Brasil e a situação no país, para seguir com o exemplo da capital baiana. 

Há cerca de três meses, a Opas entrou em contato com a prefeitura de Salvador para programar as filmagens. “O importante é que o exemplo de Salvador está saindo para o mundo inteiro, porque a gente realmente só mostra exemplos que são vistosos. A gente sempre pensa em mostrar os países e as cidades que conseguiram fazer o projeto com sucesso”, completa Silva. 

De acordo com o chefe de gabinete da Transalvador, Fernando Coelho, as gravações incluíram entrevistas com representantes de todos os órgãos, que abrangem também as Polícias Rodoviárias Estadual (PRE) e Federal (PRF) e a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).  

Além disso, as filmagens também têm sido feitas em locais onde houve mudanças viárias que teriam contribuído para a redução do número de mortes no trânsito. Na quarta-feira (28), a equipe passou por locais como a Barra, o Rio Vermelho, a Pituba e Stella Maris. Na quinta-feira (29), devem conhecer a Avenida Suburbana. 

“É uma via importante que foi toda requalificada. Em 2010, teve 23 acidentes fatais lá. Em 2018, tivemos três acidentes. Claro que ainda não é o ideal, mas é uma redução muito importante”, destaca o chefe de gabinete. 

Além de Salvador, serão mostrados exemplos de Guanajuato, no México, e Montevidéu, no Uruguai.