Salvador tem se tornado mais sustentável na terra, no corpo e no mar

Iniciativas têm trazido melhor qualidade de vida aos soteropolitanos

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  • Ivan Dias Marques

Publicado em 29 de março de 2019 às 12:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marcelo Gandra/Secis/Divulgação

O oxigênio soteropolitano traz o sal da brisa do mar e a liberdade do povo que desde a infância aprende a valorizar a vida ao ar livre e o contato com a natureza. E o ar de Salvador está renovado e com melhor qualidade, graças a uma cidade mais verde e sustentável. 

Durante a semana, na Escola Municipal Fernando Presídio, em Paripe, existe uma competição entre os alunos do 1º ao 5º ano: quem tem a horta mais bonita? Desde setembro de 2017, o local conta com hortas comunitárias. Os resultados da iniciativa estão no dia-a-dia. “A gente complementa a alimentação escolar e as crianças passaram a ter gosto maior pelas saladas. O prato ficou mais verde, mais rico. Faz muito bem a eles”, conta a diretora Cássia Góes, de 41 anos. Cada turma cuida de uma parte da horta, compartilhando os cuidados e tendo uma certa competitividade entre elas. Tem amendoim, milho, manjericão, rúcula, cebolinha, coentro, entre outras hortaliças e vegetais.

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O costume de se alimentar melhor foi levado para casa, não só das crianças, mas também dos funcionários. “Todo mundo tem horta em casa. Distribuímos mudas de manjericão e de outros alimentos. Eu mesma colhi mais de mil tomates-cereja em casa. Todo mundo foi influenciado. É isso que queremos: uma alimentação saudável, sem agrotóxicos”, afirma a diretora. Diretora da Escola Municipal Fernando Presídio, Cássia Góes cuida da horta comunitária no local De acordo com Secretaria da Cidade Sustentável e Inovação (Secis), que apoia a iniciativa das comunidades, são 25 hortas implantadas desde 2016, sendo 13 urbanas e 12 em escolas e creches. A da Escola Fernando Presídio foi a primeira delas. “Não é um trabalho fácil. Com uma chuva em dezembro, perdemos tudo e estamos plantando novamente, num outro lugar. Mas é gratificante. A gente vai desenvolvendo situações-problema mais significativas. Se não trouxermos a realidade, é complicado que vendamos conceitos. Fica é mais palpável”, analisa Cássia.  Titular da Secis, André Fraga explica como as hortas são desenvolvidas. "Elas são construídas, por exemplo, em áreas que tinham muito entulho, lixo acumulado. Além disso, temos várias histórias de pessoas que se conheciam, eram do mesmo prédio, mas não se falavam. Agora, interagem", diz. É o caso de uma horta do outro lado da cidade, no Imbuí. A tarefa de cuidar da horta do Condomínio Residencial Parque do Imbuí fica a cargo de seis voluntários do projeto. A servidora pública Ivone Miranda, de 45 anos, é uma das que cuida do espaço nos finais de semana.  “Temos uma escala de rega de acordo com os horários de cada um. Nas quintas à tarde, fazemos um mutirão para fazer uma limpeza, um plantio”, diz. O retorno da horta para Ivone e seus parceiros não chega a ser financeiro, pela pouca quantidade produzida, mas de uma vida mais leve. “O grande benefício é nas relações, uma maior interação com os vizinhos, harmonia, uma relação com a natureza. Para mim, é ótimo regar, sentir o cheiro da terra molhada, existe uma energia. Isso é o que me atrai”, revela. Na horta do Parque do imbuí tem couve, rúcula, cebolinha, coentro, tomate -  o xodó dos moradores -, quiabo, entre outros.  Sem tanto conhecimento de agronomia, o grupo tem sido ajudado por um agrônomo da Secis. A secretaria viabilizou em setembro do ano passado uma revitalização da horta, que já existia anteriormente. E não são só hortaliças e outros vegetais que têm feito Salvador ficar mais verde. Desde 2013, segundo a Secis, já foram plantadas mais de 55 mil mudas na cidade, a grande maioria de espécies naturais da Mata Atlântica. Pouco mais de 1,5 mil delas estão nos 14km da Avenida Suburbana. Outras 2 mil estão previstas para serem plantadas como compensação das obras do BRT. Esse processo já foi iniciado.

Aliás, o modal já estará adaptado a uma política mais sustentável. A intenção é que ele seja elétrico, utilizando baterias recarregáveis, o que ajudaria a reduzir a quantidade de poluentes vindos de meios de tranasporte, responsáveis pela maior parte da poluição do ar em grandes cidades como Salvador. As estações do BRT, inclusive, irão funcionar com energia solar.  O plantio de mudas não precisa partir da Prefeitura. Com o Disque Mata Atlântica (3611-3802), o cidadão comum pode solicitar uma muda e buscá-la do Parque da Cidade ou no Jardim Botânico. Se não puder, a Caravana da Mata Atlântica, também solicitada por telefone, faz o plantio. 

Tanto verde traz benefícios para os pulmões. Dados de 2014 da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostraram que Salvador era a única das metrópoles brasileiras com taxa de PM2,5 abaixo do teto definido pela entidade. O PM2,5 monitora as menores partículas poluentes, que mais podem causar doenças respiratórias. A capital baiana teve índice de 9 microgramas de PM 2,5 por metro cúbico, contra 28 de Belo Horizonte, 19 de São Paulo e 16 de Vitória, por exemplo.

No ano passado, a Secis junto com a Fundação Oswaldo Cruz criou o projeto Soprar, para melhorar o monitoramento da qualidade do ar da capital e auxiliar na prevenção de problemas de saúde. A capital baiana é uma das poucas no país com sistema de monitoramento do ar. 

Visibilidade no mar A terra, o ar e o corpo estão em processo de melhoria e isso é percebido de forma natural. No mar, é preciso ir além dos olhos para verificar se a sustentabilidade já um costume do soteropolitano. Há nove anos, a ONG Fundo da Folia realiza ações na praia da Barra, principalmente, após o Carnaval. A diminuição do lixo jogado no mar existe, mas ainda é tímida. “A percepção que temos ao logo destes anos, e mais de 300 ações de limpeza do fundo do mar, é que há uma discreta melhora. A conscientização das pessoas é um processo lento e é importante que as instituições públicas e privadas que trabalham com o tema continuem fazendo suas ações regularmente”, diz Bernardo Mussi, um dos idealizadores da ONG.

Esse ano, uma ação após o Carnaval recolheu cerca de 215kg de lixo do mar da Barra. Cartão postal de Salvador, o bairro sofre com a falta de educação de muitas pessoas, que descartam o lixo nas águas da Baía de Todos os Santos. “Entendo que a educação é um processo lento e gradual. Acho fundamental que as campanhas e as ações nas praias continuem envolvendo cada vez mais pessoas, porém, tenho plena convicção que levar o tema do lixo marinho aos níveis fundamentais das escolas é o caminho que poderá gerar os melhores resultados”, analisa Mussi. Praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, ostenta a Bandeira Azul (Foto: Vagner Pontes/Agecom) Aos poucos, os resultados vão sendo conquistados. Na praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, eles começaram a chegar há algum tempo. Pelo terceiro ano consecutivo, ela recebeu a certificação Bandeira Azul, emitida pela Fundação para a Educação Ambiental. 

Isso significa um reconhecimento internacional pela conservação da natureza do lugar, pelo acesso à informação e pela qualidade do serviço prestado. São apenas oito praias do país que foram contempladas. A Ponta de Nossa Senhora é a única do Norte/Nordeste com Bandeira Azul.

Sustentabilidade sentida no bolso Se as ações com a flora e o mar mostram resultados a médio-longo prazo, outras iniciativas sustentáveis dão ao soteropolitano um retorno duplo: na preservação ambiental e no bolso. Um painel solar para a geração de energia numa residência naturalmente abaixa o gasto com energia, mas pode também significar a redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

O IPTU Amarelo, iniciativa anunciada no ano passado, pode render até 10% de desconto no imposto, a depender da quantidade de energia solar gerada e de algumas exigências analisada pela Coelba e pela Secis. "Dependendo da energia gerada, eles vão ter um desconto proporcional, sempre em residências horizontais. Quando falamos de empreendimentos verticais ou empresas direcionamos essa iniciativa para o IPTU Verde", explica André Fraga. Empreendimento em Narandiba com placas de energia solar (Foto: Arquivo CORREIO)  Nessa segunda modalidade, o desconto no imposto permanece, só as exigências que são diferentes. Cada medida adotada pelo imóvel conta pontos para a emissão de uma espécie de certificado, a exemplo do uso de equipamentos que reduzem o consumo de água, como descarga com comando duplo e aproveitamento da água das chuvas na área de cobertura, entre outros. 

A iniciativa, inclusive, foi premiada internacionalmente como uma das melhores medidas de combate às mudanças climáticas realizadas por cidades. Desde 2015, quando o projeto foi implantado, 27 empreendimentos solicitaram a adesão ao IPTU Verde, sendo que cinco já conseguiram o certificado.

Já o Outorga Verde é semelhante ao IPTU Verde, mas se dá durante o licenciamento dos empreendimentos. O desconto, que é dado na outorga onerosa – uma taxa paga pelas construtoras para realizar a obra -  pode ser maior, de até 40%.

“As ações para a adesão ao programa movimentam o mercado de empresas especializadas em tecnologias sustentáveis, gerando emprego e renda para a população soteropolitana e resultando em economia para o empreendimento, além do desconto no IPTU”, analisa o secretário. Ser sustentável pode também significar - e muito – ser economicamente melhor.