Santo Agostinho no tempo da bola rolando meio-dia

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  • Paulo Leandro

Publicado em 25 de agosto de 2019 às 05:00

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Pensava Santo Agostinho o tempo como algo acessível a todos, mas impossível de definir, quando tentamos dizer sua essência – aquilo do qual não se pode tirar nenhuma parte sob pena de perder-se a identidade.

Tomemos como exemplo clássico o ordenamento de um jogo. Sabemos a hora de começar e terminar as partidas e conferimos um período de 90 minutos mais acréscimos, para compensar as paralisações, com 15 de intervalo.

A importância do tempo pode verificar-se nas estratégias dos times. Correr demais na primeira etapa pode significar a derrota, até de virada, se o corpo não corresponder nos minutos finais da peleja.

Não são poucos os times capazes de largar bem, dominar, ter a famosa posse de bola, mas, por empenharem-se excessivamente no tempo inicial, são dominados na segunda etapa. Saber dosar o esforço em relação ao tempo conduz à vitória ou à derrota.

Na era do romântico Campo da Graça, havia um cronometrista para iniciar e terminar os jogos tocando uma campanhia, destronando o apito de Sua Senhoria. Certa feita, o goleiro Menezes, do Bahia, atrasou-se e levou um gol do meio da rua por não respeitar o tempo.

Hoje, como complicador, verifica-se um atrito entre os campos do desporto e o do mercado, devido à programação de partidas ao sol do meio-dia. Provavelmente por terem mais preparação física e cuidados, os times aceitam o sacrifício.

Lembro-me da primeira travessa da Rua Lima e Silva, na Lapinha: Tonho Mosquito, Aldair, Zezinho, Eduardo, Tonho Bundão, Zé Manoel, Moura, Tita, Jerry Marlon, de pés descalços, batendo o baba em condições de temperatura e clima adversas.

Na segunda infância, o corpo não se importa se está caindo temporal ou o baba começou depois do almoço: a fome de bola é sempre maior. Naqueles idos de 1970 e pouco, até o trânsito obedecia ao baba: carro só passava com bola parada e devidamente autorizado.

Nesta época, os profissionais criavam dificuldade e as rodadas duplas passaram a começar mais tarde, levando os jogos preliminares de 14 para 15 horas e os principais de 16 para 17 horas.

O sol era adversário duro para os jogadores, os preparadores físicos e até os torcedores, pois a Fonte Nova tinha pouca área sombreada, só aquelas arquibancadas do anel inferior tinham privilégio quando o deus Hélio passava com sua carruagem de fogo.

Os fundamentos da dosagem do esforço, levando em conta o tempo, guardam necessária relação do corpo com a temperatura, mas a programação dos jogos de hoje, leva em conta superior, o critério da expectativa de audiência pela televisão, dona da bola desde 1987.

Os jogadores atuais não se queixam, afinal, o dinheiro é mais graúdo, e como são 11 contra 11, e todos estão sob o sol inclemente nos jogos de meio-dia, então, está tudo certo, na lógica formal do verdadeiro ou falso.

O tempo, como mecanismo ordenador, sofreu alteração na sociabilidade do torcedor, pois não se tem mais a regularidade dos horários e a novela da noite passou a agir como o cronômetro do Campo da Graça, anunciando o campeão da audiência.

A alteração do mecanismo do relógio da bola cativou a torcida consumista de sofá. O tempo, hoje no nosso santo fútil-ball, como na Hipona do século IV, segue sua eternidade: fácil de entender, impossível de explicar.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade