Se as estátuas falassem

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  • Nelson Cadena

Publicado em 20 de maio de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Estátuas não falam. Deveriam. Estátuas sussurram. É o que parece. As observamos impassíveis, no seu pedestal, imperturbáveis, nem tanto, expostas aos mijões; aos bêbados falastrões; aos benditos pombos que não respeitam a dignidade do personagem e nem o brilho do bronze e evacuam em cima, sem dó. Thomé de Souza na Praça Municipal e o Barão do Rio Branco, na pracinha do Relógio de São Pedro, que o digam, os preferidos dos pombos nas suas aflições intestinais. O nosso primeiro mandatário merece, quem mandou promover a ave a símbolo da cidade! Mas o Barão, coitado, nada teve a ver com isso.

Perturbações não há como escapar delas. Outro dia ouvi Jorge Amado cochichar no ouvido do amor de sua vida, na pracinha do Rio Vermelho.

- Zélia, o que é que nos aprontamos, para ter que aturar esse bando de gente, tirando selfie, aqui nesse banco que o Tati Moreno esculpiu com tão bom gosto, mas que roubada! Esse povo sentado ao lado, e abraçando você, bem na minha frente”.

-Jorge, meu querido, que ninguém nos ouça, mas a culpa é sua, foi dar ousadia, alimentando a autoestima dos baianos. Temos de aturar. Amor com amor se paga.

- Mas não tem amor que me deixe confortável com esse povo lhe abraçando, encostando a cabeça no seu ombro... Zélia, pelo amor de Deus!

-Jorge, tenha paciência. Aqui pelo menos a gente se delicia com o cheiro de acarajé e essa brisa do mar que você sempre elogiou”.

Ah, cochichos e cochichos. Ouvi, juro, num fim de tarde setembrino, Castro Alves resmungando: “queria nascer de novo para explicar a esses jovens que a minha mão estendida, não é pedindo esmolas, como ouvi outro dia um palerma dizer para um grupo de turistas, a justificar minha pose de bardo. Pior, o outro, fuxiqueiro, que teve a insolência de falar em voz alta: pedindo esmolas, ou não, vai ter uma baita bursite”.

Comedido, como convém a um diplomata que se respeita, o Barão do Rio Branco apenas fez ouvidos mochos à insinuação de um engraçadinho que observando a estátua, já foi tirando conclusões: “Rapaz, essa mão no bolso! Esse cara deve ter sido um tremendo muquirana”. As estátuas não falam, sussurram. Um camelô me contou que ouviu o Barão reclamar da gritaria dos jogadores de damas e da mulher vendendo aos berros sacolas por um real. E, no verão, do peso da casaca: “O Chirico poderia ter me esculpido com roupa mais adequada ao clima”.

Dizem os que ouvem as estátuas ter ouvido Vinicius de Moraes rezingar, um dia sim, outro também: “Porque fui convidar o povo para passar uma tarde em Itapoan! Soubesse que esses turistas iam sentar na mesa comigo para tirar a tal de selfie tinha mandado passar uma tarde na Casa da Mãe Joana. O que me aborrece é que sempre enquadram minha barriga e, sabe como é, bucho de lado parece maior do que realmente é. Uma hora dessas levanto daqui e vou dar um rolê com Dorival, no calçadão de Itapoan, soube que esculpiram um violão para ele, esse gozo não tive”

“Juro, irmão Caymmi, que se pudesse prever que o nosso destino era o bronze teríamos cantado mais e mais curtição e riso e até brincar de estátua, fazendo caretas para espantar os engraçadinhos. Ser estátua, exposto aos vândalos, nem no maior dos porres pude imaginar”.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras