Se quer que eu te encontre, me conte: o que há diante da sua janela?

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  • Kátia Borges

Publicado em 4 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Quando eu frequentava os sebos no centro da cidade, meus autores prediletos eram todos ilustres desconhecidos. Seus livros me ganhavam pelas capas e pelos títulos. Assim descobri tanta gente importante, sem uma lista do que seria essencial, por ser cânone, guiada pela mais santa e absoluta ignorância. Gostava de folhear as páginas distraidamente, à cata de um trecho inteiro ou de uma frase capazes de acender belezas por dentro. Foi assim que cheguei a Morangos Mofados.

Lembro bem do impacto daqueles contos e de como o meu livrinho surrado viajava no ônibus noite alta, e era lido por meus amigos bêbados e santos aos berros na Estação da Lapa. Havia, por certo, um diretor existencialista filmando tudo aquilo. Morangos Mofados, confesso, acabou me levando a textos mais pesados. ATeus Pés, por exemplo. Nem sei dizer quanto gosto desse título. E de Ledusha, Risco no Disco. E dos poemas de Leminski, Distraídos Venceremos.

Não, não sinto saudade, nostalgia ou coisa assim. Definitivamente. Se penso nas mostras de Fassbinder no Instituto Goethe é só de alegria o que me vem. Os balaios de livros para doação no pátio, onde achei fácil um pequeno romance em alemão escrito por Max Brod, o amigo de Kafka, e levei. É muito baiano esse jeito que a gente tem de gostar dos outros, já reparando com gosto naquilo que gostam também.

Digo isso pensando naquela letra de Tradição, de Gilberto Gil, e em como o poeta repara com simpatia escancarada, quase amor, no namorado inteligente da moça do Barbalho, aquela que era do barulho. Porque meus amores foram crescendo desse mesmo modo, todos juntos e em torno da mesma fogueira. Como um livro leva a um outro, e os autores conversam dentro dos poemas entre os séculos.

Clarice Lispector (sim, ela de novo, e para todo o sempre, amém) faz crer que ser tolo pode ter por trás uma arte, ensina a duvidar das coisas sólidas, sisudas, arrogantes. Talvez dê certo comigo, porque cultivo desde a infância uma percepção analógica que se orienta pelas árvores. Se quer que eu te encontre, me conte: o que há diante da sua janela? Poesia, e amor, é mais Cacaso. Vive-se, pega-se no laço. Caso contrário vira burocracia, uma edição por ano, nome em compêndio, chá na academia.