'Se vier com menos de 18, não caso. É uma agressão à menina', diz padre de cidade que teve casamento infantil

Na Igreja Católica, o casamento de meninas é permitido desde que elas tenham 14 anos completos – meninos podem casar aos 16

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de agosto de 2017 às 06:50

- Atualizado há um ano

Na Igreja Católica, o casamento de meninas é permitido desde que elas tenham 14 anos completos – meninos podem casar aos 16. Mas, na paróquia São João Batista, em Wanderley, no Extremo-Oeste do estado, não tem conversa com o padre Assis Alexandre, que comanda o local há seis anos. A cidade é um dos nove municípios baianos que registraram casamentos formalizados com menores de 15 anos em 2015. Em todo o estado, foram 10.

“Se vier, eu não caso”, reforçou, por telefone, ao CORREIO. Ele garante que, se Wanderley teve casamentos formais de gente tão nova, não foram celebrados na paróquia. “Eu não celebro, porque acho que é uma agressão à infância da menina. Antigamente, os pais obrigavam a casar nessa idade, mas, agora, não. Aos 18 anos, acho que a pessoa ainda nem é tão madura, mas já tem capacidade de decidir”. 

Em todo o período que está como pároco da cidade, padre Assis já se deparou com três tentativas de casamento de adolescentes. A última foi no ano passado. Na época, uma menina de 14 anos e um rapaz de 21 foram conversar com ele para que celebrasse a união. O padre não aceitou. “Acho que ele queria ter uma jovenzinha para ele, não queria uma companheira. Normalmente, são homens oito, dez anos mais velhos e que querem ter uma mulher mais nova. Os homens querem se sentir psicologicamente donos da situação”, opina.

Para o padre, muitas das meninas que aceitam se casar lidam com problemas de agressão e opressão na família. Com o casamento, esperam não se submeter mais a isso. “Elas acham que, casando, vão se libertar do jugo dos pais, mas estão entrando em um problema maior, porque o marido vai ser muito mais dominador do que os pais. Elas acham que é uma libertação, mas é uma escravidão”, diz o padre, que defende que o casamento seja a partir dos 25 anos – quando as duas partes já teriam maturidade suficiente. 

Ele conta que, na cidade, a maior parte dos jovens casais acaba se juntando sem oficializar a união. “Muitos se juntam. Tem três meninas de 14 anos aqui que estão grávidas e vivendo na casa com o rapaz. Isso é o mais comum”. A maioria desses adolescentes, segundo ele, mora na zona rural da cidade.  Na Paróquia Bom Jesus, em Brumado, no Centro-Sul do estado, o padre Cleonídio Alves conta que nunca casou uma pessoa com menos de 15 anos. Mesmo aquelas que têm 16 precisam de autorização dos pais. Mas Brumado é uma das cidades que teve casamento formalizado nessas idades. “Mas a gente orienta, em alguns casos, até a adiar o casamento. O problema é que tem mais que acham que mesmo que case hoje e separe daqui a seis meses, se a menina estiver grávida, pelo menos a criança nasce num casamento”. 

Em Canavieiras, outra das cidades onde houve casamento infantil com adolescentes com menos de 15 anos, o padre Euvaldo Santana explica que o número se deve à presença de uma forte comunidade de ciganos na região. Os ciganos, que costumam casar as filhas cedo, celebram a união na Igreja Católica.  “Sempre tem um ou dois por ano. O pai escolhe o noivo para a filha ainda criança. Eles são prometidos e, quando chega nessa idade de 14, 15 anos, procuram a igreja para casar. O menino é sempre depois dos 16 anos, mas chega a 22, 23”. 

Na semana passada, o padre foi procurado por uma família de ciganos para um novo casamento. A menina, com 14 anos, é de lá menos, enquanto o noivo é de Ipiaú, no Sul da Bahia. “Eu me coloquei à disposição, mas, com todo respeito à cultura, eu não concordo, porque você percebe que a menina é uma criança. E eles têm uma formação rigorosa”. 

Nos encontros, são os pais que falam com o padre. As meninas ficam caladas durante quase todo o tempo. “Elas são muito recatadas, ficam sorrindo e, quando a gente pergunta se elas querem casar mesmo, elas só respondem ‘sim’. São meninas que já cresceram sabendo disso e normalmente não estudam mais depois disso”.