Sem data para mudança, mais de 100 pessoas fazem do Couto Maia 'novo endereço'

Ocupantes entraram no antigo hospital, abandonado desde julho de 2018, com eletrodomésticos, colchões e comida

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  • Fernanda Santana

Publicado em 30 de novembro de 2019 às 14:18

- Atualizado há um ano

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Ocupação já tem geladeiras, fogão e colchões por Fernanda Santana/CORREIO

Na escada da recepção do antigo Hospital Couto Maia, Jéssica Maria, 22, cuida do filho, Hércules, 2. “Vim para cá porque não tenho para onde ir” desabafa, enquanto novas famílias são recepcionadas no portão. À 1h30 deste sábado (30), mais de 100 pessoas ocuparam a unidade de saúde, desativada desde julho de 2018. Até o dia da ocupação, Jessica vivia na rua, sob o viaduto da Calçada.

O portão principal está fechado por cadeados e os ocupantes se distribuem pelas salas do antigo Hospital. No chão, mulheres dormem e crianças brincam entre si, como o CORREIO presenciou no fim da manhã deste sábado, quando entrou na unidade ocupada. 

A lateral esquerda do hospital é feita de depósito para o entulho recolhido pelos ocupantes desde o início do movimento, organizado pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Lá, estão macas e cadeiras enferrujadas, usadas no tratamento de portadores de HIV e a outras doenças infecciosas e parasitárias. “Eu vim para cá porque não tenho para onde ir. O pai do meu filho se suicidou quarta passada, meus pais faleceram”, conta Jéssica.O início da ocupação causou medo e estranhamento na vizinhança. Os moradores ouviam o barulho no hospital sem entender do que se tratava. “Isso não ia demorar acontecer, tanta gente sem moradia, e esse lugar aí abandonado”, comentou um morador, com o pedido de não ser identificado.

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O CORREIO denunciou, em abril deste ano, a situação de abandono do local. À época, a Secretaria de Saúde do Estado disse que tinha um projeto de transformar o antigo Hospital, então referência no tratamento de doenças infectocontagiosas é transferido pra o bairro de Águas Claras, em um centro de cuidados paliativos. Desde então, nenhum projeto foi apresentado pela secretaria.

A maior parte dos ocupantes são famílias e casais que tinham endereço na região da Cidade Baixa. Os ocupantes saíram do bairro do Uruguai juntos e pegaram um ônibus até o novo endereço. A todo tempo, pessoas chegam no prédio, com colchões equilibrados na cabeça. 

Numa das salas, onde um rapaz dorme num sofá trazido com o grupo, Victor Aicau, coordenador nacional da MLB, conta que a escolha pelo Couto Maia foi provocada “pelo déficit de moradias, as pessoas moram de favor”, como pela própria representatividade do espaço.“Na cidade baixa, não há um hospital que atenda a demanda do povo. Esse hospital estar fechado para nós é um absurdo. Tem muito local abandonado”, justifica.As lideranças tentam impedir a entrada das pessoas em leitos antes utilizados para tratar doenças altamente contagiosas. Já no início da tarde, um policial desce da viatura e chama dois coordenadores pra conversar. A conversa é pacífica, como tem sido pacífica a ocupação. “Quero que vocês saibam que a gente não tem nenhum tipo de rivalidade. Mas cuidado que aí tem muito objeto cortante, pode ter muita bactéria”, fala, do lado de fora.Quando o policial deixa o local, uma das ocupantes comenta, em voz baixa: “Eles querem causar um pânico entre a gente”. Os ocupa ntes já estão completamente instalados. De um lado para outro, circulam com materiais utilizados no antigo hospital, como copiadoras.

De uma sala do primeiro andar, o cheiro de uma feijoada preparada numa cozinha improvisada se espalha pelo Couto Maia. “A gente morava de aluguel [no bairro de Uruguai] sem qualquer recurso pra pagar. Estávamos sem pagar há oito meses”, explica Luiz Paulo Santana, 29, desempregado há cinco anos, sobre os motivos de estar ali. O autônomo chegou acompanhado da esposa, Rita Souza.

A gota d'água para Danilo Jesus, 26, foi a chuva da última terça-feira (26). A casa onde morava, no Uruguai, ficou alagada. Sem dinheiro ou emprego, não houve outra  perspectiva."Falta moradia para o povo. A casa da minha namorada também alagou e ela veio para cá comigo", falou.O questionamento comum é o pedido de entrega de moradias para a população. No Facebook, a ocupação que se denomina Maria Felipa de Oliveira, homenagem à mulher negra que liderou a expulsão total das tropas portuguesas da Bahia em 1823, critica o que chamam de "desmonte do programa Minha Casa Minha Vida pelo Governo de Bolsonaro". O Governo Federal foi procurado, mas não respondeu até o fechamento. 

Enquanto isso, eles não estipulam nenhum prazo para deixarem o local que, para muitos deles, é considerado “um novo endereço. 

Nota enviada pela Sesab sobre ocupação 

O prédio onde funcionava o Hospital Couto Maia, no bairro do Mont Serrat, foi ocupado nesta madrugada por integrantes do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas.

Diante do ocorrido, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) está adotando as medidas legais cabíveis para que as pessoas possam sair da unidade de forma pacífica, sem nenhum dano para o equipamento e com segurança para as pessoas que estão no local.

A Sesab destaca que uma licitação, que será publicada em janeiro, está sendo construída para a reforma  e ampliação do Hospital Couto Maia, que será transformado em um hospital de cuidados paliativos e centro de referência estadual para cuidados paliativos, incluindo o Programa Ambulatorial Amor sem Fim, e a política de gerenciamento de cuidados paliativos dos hospitais do estado.