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Paulo Leandro
Publicado em 25 de novembro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Ao enfrentarem-se hoje, Vitória e Náutico voltam a representar as expressões mais longevas do desporto na região, o rubro-negro, como clube-fundador na Terra do Dois de Julho; o pernambucano, semeador no Recife.>
É na condição de deuses primordiais a trajetória destes dois clubes cujo sêmen reproduziu, nas suas respectivas capitais, tantos e tantos filhotes, ao fazerem o fútil-ball nascer saudável e amado.>
Pedir a bênção a Vitória e Náutico é o mínimo a esperar de todas as agremiações surgidas após os dois clubes terem desnadificado – tirado da condição de nada – o brinquedo da bola nos pés, festejados antes de tudo e de todos.>
Foram eles a aprender as regras, a comprar ou fabricar as primeiras bolas, associando-se sempre às regatas, esporte original, portanto, o enfrentar-se de Vitória ao Náutico é um acontecimento capaz de escavar na história, a origem no mundo do fútil-ball.>
Só por esta razão, se tivéssemos acesso à cultura e educação, o duelo entre os dois pais do futebol na Bahia e em Pernambuco, mereceria o respeito e a atenção de todos quantos entendem-se por gente civilizada.>
Sabemos não ser assim, dado o grau de ignorância da nossa gente, acorrentada aos grilhões da treva, desde a colonização, pela privação de escola, imprensa, gráfica e livros.>
Verifiquemos, então, a tabela, para a coluna doar algum sentido ao torcedor desprovido de conhecimento e mais afeiçoado aos números do presente, sem sugerir, aqui, qualquer demérito por esta inclinação primitiva.>
Estão, hoje, Vitória e Náutico, naquela situação de dor e sofrimento típicas da vida: o querer subir, originado da necessidade de voltar à Série A, é a fonte da angústia, quando percebe-se a distância dos dois clubes do topo da classificação, onde quatro passarão.>
Ambos aproximam-se mais do grupo de baixo e o fato de ainda termos tantas rodadas a disputar só prolonga esta expectativa do desejo duradouro em exigências prolongadas ao infinito.>
O Decano, após uma curta satisfação, de medida escassa, ao golear o Figueirense, por 3x0, voltou ao tédio, no pêndulo infalível, ao empatar com sua própria limitação, diante da Ponte Preta.>
Prisioneiros da vontade incessante, pelo êxito de honrar as tradições de fundadores, sofrem por culpa de não terem armado bons times para seguir a longa estrada, o Vitória, ainda do século XIX, e o Náutico, de 1901.>
Uma opção é buscar o estado sem sofrimento, ao estancar a expectativa, descartando-se a arte divinatória de oráculos, pois sabe-se da extrema dificuldade de atravessar este rubicão.>
Sujeitos do querer, Vitória e Náutico não terão bem-estar nem repouso permanente, a cada ponto disputado doravante, pois temer a desgraça do abismo é aprender a fácil lição de aritmética.>
Não seria pessimismo admitir o quanto seria fantasioso o Vitória subir, com o atual quadro, distante 12 pontos do quarto colocado, embora em quatro ou cinco rodadas, vencendo seguidamente – sonho meu –, poderia voltar a almejar cumprir sua missão.>
Ao Náutico, 20 pontos, primeiro lugar da zona de rebaixamento, vida feliz é uma incoerência em si – contradicto in adjecto –, pois tem o próprio Vitória logo acima com cinco a mais, portanto, o imperativo abrir-se para vencer é convidar o Leão a devorá-lo.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade>