Será o fim da ladeira ou só o vento ventando?

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  • Kátia Borges

Publicado em 6 de março de 2022 às 07:00

- Atualizado há 10 meses

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O terceiro mês do ano começa como um clichê musical às avessas. As águas de março, cantadas por Elis e Tom, fecham um verão sem promessas. Aliás, esse foi um verão violento como poucos. “É pau, é pedra, é o fim do caminho. É o mistério profundo, é o queira ou não queira”. E nós, que tanto quisemos um meteoro capaz de varrer do universo nossas vozes em uníssono, agora solfejamos a canção antiga.

Será o fim da ladeira ou só o vento ventando? Nem devia ser necessário explicar que a invasão da Ucrânia se diferencia de outros conflitos — tão relevantes quanto, é bom que se diga, as pessoas atingidas são tão relevantes quanto — por representar o risco de um terceiro confronto entre as potências bélicas. Também, e não há como negar, por ativar em quem cresceu durante a Guerra Fria o gatilho de uma hecatombe nuclear.

Me pergunto coisas como essas, enquanto Elis embala com seu fraseado mais um Plantão de Notícias e Tom Jobim flauteia em sustenido o recorrente fim do mundo. “Passarinho na mão, pedra de atiradeira”. Lembro da pior turbulência que já peguei nessa vida, o avião sem teto para o pouso, dando voltas sobre o aeroporto de Confins, ameaçando desviar para Viracopos. Do lado de fora, uma tempestade daquelas.

Na poltrona da frente, uma criança pequena aperta a mão do pai, sentado na fileira ao lado. Aquele afeto ali, atravessando o corredor, parecia cena de filme de tragédia aérea. E confesso que vasculhei a aeronave inteira em busca do clichê da freira bondosa que, nos clássicos do gênero, abençoa a tripulação e os passageiros antes da queda. “É uma ave no céu, é uma ave no chão”. Chegamos a Belo Horizonte.

Águas de março fechando Verão violento, e essa última é uma referência musical bem mais difícil de pegar, confesso. Poucos já escutaram Verão violento, a canção bossa nova de Marcus Valle e Fausto Nilo. Não tocou no rádio, não fez sucesso. Tem também um filme italiano de 1959, em P&B, com esse nome, dirigido por Valério Zurlini. Fiquei pensando se teria sido essa a inspiração para a música.

Antes que venha abril (fique tranquilo, caro leitor, não vou citar o poema de T. S. Elliot sobre o mais cruel dos meses), talvez seja bom você dançar um pouco. Não como os meninos fazem hoje, passinhos miúdos, movimentos cronometrados, encarando a câmera do smartphone. Falo sobre dançar mais lento, corpo-pêndulo, olhos semicerrados, enquanto março escorre. “É a promessa de vida no seu coração”.