Sessão especial na Câmara tem roda de capoeira em homenagem a Moa do Katendê

Morte do músico e capoeirista completou dez meses nesta quinta; acusado vai a júri em setembro

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  • Tailane Muniz

Publicado em 8 de agosto de 2019 às 21:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Mais do que relembrar a morte, celebrar a memória do músico e mestre de capoeira Moa do Katendê é, especialmente, invocar toda uma bagagem ancestral que o capoeirista compartilhou com a Bahia, o Brasil e o mundo durante os 63 anos em que esteve entre os seus. 

A violência que interrompeu a trajetória de resistência de Romualdo Rosário da Costa em 8 de outubro de 2018, quando foi assassinado a facadas após uma discussão política, foi lembrada, mas só a título de contexto, na noite desta quinta-feira (8), durante sessão especial realizada na Câmara Municipal, em homenagem ao mestre.

Admiradores, familiares e amigos presentes na noite de celebração festejaram a memória de Moa da maneira que, defendem, melhor representa a alma do mestre: em meio à roda de capoeira formada pelos alunos do Coletivo Ginga de Angola, sob o ressoo dos acordes de resistência de berimbaus e atabaques. Somonair (à direita) considera pai 'memória viva' (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A data de hoje marca exatos dez meses do assassinato, que chocou a comunidade do Dique Pequeno, localidade do Engenho Velho de Brotas, onde o capoeirista nasceu, foi criado e criou os quatro filhos, frutos de dois casamentos. Daí a escolha do dia pelo vereador Marcos Mendes (PSOL), que propôs a sessão. 

Nas palavras de Mendes, há “necessidade de se manter a memória viva de Moa”, a quem se referiu como um dos mais importantes símbolos de resistência da negritude na Bahia e no Brasil.

“Grande personalidade. A homenagem não poderia ser diferente, tinha que ser com capoeira, com as referências dele. Coisas que representam muito bem a nossa capital, onde tantos negros foram escravizados e precisaram resistir à covardia a qual eram submetidos”, defende, ao classificar o crime como “bárbaro”.

‘Memória viva’ Filha mais velha entre as três mulheres, Somonair da Costa, 35, afirmou à reportagem que o pai é uma “memória viva” àqueles que tiveram o “privilégio de conviver e aprender com ele”. Moa ensinava arte, capoeira, música e, garante a filha, era, especialmente, “referência de respeito ao próximo”. “Isso aqui é como um marco. Algo que acende uma luz que brilha e nunca vai se apagar. Ver meu pai celebrado com tudo o que ele fazia, em vida, é fortalecer a trajetória, para que nunca caia em esquecimento. Feliz por isso”, comenta, em referência à sessão, onde os mestres Boa Gente, Janja e Duda, além da viúva, Eliene Reis, deram seus depoimentos de saudade. Em seu discurso, que antecedeu um vídeo com imagens acerca da biografia de Moa, Janja comentou a "alegria compartilhada" nas duas décadas de convívio com o amigo, com quem produzia músicas e jogava capoeira. 

Justiça Além de saudade, traços da personalidade de Moa foram lembrados em todos os discursos, que também incluíram sentimentos de pesar e busca por justiça. Moa era filho de Xangô, o orixá da justiça, reforça Somonair, ao garantir que toda a família já se prepara para assistir, em setembro, ao júri popular do assassino confesso do mestre, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 37 - preso em flagrante horas depois do crime. Viúva de Moa, Eliene vai assistir a júri popular de assassino (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Além de Moa, o acusado chegou a esfaquear o irmão da vítima, Germínio do Amor Divino, 52, que tentou evitar o ataque. Sete dias após o crime, a Polícia Civil reafirmou que Moa do Katendê foi assassinado durante discussão político-partidária, quando Paulo Sérgio teria se "contrariado" após mestre revelar voto nas eleições presidenciais.

Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) por homicídio qualificado, sendo as qualificadoras futilidade e impossibilidade de defesa da vítima. 

Todos os passos das investigações foram acompanhados de perto pela viúva de Katendê, a aposentada Eliene da Costa, 65, que, na época do crime, morava com o marido e a única filha do casal, uma jovem de 27 anos, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana.

“Meu marido não fazia mal a ninguém, só o bem. Ajudava quem podia. Ele era o afoxé, a cultura, a arte e o amor”, lembra. A pouco mais de um mês para que seja conhecida a sentença de Paulo Sérgio, Eliene adianta que vai assistir ao júri e espera apenas um desfecho: “A condenação. Senão pelos homens, pelo Divino”. Família, amigos e alunos de Moa celebraram memória de artista (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)