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Setembro Amarelo: campanha de prevenção ao suicídio ganha mais relevância na pandemia 


 

Profissionais comentam importância de falar sobre o tema diante do isolamento social causado pelo coronavírus

  • Gabriel Amorim

Publicado em 07/09/2020 às 06:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 13:59:09
. Crédito: Foto: Divulgação

Setembro chegou carregando a marca de mais de 170 dias de quarentena e a sua já conhecida cor amarela. Desde 2003, o dia 10 de setembro é marcado como o Dia Internacional de Prevenção ao Suicídio e o mês preenchido por campanhas de conscientização e acolhimento. Em um ano de pandemia, com o isolamento social se estendendo e sem qualquer previsão de retorno à normalidade, a campanha ganha ainda mais força e relevância. O CORREIO conversou com profissionais da área da saúde mental para entender por que é ainda mais importante falar de suicídio em 2020. 

A data internacional foi escolhida no início dos anos 2000 pela  Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mas a campanha existe desde 1994. A história por trás da cor amarela é a da morte de um jovem americano de 17 anos que tirou a própria vida dentro do seu carro, um Mustang amarelo, depois do término de um relacionamento ter o levado à depressão. Para os profissionais que trabalham com saúde mental, a importância da campanha está, antes de tudo, na necessidade de se tocar no assunto de forma clara e aberta. “Suicídio é a retirada da própria vida quando alguém não enxerga nenhum outro tipo de solução para o seu sofrimento. As pessoas têm uma ideia preconceituosa de que o suicídio é uma derrota, uma covardia ou fracasso. Quem considera o suicídio não experimenta um sofrimento de um dia de estresse, é um sofrimento acumulado, crônico. Um sofrimento não cuidado se torna insuportável, e o suicídio não pode ser encarado como uma fraqueza”, explica Sabrina Costa Figueira, psicóloga e psicoterapeuta clínica. A profissional destaca que uma campanha como o Setembro Amarelo colabora para retirar um peso que é dado ao tema do suicídio e que torna ainda mais complexa a sua prevenção. “O suicídio ainda é um tema de muito tabu e estigma. Vivemos numa sociedade que não quer reconhecer a finitude da vida. E o suicídio nos lembra de que a vida tem fim”, explica Sabrina. “Uma campanha como o Setembro Amarelo é de muito importante porque existem pessoas que, em situações de extremo sofrimento, vão olhar o suicídio como opção. Quando a gente traz toda essa discussão à tona, a gente tá contribuindo para que as pessoas se previnam de um sofrimento profundo, cuidem das suas emoções para não chegar ao impulso suicida”, detalha.   

Cuidado no isolamento Justamente por o suicídio ser resultado do agravamento de doenças relacionadas à saúde mental, todas as limitações impostas pelas medidas de seguranças adotadas por conta do coronavírus podem acabar agravando ou gerando quadros de ansiedade ou depressão que merecem atenção. O neurocientista e neuropsicólogo Fabiano de Abreu explica que processos químicos  ocorrem no cérebro humano quando alguém experimenta depressão ou uma ansiedade generalizada. “O estresse é uma reação a um quadro de ansiedade, e que causa disfunção nos nossos neurotransmissores, que são mensageiros químicos do cérebro. Eles regulam aspectos como sono, felicidade em geral, bem estar, sensação de recompensa, e uma gama imensa de sentimentos satisfatórios que nós temos. Então, quando você tem uma ansiedade  potencializada e contínua, ou um estresse, você vai causar essa disfunção que acaba gerando um desequilíbrio no seu sistema e abaixando inclusive a imunidade”, detalhaO especialista chama atenção como a pandemia modificou, inclusive, essas reações químicas comuns no corpo.. “A ansiedade é uma pendência, você fica ansioso porque tem algo a resolver, e quando você não resolve, como é o caso do vírus, da economia, que não depende de você resolver, essa pendência ativa nossa ansiedade”. “Na rotina anterior, a pessoa tinha várias metas de curto prazo: se arrumar para o trabalho, chegar no horário, colocar gasolina no carro, e cada meta que era conquistada, você estava gastando a sua ansiedade, produzindo o neurotransmissor da recompensa. Agora, em casa, sem essas metas, seu inconsciente não entende que a vida mudou, te pede para seguir na rotina, e isso também ativa a ansiedade”, explica Abreu. 

Para evitar que essas mudanças acabem desencadeando processos de depressão e ansiedade hábitos simples podem ajudar, justamente por regular os sentimentos de recompensa ou reduzir a sensação de que algo está pendente.  “Na pandemia a gente não tá produzindo esse neurotransmissor da recompensa, porque não estamos tendo recompensas, e isso também faz com que a ansiedade se potencialize.  É por isso, por exemplo, que a pandemia gerou tanta compra por impulso, porque quando você compra, você tem essa recompensa, mas existem outras formas de se cuidar para resolver isso”, explica. Entre as sugestões, mudanças como estabelecer pequenas metas na rotina ou estudar coisas novas podem ajudar (veja lista completa abaixo). 

Existem sinais Quem está isolado com a família e quer ter certeza de que ninguém está passando por nenhuma condição mais grave relacionada a saúde mental precisa estar atento.“É um momento de olhar o outro, olhar para sí, oferecer uma escuta, e procurar ajuda profissional quando a gente percebe que não está dando conta sozinho. É importante perceber se um quadro de ansiedade, de tristeza profunda, é algo pontual desse momento de pandemia ou se reflete uma condição mais grave”, ensina a professora do curso de psicologia da UNIFACS, psicóloga, e mestre e doutora em Educação, Claudia Vaz. Entre os sinais de que é preciso tomar cuidado estão um isolamento emocional e social, ausência de comunicação que se estende no tempo, irritabilidade atípica,  alterações no sono - para mais ou para menos - sintomas físicos, como dor no estômago, alteração intestinal, que não se associam a nenhum diagnóstico médico,recusa de ajuda dos amigos, familiares ou até de profissionais “Às vezes as pessoas dão sinais que estão considerando suicídio e a família nega, briga, faz pouco caso, e é necessário realmente prestar atenção porque com essa escuta, quando a pessoa se oferece como apoio, demonstra a importância do outro para ela, é que o suicídio pode ser prevenido, evitando”, detalha Sabrina. 

Outro grupo que merece atenção são os idosos. Por serem o maior grupo de risco para a covid-19, foram os que mais experimentaram perdas durante a pandemia, e isso pode refletir também na saúde mental. “Nesse momento de pandemia, os idosos realmente precisam ser cuidados, porque perderam muito de sua autonomia, de sua independência, tiveram perdas no ponto de vista cognitivo, as vezes estão confusos, perderam um pouco da consciência temporal. É uma mudança grande de rotina, que implicou em muitas perdas e que a gente não sabe por quanto tempo mais vai durar”, diz Claudia Vaz. 

Veja hábitos que podem te ajudar a minimizar os efeitos da pandemia na sua saúde mental - As dicas são do neurocientista e neuropsicólogo Fabiano de Abreu

Garanta oito horas de sono - Evite invadir a madrugada acordado e estimular sua mente com notícias e redes sociais logo antes de dormir. Faça exercício físico logo cedo - O exercício libera neurotransmissores que te dão prazer e isso ajuda a regular seu sistema. Se informe de uma vez - Aquilo que você deixou de ler a noite, você pode consumir pela manhãOrganize o seu dia por ordem de prioridade - Faça primeiro as tarefas mais complexas. Assim, no fim do dia quando você já estiver cansado, restarão apenas as tarefas fáceis de resolver e sua energia será suficiente. Tenha uma boa alimentação - Uma alimentação balanceada, colorida, diversa faz muita diferença. Coloque metas de curto prazo no seu trabalho - Adapte a sua rotina e coloque metas possíveis de curto prazo, isso vai fazer com que você experimente pequenas conquistas ao longo do dia e ajudar a regularizar o neurotransmissor da recompensa. Estude coisas novas - Essa é outra forma de estabelecer metas e experimentar novas conquistas. O estudo ainda ajuda a criar novas conexões no nosso cérebro e contribui para retardar questões ligadas à velhiceBusque equilíbrio - Importante um momento de meditação, de busca do equilíbrio, e de contato com a natureza onde se possa refletir    

*Com orientação do editor Roberto Midlej