Seu bichinho em segurança: o que observar na hora de contratar um hotel pet?

Morte de animal em resort para bichos em Lauro de Freitas alerta para os cuidados com esse tipo de hospedagem

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  • Priscila Natividade

Publicado em 4 de dezembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Pessoal

Há quatro anos, a jornalista Thais Borges entrou em um pet shop só para comprar ração para o peixe do namorado, sem saber que sairia de lá com um pet que mudaria por completo sua rotina. O olho bateu de imediato em um cercado de mini coelhinhos e ali, um bichinho chamava atenção, a única com pelugem diferente em meio aos outros da ninhada. “A maioria deles eram coelhinhos branquinhos, mas eu olhei para ela com aquele pelo cor de mel e só me apaixonei por aquele animalzinho. Tinha certeza de que eu ia levá-la para casa”, conta a tutora da coelhinha que já desfilou de Mulher Maravilha em evento pet, era fã de banana e acumulava mais de 9 mil seguidores no Instagram (@quemvaiecoelho).  

No entanto, Thais nunca imaginou que, após a sua primeira viagem desde o início da pandemia, chegaria em casa sem Nicinha. A coelhinha da raça lionhead morreu na última segunda-feira (29), após ser deixada pela tutora na clínica veterinária e hotel para animais de estimação Jack's Pet Resort (@jackspetresort), em Lauro de Freitas. Ela pagou R$ 337,62 por seis diárias. Antes de retornar a Salvador, a jornalista conta que recebeu uma ligação da sócia do estabelecimento dizendo que tinha uma notícia “muito ruim” para dar.  

“Ela me falou que minha coelha tinha ido a óbito. Primeiro, disse que não sabia o que tinha acontecido, que o lugar onde ela estava as câmeras não pegavam. Depois, uma das sócias admitiu que Nicinha foi encontrada fora do cercado, lambida e com falhas no pelo, já morta, às 5h40 da manhã. Só fui comunicada seis horas depois. Eles nem sabem o quanto essa coelha significa para mim. Nicinha não era apenas um animal, não era só uma coelha, era minha filha”, lamenta Thais.  

Uma das sócias, Jéssica Gaspar, conhecida como a Menina dos Pets (@meninadospets), chegou a publicar no seu perfil uma nota de esclarecimento onde pede desculpas à tutora e diz que a morte de Nicinha foi um caso isolado. Porém, logo depois do post, a página de Jéssica sumiu do Instagram, assim como fotos postadas no perfil do Jack's. Os comentários da página da empresa também foram bloqueados. 

Além da coelhinha, Thais chegou ao resort com dois cachorros da raça shit-su, porém, voltou para casa sem um dos bichinhos que fazem parte da sua família. Após a denúncia de negligência e prints vazados de conversas no grupo de funcionários do resort, o caso ganhou repercussão nas redes sociais. Apesar de triste, a morte de Nicinha acendeu o alerta dos tutores para os cuidados na hora de escolher um local em que possa deixar pets em segurança, principalmente nessa época de fim de ano, quando a procura por esse tipo de serviço aumenta bastante.  

“O animal pode ir a óbito enquanto estiver na hospedagem por diversos motivos. O serviço será responsabilizado se houver a comprovação de que o fato ocorreu por negligência, o que pode ser verificado por meio de filmagens e de exame de necropsia e reforçado pela análise do comportamento dos responsáveis pelo estabelecimento no caso de alguma ocorrência”, destaca a advogada especialista em Direito Animal e diretora executiva da Comissão de Direito Animal da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA), Graça Paixão.  

O resultado da análise da necropsia da coelha Nicinha pelo Hospital de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia (Ufba) deve ficar pronto nos próximos 30 dias.“O artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais afirma que maus-tratos a animais é crime, com pena de detenção de três meses a um ano e multa e com aumento de pena de um sexto a um terço, caso o animal seja levado à morte”, complementa.  Segundo o veterinário especializado em animais silvestres e exóticos que atendia Nicinha desde filhote, Rodrigo Arapiraca, a coelhinha era um pet muito saudável e bem tratada. “O manejo de animais como Nicinha é relativamente simples. É sempre importante ter uma parte separada, um lugar reservado com menor barulho e obedecendo às especificações de cada espécie. Ela chegou para mim bem ‘pituchinha’.  A tutora seguia à risca as minhas orientações e fazia todas as consultas de rotina. Nicinha ajudou bastante via redes sociais na divulgação de informação veterinária e de saúde para os coelhos de Salvador”. 

Advogado e sócio do escritório Matheus Maciel Sociedade de Advocacia, especializado em clientes de alta exposição e casos de grande repercussão social, Matheus Maciel reforça que em denúncias de negligência como a que foi feita pela tutora de Nicinha, a empresa responde judicialmente, independente de culpa, por qualquer situação que o animal sofra.“Não raras vezes em contratos de adesão, ou seja, aqueles em que as cláusulas não são discutidas entre as partes, existem cláusulas abusivas, que podem, inclusive, ser questionadas na Justiça”.  Outros casos  Na quarta-feira (01), uma ação conjunta entre a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) do município de Lauro de Freitas, Vigilância Sanitária (Visa) e Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CVRM) vistoriou e autuou o Jack's Pet Resort, que estava funcionando de forma irregular sem alvará sanitário e registro no Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia. A reportagem tentou contato com o advogado que representa o resort, Marcel Ferraz, mas não obteve retorno, ao ser questionado sobre os problemas encontrados no local.  

O Jack's Pet Resort já foi uma hospedaria familiar quando se chamava Menina dos Pets, com sede em Jauá. Em 2020, foi renomeada para Smart Pet Resort até mudar novamente, neste ano, para o nome atual. Nicinha não foi a primeira morte no local. Em abril, o cãozinho Maylon, que havia sido resgatado de situação de abandono pelo projeto social Vamos alimentar um Pet (@vamosalimentarumpet), foi devolvido sem vida para o casal Ana Albuquerque e Mário Cardoso, responsáveis pela iniciativa e tutores de Maylon.  “A secretária do resort me informou que Maylon brigou com outro cachorro meu, o Galego, e quando foram olhar pela manhã ele estava morto. Achei estranho. Ao perguntar pelo corpo, ela disse que Jéssica (a sócia-proprietária) decidiu ligar para um crematório e eles já haviam levado o corpo. Nesse momento eu tive certeza que a história deles tinha alguma mentira”, conta Ana.  O casal foi até a o crematório que ficava próximo do resort e retirou o corpo do cão, que foi levado para uma clínica onde seria feito o exame de necropisia.  “Quando o resultado saiu, eu tive a comprovação que eles mentiram sobre a morte de Maylon. O laudo apontou que ele morreu por traumatismo no tórax lateral esquerdo (pancada), agravado por insuficiência respiratória, devido ao deslocamento da traqueia. Um sócio confessou que usaram coleira enforcadora nele. O laudo não apontou uma mordida sequer”, completa a tutora.  

Maylon já havia sido abandonado, antes, seis vezes. A ida para o resort era para proporcionar um lugar seguro e protegido para o cão, como afirma Mário. “Foi uma dor muito intensa, principalmente pelo histórico de Maylon, antes de resgatarmos. Até hoje, ao lembrar,  me traz dor e sensação de injustiça. Quando soube da morte de Nicinha, aquela dor que eu senti intensamente da perda de Maylon, veio dobrada. Fico imaginando o que o animal sofreu durante seus últimos minutos de vida, é terrível”. Ana e Mauro entraram com um processo civil contra o resort e aguardam julgamento.   

Quando um animal é deixado sob a guarda de um hotel pet, é obrigatório que ele seja devolvido nas mesmas condições em que foi entregue pelo seu tutor. Por isso, especialista em Direito do Consumidor e na Área Cível, Cândido Sá, aconselha que o tutor não abra mão de exigir um contrato de prestação de serviços.  

“O contrato é algo que poucas pessoas leem, infelizmente. Mas é com ele que podemos lutar pelos nossos direitos. É fundamental ver no contrato qual é a alimentação, os horários, em que local o animal ficará ou se ele ficará solto com outros iguais. Tudo isso é necessário para analisar e até questionar algo que não concorde. E também para usarmos como prova caso as cláusulas não sejam cumpridas”.  

Mais cuidados  Todo estabelecimento que se compromete a prestar esse serviço precisa garantir a integridade e saúde do bichinho. Ainda assim, os riscos de acidentes existem. É o que pontua a professora da Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Daniela Laranjeiras. Entre os principais estão as brigas entre as espécies e as fugas.“Verifique o histórico desse local, quem é o veterinário responsável, confira se existe uma estrutura para cada espécie, se esses recintos estão separados adequadamente. Não aceite um lugar que não te deixa entrar para conhecer todos os ambientes”.  Tutora do doguinho Bud, a estudante de medicina Monna Almeida sabe bem o que é a angústia de chegar a uma hospedagem pet e retirar seu pet machucado. No fim do ano passado, Bud ficou durante o Réveillon no Jack’s Pet Resort quando ainda se chamava Smart Pet Resort. O cão já tinha se hospedado outras vezes e frequentado a creche.

 “Disseram que numa ‘brincadeira de cachorros grandes', uma cadela labradora tinha 'arranhado' a orelha de Bud. Desde então, eu que sempre pedia informações e apenas me informavam que estava tudo bem. Na verdade, a orelha de Bud estava dilacerada, rasgada em dois pedaços, um deles estava totalmente solto”, lembra. Foram necessárias duas cirurgias para reconstruir a orelha.  

Ao buscar o pet, a orientação a professora da Escola de Medicina Veterinária da Ufba, Daniela Laranjeiras é não deixar passar nenhum detalhe: “Ou seja, dar uma de veterinário mesmo. Examinar, pegar, abrir a boca do seu animal ver se está bem, segurar para ver se emagreceu, palpar, olhar a pele, ver se tem algum ectoparasito, rastrear seu animal todo. Outra coisa que vocês também vão perceber é o ‘felling’ daquele animal, se ele vem bem, ou se ele vem com medo. Se ele está assustado é sinal que essa estadia, de alguma forma, não foi boa para ele”, ressalta. 

QUAIS SÃO OS DIREITOS DO TUTOR?

. Contrato  Todas as condições para a contratação do serviço precisam estar bem claras no contrato. Quantidade e qualidade das refeições, passeios, banhos e outros itens devem estar presentes nesse documento, assim como os valores e acordos.  

. Segurança e bem-estar do animal  Quando um animal é deixado sob a guarda de um pet hotel ou alguém cuida dele, essa pessoa ou empresa passa a ser a guardiã e a se responsabilizar pela sua segurança. Redobre a atenção, principalmente, sobre o que consta nas letras reduzidas.  

. Dever do estabelecimento   É fundamental fazer uma entrevista previa com o tutor e oferecer o serviço conforme o comportamento e hábitos de cada bicho. Inclusive, o local pode exigir carteira de vacina e relatório médico-veterinário quanto ao estado de saúde do pet. 

. O que diz a legislação?  O art. 32 da Lei de Crimes ambientais afirma que maus-tratos a animais é crime, com pena de detenção de três meses a um ano e multa e com aumento de pena de um sexto a um terço, se o animal vier a óbito. Recentemente, esse artigo sofreu uma alteração com a inclusão do parágrafo 1º-A, que dispõe que quando se tratar de cão ou gato, a pena é de reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda. No artigo 225, a Constituição Federal também condena maus-tratos em animais. No caso da Jack's Pet Resort, que está localizada em Lauro de Freitas, o município conta com uma lei municipal de proteção animal, a Lei Remca (Lei 1618/16), que proíbe expressamente nos artigos 6º e 7º, situações de maus-tratos contra animais.   

. Evidências  Não deixe de fazer uma relação de perguntas sobre o estabelecimento e observe se há tranquilidade do responsável na hora de tirar suas dúvidas. Faça também uma relação por escrito sobre o temperamento e hábitos do pet. É bom enviar por e-mail ou Whatsapp e deixar tudo o mais registrado possível. Exija sua via do contrato ou de qualquer documento que assine.  

. Em caso de suspeita de negligência,   é importante solicitar ao estabelecimento de imediato filmagens do período e realizar exame de necropsia no corpo do animal. Comprovada a negligência, o guardião pode contratar advogado e buscar a responsabilização civil do proprietário do estabelecimento, com pedido de indenização por dano moral, considerando que os animais fazem parte da família multiespécie. 

PRECISA CONTRATAR UM HOTEL OU RESORT PET? 

. Na hora de escolher um local  Busque informações nas redes sociais, comentários e, inclusive, recomendações com outros tutores que já contrataram o serviço. Faça uma boa pesquisa de reputação e do histórico daquele lugar, além de qual o respaldo técnico que ele tem. Desconfie de locais que não pedem o atestado de saúde do seu bichinho.  

. Fique alerta  Não deixe de fazer uma visita antes de deixar o seu pet. O check-list é grande, mas observe com calma e atenção cada detalhe, se há algum tipo de situação que possa comprometer a segurança. Áreas divididas, viveiro, cercado, condições de higiene e limpeza, zonas de fuga, escadas, batentes, proteção na piscina, qualificação dos funcionários, se existe supervisão veterinária presente e atuante. Peça ainda para ver onde ficam armazenados os alimentos dos animais. Se for algum animal silvestre exótico, é fundamental se certificar se o local tem realmente condições adequadas de fazer o manejo desse bichinho.  

. Espécies  Veterinários recomendam que em caso de espécies como gatos, peixes e de animais silvestres exóticos dê sempre preferência por manter o pet no ambiente em que ele está adaptado, utilizqndo o serviço de pet sitter ou, então, a ajuda de alguém de confiança do tutor que ele esteja familiarizado. Geralmente, os cães são mais adaptáveis a esse serviço de hotel, a não ser que o seu pet tenha dificuldade de se relacionar com outros da mesma espécie.   

. No fim de ano  A demanda costuma crescer bastante nessa época do ano por conta das festas e viagens de férias. Observe se o estabelecimento apresenta preocupação com limites de quantidade e espécies para evitar acidentes com outros animais. Prefira lugares com serviço de gravação de vídeo e encaminhamento para o tutor para que consiga monitorar o bichinho mesmo à distância. 

. Acidentes que podem acontecer  O mais comum são as brigas entre as espécies e as fugas, por isso é muito importante conhecer a estrutura daquele local e o temperamento do seu pet. No caso de cães, por exemplo, é importante ver tamanho, temperamento e número de animais. Aqui fica o alerta para espécies silvestres exóticas, que são muitos susceptíveis a fuga, o que aumenta o risco de óbito. Redobre a atenção ao avaliar a separação dessas estruturas e se realmente existe um bom nível de segurança em hotéis que recebem várias espécies.