Só baianas de acarajé que respeitam tradição terão licença garantida

Com a promessa de apertar a fiscalização, a secretária Rosemma Maluf garantiu que o objetivo é fortalecer a forma tradicional de fazer e vender o bolinho

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 16 de junho de 2015 às 09:07

- Atualizado há um ano

A prefeitura resolveu colocar um pouco de molho na polêmica envolvendo as baianas de acarajé tradicionais, evangélicas que vendem o “bolinho de Jesus” e empresários que comercializam o acarajé congelado. Na semana em que o ofício de baiana completa dez anos como Patrimônio Imaterial Nacional, a Secretaria de Ordem Pública (Semop) escolheu seu lado na apimentada disputa: o da tradição.No Pelô, Mary capricha no visual. Só as que respeitam tradição terão licença garantida (Foto: Arquivo CORREIO)Com a promessa de apertar a fiscalização, a secretária Rosemma Maluf garantiu que o objetivo é fortalecer a forma tradicional de fazer e vender o bolinho. Na verdade, já existe o Decreto Municipal 12.175, de novembro de 1998, que atribui obrigações para o comércio exercido pela baiana de acarajé e de mingau. Mas Rosemma anunciou que o decreto será modernizado.CONFIRA ESPECIAL DO CORREIO SOBRE O ACARAJÉDepois de algumas reuniões com a Associação de Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (Abam), a secretária disse que pretende seguir o que reza a certidão de registro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que prevê o uso de indumentária e receita específicas. Desde o primeiro decreto, quando passou a ser obrigatório o alvará de autorização, as baianas deveriam “utilizar vestimenta típica de acordo com a tradição da cultura afro-brasileira”.A ideia é, segundo ela,  “lapidar” essa lei, fiscalizar com rigor e licenciar apenas as baianas que respeitam a tradição na hora de se vestir e de fazer o acarajé. “No espaço público, só vamos licenciar as baianas caracterizadas. Existe uma indumentária que precisa ser preservada e uma forma de fazer o bolinho. Senão, o ofício vai acabar”, acredita a secretária. “O acarajé tradicional é patrimônio de uma comunidade e precisa ser respeitado”, concorda a presidente da Abam, Rita Santos.O que não quer dizer que as baianas precisem usar roupas pesadas, como as saias carregadas de anáguas. Costureira de mão cheia, especialista em trajes relacionados com o candomblé, Gersonice Azevêdo Brandão, a Equede Sinha, do Terreiro Casa Branca, afirma que o traje da baiana de acarajé pode ser “o mais simples possível”, ou seja, saia, bata, torço e fios de contas. “Não precisa desfilar roupas caras e brilhosas. O que não pode é descaracterizar”, defende.Sobre os bolinhos, as baianas defendem que sejam feitos de feijão fradinho temperado apenas com cebola e sal e frito no dendê. No recheio, o básico. “O acarajé original só tinha pimenta e vatapá. Depois, entrou o camarão e, recentemente, o caruru. Mas como também fazem parte do cardápio dos orixás não tem problema”, explica o cozinheiro e babalorixá Carlos Barbosa dos Santos, o pai Gueji de Oyá, do Terreiro Ilê Axé Opô Igbalé. Quem incrementa a receita, como o baiano de acarajé Yan Reinel, no Caminho de Areia, diz que não tem a intenção de mudar a tradição.“Eu vendo com siri e bacalhau por causa de clientes que têm alergia ao camarão. Mas mantenho a forma de fazer. Em momento algum quero mudar o bolinho”, garante. Apesar de defender a tradição, a atuação da prefeitura se restringiria ao espaço público. Por isso, a Abam já anunciou que vai entrar na Justiça contra empresários que produzem acarajé congelado e restaurantes que servem a iguaria como artesanal.Nesse embate, o Iphan também está com as baianas tradicionais. Mas, diz o superintendente Carlos Amorim, o órgão só poderá restringir formas de atuação quando a discussão avançar para o campo econômico. “O registro se realiza pelo fazer do tabuleiro e do ofício. Para que haja garantias econômicas, temos que avançar mais para a área que registra patentes de formas tradicionais de cerveja ou queijos, por exemplo, do que para o campo do patrimônio imaterial. Mas apoiamos as baianas”, afirma.