'Só quero ir e vir sem ter medo, angústia', diz mulher esfaqueada 68 vezes

Primeira audiência do caso aconteceu nesta quinta-feira (27); vítima pediu para não ver criminosos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 27 de junho de 2019 às 18:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Os óculos escuros estavam longe de ser por mera vaidade. Quando sofreu 68 facadas em março deste ano, um dos golpes atingiu um dos olhos e a visão ficou comprometida. Com o acessório agora indispensável e ainda trêmula, a fisioterapeuta Isabela Oliveira Conde, 36 anos, chegou ao Fórum Criminal de Sussuarana na manhã desta quinta-feira (27) para a primeira audiência de instrução do processo que apura a tentativa de feminicídio contra ela.

Isabela foi vítima de um plano armado pelo ex-namorado dela, o jornalista Fábio Barbosa Vieira, 37. Ela foi esfaqueada dentro do próprio carro por dois homens contratados pelo ex, que tinham como objetivo matá-la na Avenida Bonocô. A fisioterapeuta só escapou porque se fingiu de morta e foi abandonada pelos criminosos às margens da BR-324. Então, ainda lavada de sangue, Isabela conseguiu pedir ajuda. Sobrevivente, ela relatou tudo e todos envolvidos foram presos – além de Fábio, Alex Pereira dos Santos, 26, e Adriano Santos de Jesus, 29.

“Por várias noites tentei compreender o que havia acontecido comigo, mas somente nas minhas orações descobri que não posso entender a mente de um assassino. Estou viva porque sou um milagre de Deus”, declarou Isabela momentos antes de ser ouvida pelo juiz Paulo Sérgio da 1ª Vara Crime.

De acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a audiência começou por volta das 11h e terminou em torno de 14h30. Hoje, foram ouvidas quatro testemunhas de acusação, além da vítima. Já as testemunha de defesa foram dispensadas. O órgão informou ainda que foram interrogados os três acusados, que retornaram posteriormente para a penitenciária.

Isabela foi a primeira a dar seu depoimento e pediu para não se encontrar com o ex-namorado, nem com os criminosos que esfaquearam ela.“Não tive condições psicológicas de ficar perto dessas pessoas que me fizeram tanto mal. Pedi para que não ficasse perto deles”, disse Isabela. Logo após, os acusados chegaram para ser interrogados um a um pelo juiz. Usando uniformes do sistema penitenciário, na cor laranja, os três se apresentaram no 6º andar do prédio, escoltados por policiais militares. Os passos apressados dos criminosos não evitaram que eles fossem hostilizados pelos parentes da fisioterapeuta. “Assassino! Minha irmã sobreviveu. Seu assassino”, gritou Fátima de Oliveira Conde, irmã de Isabela. Parentes e os advogados dos acusados estiveram no local, mas não quiseram falar com a imprensa. 

Ainda segundo o TJ-BA, a partir de agora o  Ministério Público da Bahia (MP-BA) e a defesa terão um prazo de cinco dias, contados a partir desta sexta (28), para apresentar as alegações finais. Só então haverá uma definição se os crimiosos irão ou não a júri popular.  Isabela pediu para não reencontrar criminosos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O CORREIO conversou com Isabela, que falou sobre sua volta à rotina e como tem vivido após ser vítima de tanta violência.

CORREIO: Como tem sido esses dias? Conseguiu voltar à rotina?Isabela: É muito difícil, porque eu tinha uma vida muito dinâmica e hoje me vejo limitada. Ainda sem poder trabalhar, algo que me trazia muita satisfação. Isso me deixa triste e o que mais peço a Deus é que isso termine logo, que eu melhore fisicamente e psicologicamente para voltar às minhas atividades. 

Você sempre segura um terço nas mãos. Sua fé aumentou?Sempre tive fé em Deus e agora me apeguei ainda mais, porque me considero um milagre de Deus e acho injusto de minha parte não agradecer diariamente. Quero me fortificar. Estar aqui hoje já é uma vitória muito grande. Quero que Deus me dê sabedoria e que eu possa, através da Justiça, ter o direito de ir e vir sem ter medo, angústia de que algo possa vir acontecer comigo novamente. 

Como analisa esse crime articulado pelo seu ex-namorado?Até hoje procuro entender tamanha crueldade de um ser humano. Nunca pensei em passar por isso, de vivenciar isso, de estar aqui. Só que nas minhas orações pude entender que eu não podia entender a mente de um assassino, porque eu não sou assassina. Nunca vou entender o que leva um homem a agir de uma forma tão cruel, com requinte de maldade. Ele viu todo o meu sofrimento, eu apelando pela minha vida e, mesmo assim, não foi suficiente. Isso vem como flashes em minha mente diariamente. Não consigo esquecer aquela noite.

As marcas do ataque são visíveis em seu corpo. O que aconteceu de pior nisso tudo?Ainda tenho cicatrizes, mas a sequela pior é o meu olho, não enxergo direito. Não consigo ler, nem dirigir, que são coisas que eu fazia corriqueiramente. Tive que vender meu carro, fiquei com trauma. 

Visivelmente você está inquieta, mexendo os braços e pernas sem parar. Como tem lidado com o nervosismo? À noite é mais difícil, pois me recordo muito de tudo. Aí tomo medicação para relaxar e oro. Oro muito. Me apego às orações. Durante esse período já li mais da metade da Bíblia, coisa que eu não conhecia muito. Sempre ia à igreja, mas nunca lia a Bíblia. Hoje me apego e encontro respostas para a minha vida. 

Muitas mulheres te procuraram depois desse crime para pedir ajuda?Muitas mulheres me procuram no Instagram. Eu abri meu Instagram. Eu não tinha o hábito de estar nas redes sociais, tinha poucas fotos. Terminou que abri o meu Instagram, recebi muitas mensagens e pude ajudar. Assim como eu, que não tinha maldade de achar que um ser humano desse poderia ser tão cruel, essas mulheres vivem essa violência diária. Muitas vezes começa assim com possessividade, ciúmes, agressão, até chegar ao ponto do homem tirar a vida de outra pessoa. Relembre o caso O crime aconteceu no início da noite do dia 28 de fevereiro, uma quinta-feira de Carnaval. Fábio foi buscar Isabela no trabalho, como já havia feito em outras ocasiões e, quando a vítima entrou no carro, percebeu que dois desconhecidos, Adriano e Alex, também estavam no veículo.

Durante o trajeto, ela foi dominada e esfaqueada com 68 golpes. A tortura terminou apenas quando Isabela se fingiu de morta. Ela foi jogada em uma ribanceira, na BR-324, socorrida por pessoas que passavam pela região e levada para o Hospital do Subúrbio. Fábio foi preso no mesmo dia, quando esteve na unidade de saúde.

Ele contou para a polícia que Adriano trabalhou como servente de pedreiro em uma obra na casa dele e que pagou R$ 500 para ele e mais R$ 500 para Alex cometer o crime. O casal começou a namorar em 2017 e tinham brigas constantes por conta dos ciúmes de Fábio.

Em entrevista ao CORREIO, à época, Isabela afirmou não ter dúvida de que o namorado já tinha intenção de matá-la há tempos. “Ele já planejava minha morte. Dias antes, um rapaz entregou a ele R$ 500 referente ao aluguel de um dos meus imóveis. Perguntei sobre o dinheiro, ele negou que tivesse recebido. Acredito que ele pegou o valor para juntar e pagar os caras para me matarem”, declarou a fisioterapeuta, mãe de uma adolescente de 16 anos e funcionária de um hospital privado na cidade.

* Colaborou Gil Santos