Só tenha os filhos que puder criar

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

Publicado em 29 de abril de 2019 às 11:45

- Atualizado há um ano

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Nesta semana, circulou pela web um outdoor com a frase "só tenha os filhos que puder criar" e eu repercuti, porque achei maravilhoso. Obviamente, houve polêmica (e não há nada que escape, claro) e discordâncias entre o pessoal mais "cabeça" e a galera de raciocínio mais ligado na vida real. Estou incluída nessa segunda turma e confesso que fico besta ao ver pessoas incentivando responsabilidade na adoção de ANIMAIS, mas defendendo o direito de qualquer um(a) botar filho no mundo sem pensar. Não. Não tem esse direito. E só a mais absoluta crueldade (ou ignorância) leva alguém a discordar.

É claro que a vida muda, mas até isso precisa ser ponderado. Eu pari aos 37, primeiro momento em que tive CERTEZA de que faria qualquer coisa para bem criar um filho, como ele viesse. Abro mão de qualquer coisa, de qualquer pessoa. Por ele, faço qualquer trabalho. E só tenho um, justamente porque essa é a minha capacidade máxima. Tanto financeira quanto emocional. Obviamente, pessoas têm diferentes níveis de cognição, conhecimento e acesso a métodos anticoncepcionais. Mas isso não desqualifica a ideia. É preciso que todos (as) entendam que não se coloca gente no mundo pra "coroar o casamento", pra "dar um irmãozinho", pra "dar um netinho à vovó", sem pensar "eu posso criar"?. Em nenhuma classe social isso devia ser tratado dessa maneira. Seja quem você for, sim, por favor, só tenha os filhos que puder criar.

Sem essa consciência, não há sequer a demanda popular por políticas públicas que elevem a qualidade da infância. E ainda não há essa reflexão. Perguntem nos postos de saúde o quanto sobra de DIU e outros métodos anticoncepcionais. É preciso que homens e mulheres entendam que parir não é brincadeira e isso me parece tão claro quanto o mundo cão em que vive grande parte das crianças nascidas "por que sim", neste país. No meu post, eu disse que ficava com raiva e é a mais pura verdade. Porque já estive no front, amizades, lá onde você escuta que "onde comem quatro, comem cinco" ao se oferecer para pagar a colocação de um DIU, num consultório particular, pra tentar fazer parar de parir uma mãe de QUATRO, aos 23 anos. Todos doentes e mal cuidados, aparentando qualquer coisa, menos a felicidade esperada na infância. Depois disso, é difícil continuar romântica.

Lembro das caras das mulheres grávidas me "oferecendo" seus bebês, ainda nas barrigas, quando assumi a secretaria de ação social, no meu município. Tipo rindo, achando graça dizer "quer pra tu?". As mesmas mães para quem havíamos confeccionado enxovais, no ano anterior. As mesmas que chegam, mais tarde, dizendo que vão entregar crianças ao Conselho Tutelar, porque estão mal comportados. Sobre os "pais" (ou fornecedores de esperma?), melhor nem perguntar. Nunca, nunca, nunca estão lá. "Ainnnn, mas pensar assim é superficial". Sim, então transforme seus "pensamentos profundos" em ações eficazes. Por enquanto, eu vou achar maravilhoso até se pessoas resolverem sair na rua gritando "parem de fazer filhos", todo dia de manhã. É melhor que nada.

Não estou falando de esterilização em massa nem proibição de gravidez que eu não sou maluca. Apenas de um acesso direto, de uma fala que deve, sim, ser repetida para todas as pessoas de todas as classes sociais: só tenha os filhos que puder criar. Vale para homens e mulheres, vale para responsabilizar cada um e cada uma. Em outra camada, vale para cobrar do Estado aquelas condições básicas, garantidas por lei e nunca cumpridas, que facilitam o exercício da maternidade/paternidade. Sim, porque o fato de viver num país onde esses direitos são desrespeitados, não justifica que pessoas sejam colocadas no mundo porque "a culpa não é minha se as coisas estão ruins". Aqui, uma reflexão: por que, nos países mais desenvolvidos cai a taxa de natalidade?

Sou a favor de todos os métodos anticoncepcionais e do aborto, se necessário. Eu toparia, inclusive, nunca mais transar, se não tivesse como evitar uma gravidez ou interrompê-la, caso ocorresse de forma acidental. Sim, esse é um assunto sério e hoje não tem gracinha. Quem viu a miséria em olhos de crianças, todos os dias, durante quatro anos, não acha humor pra tratar desse assunto. Quem viu que a irresponsabilidade é endêmica, que filhotes de humanos são tratados como coisas, não consegue ser condescendente. Um amigo sugeriu bancas de sociólogos e comunicólogos pra resolver o assunto. Ok. Boa sorte. Acho válido. Enquanto isso, eu faço a minha parte e tô fora de dizer "que linda" e comprar fraldinha pra quinto filho de quem não consegue sequer se manter, de forma saudável. Isso é um problema imenso e eu, pessoalmente, não vejo beleza nem graça.