Sobre o zen e a doce arte do desencontro

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  • Kátia Borges

Publicado em 20 de julho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Francisco vendia pássaros de isopor. Era fã de Fassbinder. E eu o conheci no pátio do Instituto Goethe no finalzinho dos anos 1980. Dei uma romantizada no fato de que ele não tinha grana nem para comprar um saco de pipocas, até porque andava envolvida na leitura de On the road. Passamos uns dias juntos, assistindo filmes numa mostra de cinema e conversando sobre a possibilidade de que eu largasse tudo e viajasse com ele pelo país, já que nos apaixonamos, dizia lá ele.

Nunca fui de me apaixonar muito. Para mim, Francisco era apenas um homem interessante. Sua saga pelo Brasil, pegando carona, lembrava Dean Moriarty e era isso que me encantava nele, aquele desapego quase selvagem. Também contava o fato de que parecia saber bastante, e sobre tudo, cinema, literatura, filosofia, poesia e, claro, artesanato. Seus planos para nós eram muito bons. Viajaríamos num domingo, de tarde, logo após a exibição de Também os anões começaram pequenos, saindo da Bahia pela Costa do Descobrimento e seguindo adiante.

Já existia uma carona certa para a primeira fase. Alguém que ele conhecia e que nos deixaria em Trancoso, bem na Praia do Espelho. Eu ajudaria na venda dos pássaros de isopor e ganharíamos o mundo. Eu ouvia sem levar muito a sério. Largar tudo nunca é uma possibilidade se você é de Capricórnio. Vá lá, nem acredito em horóscopo. Mas a verdade é que sempre vivi fortemente as dores e delícias do meu signo. Aos 29, prevalecerá o ascendente, diziam em consolo. Ah, tá. Capricórnio é também o meu ascendente. E nem vou falar sobre a Lua em Touro.

O que me salva, de algum modo, e me põe em grandes enrascadas, muitas vezes, é ter vênus em Sagitário. Vá lá, nem acredito em horóscopo. De modo que até hoje desconheço o signo de Francisco, meu Dean Moriarty de araque, nômade solitário em sua caravana do delírio. Claro que não fui assistir ao filme de Herzog naquele domingo. É provável que ele tenha ido? Talvez tenha se decepcionado? Nunca pensei muito sobre o assunto. Apenas escrevi um poema sobre a proposta de largar tudo e sobre os pássaros de isopor, que ele organizava em móbiles de arame.

Nem mesmo sei se ele ainda corre o mundo ou se está vivo, com seus pássaros de isopor pendurados em arames coloridos, ou se voltou ao curso de direito, abandonado no meio, e hoje é um próspero funcionário do governo. As pessoas mudam com o passar do tempo. E foi com o tempo que aprendi a celebrar também os desencontros. Há viagens que nunca serão feitas em conjunto, porque cada um escolhe permanecer em sua própria aldeia, e há boas histórias a contar aos que são da tribo. Algumas pessoas apenas passam por nossas vidas. E são essas que confirmam a importância de ficar.